Quase um quarto das 96 empresas punidas a pedido da Advocacia-Geral da União (AGU) por obstruir vias nas greves dos caminhoneiros não tem condições financeiras de pagar a multa de R$ 400 mil. As 23 microempresas que constam da primeira lista de punições, divulgada pela AGU nesta semana, têm faturamento anual máximo de R$ 360 mil e poucos veículos no patrimônio.
Para definir as empresas a serem multadas, a AGU tomou por base a lista de multas aplicadas pela Polícia Rodoviária Federal (PRF) em motoristas que estavam parados na via durante os dias de greve, impedindo a continuidade do tráfego de veículos. No entanto, o governo não considerou qualquer avaliação sobre as empresas antes de solicitar a punição ao STF.
Se não fizerem o depósito voluntário da multa nos próximos dias, elas podem ter suas contas e aplicações financeiras bloqueados, além de bens penhorados.
– Tenho só duas placas. Meu motorista foi abordado quando voltava para casa. Tinha acabado de fazer um reboque. Não tinha como sair – conta Moises Boesing, de 28 anos, dono da Socorro do Mois, microempresa de Harmonia, cidade de 3,9 mil habitantes no interior do Rio Grande do Sul.
Ele diz não ter recebido ainda notificação sobre o pagamento da multa, mas não imagina como fazer para pagar os R$ 400 mil cobrados pelo governo. Segundo o jovem, o caminhão vale menos de um terço do valor da multa, e foi comprado com ajuda de financiamento do BNDES. Parcelas da compra ainda estão sendo pagas.
– Podem levar o caminhão, levar minha empresa, levem tudo. Enchi o saco de tudo, vou embora para os Estados Unidos – diz o empresário.
Com apenas um caminhão na garagem e prestadora de serviços para uma única empresa, que fornece mobílias para lojas, Andrea Riter, de 40 anos, diz que sua família não se mobilizou pela causa dos caminhoneiros autônomos, já que prestam serviço para um único fornecedor, nem acompanham a variação do mercado de frete.
– A gente não tem qualquer relação com o movimento. Meu marido tava retornando para casa e não tinha como sair. Eles que pararam ele, não ficou ali por livre e espontânea vontade. E até justo alguém reivindicar alguma coisa, mas tem sempre vândalos no meio disso tudo – reclamou.
Riter diz já ter contactado um advogado, para saber que providências adotar quando chegar a notificação da multa de R$ 400 mil, por estar parado na BR-116.
– Vamos recorrer disso, não tem porquê ser penalizado assim – afirmou.
A empresa Tiago Giácomo Nonato e Cia, de Francisco Beltrão, no Paraná, teve um de seus seis caminhões-frigoríficos multados em R$ 400 mil. O motorista partiu do Nordeste com uma carga de queijo, descarregou em São Paulo e tentava retornar para casa quando se deparou com o bloqueio na BR-116.
Segundo o dono da transportadora, Fernando Maciel Nonato, ele não aderiu à paralisação, foi só impedido de passar.
– Ele ficou com medo, decidiu ficar bem quieto para não sobrar para ele. Se bobear, ainda é capaz de amanhecer morto – disse Nonato – Ele saiu de lá só dias depois, escoltado pelo pessoal do exército.
Nonato optou por não divulgar o faturamento da empresa, mas afirmou que não é suficiente para pagar a multa. Segundo ele, nenhum de seus seis caminhões está quitado. Ele estima que o veículo parado no bloqueio vale cerca de R$ 200 mil, metade do valor da dívida recém-adquirida com o governo.
– Com certeza, vou procurar um advogado e recorrer. Posso ficar o resto da vida trabalhando e não vou conseguir pagar isso – disse.
Por meio de nota, a AGU informou que o pedido ajuizado no STF foi embasado “em vasta documentação comprobatória de descumprimento da decisão do ministro Alexandre de Morais, que proibiu o bloqueio de rodovias federais, estaduais e acostamentos brasileiros por caminhoneiros”. O órgão não comentou a inclusão de microempresas na lista de multados.
Câmeras
Empresas com recursos suficientes para pagar a conta também pretendem recorrer das multas. Elas afirmam ter provas de que seus motoristas foram coagidos a permanecerem parados nas estradas.
O gerente comercial Vanderson Marcondes, da Budel Transportes, de São José dos Pinhais, no Paraná, diz que o governo está “generalizando” e que a multa “não é justa”, uma vez que o Brasil estava todo parado. Um dos caminhões da empresa, que tem uma frota de 400 veículos e carrega produtos químicos, foi multado em R$ 400 mil na mesma BR-116.
– Nosso motorista ficou parado porque não tinha como andar. Se o trânsito está parado, não tem o que fazer. Vai tocar o caminhão em cima das pessoas? Vai matar alguém? – diz Marcondes.
Segundo ele, o caminhão parado na BR-116 tentou por três vezes furar o bloqueio, mas foi impedido de seguir viagem.
– Nossos veículos têm câmeras e vamos usá-las na nossa defesa. Elas vão provar os procedimentos que nosso motorista tomou – diz.
Fonte: O Globo
Nenhum comentário:
Postar um comentário