O prédio do (agora ex) vereador Ricardo Robles, de Lisboa, inimigo do capitalismo. |
Nos
últimos dias, divertimo-nos todos com uma das rábulas mais conhecidas da
política ocidental: o moralista apanhado pela sua própria moralidade.
Ricardo Robles e os seus correligionários do Bloco de Esquerda
percorreram todas as estações conhecidas desta via dolorosa — o silêncio
inicial, o desmentido solene, os sofismas irresistivelmente cómicos, a
teoria da “cabala”, e finalmente a demissão — não como reconhecimento de
culpa, mas apenas por amor à “causa”.
Em
Espanha, há uns meses, tivemos o líder do Podemos, Pablo Iglesias, que
depois de ter ensinado ao povo que devia desconfiar sempre de qualquer
político que comprasse uma casa de 600 mil euros, comprou ele próprio
uma casa de 600 mil euros e exigiu que ninguém desconfiasse dele. Que se
terá passado nas cabeças do líder do Podemos e do vereador do BE?
Sentiram-se impostores? Ou estavam mesmo de consciência tranquila,
convencidos, como Robles repetiu nos últimos dias, de que o caso dele,
que comprou uma casa em Lisboa a pensar em “rendimento” e “mais-valias,
era diferente do de todos as outras pessoas que compraram casas em
Lisboa a pensar em “rendimento” e “mais-valias”? E se sim, porquê? É
aqui que entra a esquerda: porque Robles, ao contrário dos outros
“especuladores”, e Iglesias, ao contrário dos outros proprietários de
chalets, são “progressistas”, do lado justo da história, e portanto
nenhum pecado se lhes pode pegar. É, aliás, esta indulgência moral que
explica em parte o interesse da classe média pelo BE ou pelo Podemos: na
conjugação da “esquerda” com o “caviar”, não é a esquerda que é
corrompida, mas o caviar que é abençoado. Por isso, a “contradição” e a
“hipocrisia” que tanto comoveram a imprensa não impediram Iglesias de
ter a sua liderança confirmada pela maioria dos activistas do Podemos.
De
facto, o tema da contradição e da hipocrisia só serve para esconder o
ponto fundamental desta história, que é este: em sociedades como a
portuguesa e a espanhola, a política constitui hoje, para quem quiser,
uma das últimas vias rápidas de ascensão social e de enriquecimento. Em
Espanha, Pablo Iglesias vivia em 2014 num modesto apartamento de 60 metros quadrados,
avaliado em 80 mil euros. Em 2018, é proprietário de um chalet de luxo
de 600 mil euros. Que fez o antigo assistente universitário de ciência
política para mudar de vida? Fundou um partido e começou a denunciar os
que compravam e viviam em chalets de 600 mil euros. Ricardo Robles anda
hoje declara um rendimento anual de cerca de 20 mil euros. O que o não
inibiu de se ter tornado um dos dois proprietários de um prédio posto à
venda por 5,7 milhões de euros — um prédio que era do Estado, que foi
recuperado com dinheiro do banco do Estado, e cujas obras terão sido
rapidamente autorizadas pelos serviços do Estado. Almas caridosas
quiseram ver aqui um exemplo de empreendedorismo. Mas é legítimo
perguntar em que medida estas oportunidades existem para os cidadãos que
não têm o papel de Robles na política municipal. “Quem é rico e tem dinheiro, fica com os bons prédios em boas áreas”, dizia uma colega de Robles em 2014. Não era verdade: quem é político, também fica.
A
política democrática gerou sempre ocasiões para todo o tipo de
demagogias moralistas. Nem por isso, o radicalismo ou o populismo
deixaram alguma vez de ter o efeito das actividades políticas que
radicais e populistas denunciam: a formação de uma elite que se vai
apropriando de recursos a que, sem a política, nunca teria tido acesso.
Em 1911, Robert Michels chamou-lhe a “lei de ferro da oligarquia”. Não
por acaso, com base num estudo da esquerda socialista alemã.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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