“Sou condenado à morte
por doenças crônicas, que são o vírus da aids e da hepatite C, que não
têm cura. Estou preso há muitos anos e está muito difícil o dia a dia
pois sei que vou morrer qualquer dia desses”, escreveu uma pessoa
privada de liberdade, de Santa Catarina. “Hoje o sistema prisional não
recupera ninguém”, avaliou outra, de São Paulo.
Os testemunhos foram
tornados públicos pelo projeto Cartas do Cárcere, que analisou 8.820
cartas recebidas em 2016 pela Ouvidoria Nacional dos Serviços Penais,
órgão ligado do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), do
Ministério da Segurança Pública. São pedidos de apoio, declarações de
saudade, confissões de arrependimento, relatos de um dia a dia sofrido,
permeado pelas mais distintas violações de direitos. Por meio das
palavras das próprias pessoas privadas de liberdades, o caos do sistema
penitenciário é revelado.
Um drama que se traduz
também em números. A população carcerária brasileira quase dobrou em dez
anos, passando de 401,2 mil para 726,7 mil, de 2006 a 2016. O número é
do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen) de
junho de 2016, que apresenta os últimos dados oficiais divulgados. Tendo
em vista o crescimento progressivo dos encarceramentos no Brasil de
cerca de 4%, ano a ano, o número deve ser maior. Do total, 40% são
presos provisórios, ou seja, ainda sem condenação judicial. Em todo o
país, há 368 mil vagas, o que significa uma taxa de ocupação média de
197,4%.
Mais da metade dessa
população são jovens de 18 a 29 anos e 64% das pessoas encarceradas são
negras. O maior percentual de negros é verificado no Acre (95%), Amapá
(91%) e Bahia (89%). Os dados mostram que 95% dos presos são homens. A
participação das mulheres se destaca quando observados alguns tipos
penais, como o de tráfico de drogas, crime cometido por 62% das mulheres
que estão presas. Do total de mulheres presas, 80% são mães e
principais responsáveis, ou mesmo únicas, pelos cuidados de filhos.
Quanto à escolaridade,
menos de 1% dos presos tem graduação. “A gente está falando em 89% da
população carcerária que não têm educação básica completa. É um grupo de
pessoas que já ingressa no sistema prisional com alguma
vulnerabilidade”, afirma a coordenadora-geral de Promoção da Cidadania
do Depen, Mara Fregapani Barreto.
Pela Lei de Execução
Penal, a assistência ao preso é dever do Estado, a fim de prevenir o
crime e orientar o retorno à convivência em sociedade. Para tanto, deve
envolver ações de assistência material, à saúde, jurídica, educacional,
social e religiosa.
A realidade do cárcere
contrasta com a previsão legal, mesmo para quem tenta reconstruir a
vida, ainda que na prisão. O relato está em outra “carta do cárcere”,
desta vez de um detento do Rio de Janeiro . “Estudando na unidade de
ensino prisional, concluí o segundo grau, chegando a ser aprovado no
vestibular da Uerj. Fui informado pelo serviço de inclusão social que
mandariam uma equipe de funcionários fazer a inscrição na instituição.
Contudo, não houve a presença de nenhum funcionário”, lamenta.
Segundo o Depen, apenas
15% da população prisional estavam envolvidos em atividades laborais,
internas e externas aos estabelecimentos penais, o que representa um
total de 95.919 pessoas. Entre os que trabalhavam, 87% estavam em
atividades internas. “A Lei de Execução Penal jamais saiu do papel”,
afirma a coordenadora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania,
Julita Lemgruber, primeira mulher a comandar o sistema prisional
fluminense.
A situação poderia ser
ainda pior, pois há um grande número de mandados de prisão pendentes de
cumprimento. De acordo com o Banco Nacional de Monitoramento de Prisões,
do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) , o total chega a 143.967, sem
considerar estados que ainda não inseriram no banco as informações
completas sobre seus sistemas, como Minas Gerais, Rio Grande do Sul, São
Paulo e Paraná.
O resultado desse
cenário está inscrito em diversas denúncias contra o país apresentadas à
Corte Interamericana de Direitos Humanos, que em maio do ano passado
discutiu, em audiência, a situação de pessoas presas no Complexo
Penitenciário de Curado, em Pernambuco; no Complexo Penitenciário de
Pedrinhas, no Maranhão; no Instituto Penal Plácido de Sá Carvalho, no
Rio de Janeiro e na Unidade de Internação Socioeducativa (Unis), no
Espírito Santo, que estão listadas em Medidas Provisionais da Corte,
para cumprimento de melhorias no atendimento nestas unidades.
Diante do quadro, Mara
Fregapani aponta como saída o reforço às alternativas penais, como penas
restritivas de direitos, conciliação e mediação. “É preciso ofertar
ações, serviços, assistência que possibilitem a essas pessoas reescrever
a sua história”, destaca a coordenadora.
Correio
Nenhum comentário:
Postar um comentário