Irmãos Fujimori: nova geração, velhos problemas. |
Surrealismo latino-americano: um
presidente enrolado em pagamentos “daquela” construtora, um político
indultado, seus filhos brigados y otras cositas mas". Texto de Vilma
Gryzinski (Veja.com):
“Não,
não, não, não”. As quatro negativas foram feitas por Pedro Pablo
Kuczynski assim que ganhou raspando a eleição para presidente no Peru.
É claro
que foram jogadas no lixo. Premido pela sobrevivência política, o
presidente de sobrenome difícil, por isso chamado de PPK, deu um
presente de Natal ao homem que tantas vezes havia chamado de
delinquente.
A melhor
coisa que o indultado, Alberto Fujimori, poderia fazer em sinal de
agradecimento seria passar dessa para melhor – ou pior, por seus muitos
pecados.
Mas as
notícias sobre sua morte, nos últimos anos, têm sido amplamente
exageradas. Apesar do câncer de língua com várias recorrências , a
“doença progressiva, degenerativa e incurável” mencionada no indulto,
Fujimori ressurge num cenário político com elementos tão tortuosos que
parecem mais uma cena do realismo mágico – ou amaldiçoado – que permeia a
América Latina.
Seus
filhos, por exemplo, não se falam mais. A herdeira, Keiko, que perdeu
por pouco a eleição presidencial para PPK justamente pelo voto
antifujimorista, não quis negociar o indulto ao pai pela votação contra o
impeachment do presidente.
O irmão,
Kenji, comandou a abstenção que garantiu a sobrevivência de PPK,
enrolado em contratos de assessoria com a construtora mãe de todos os
escândalos no Brasil e adjacências.
Um
resumo possível: o fujimorismo majoritário votou, de alguma maneira,
contra o indulto a Fujimori, garantido por uma dissidência fujimorista.
Quem vê
as cenas de protestos pelo indulto imagina que o ex-presidente
beneficiado pela anistia é visto como um monstro irrecuperável pelos
abusos antidemocráticos tão absurdos que ele precisou fugir do país,
renunciado através de um fax, uma tecnologia ainda aceitável 18 anos
atrás.
Na
verdade, Fujimori tem o movimento político mais forte do Peru, com 73
dos 130 parlamentares no mesmo Congresso que ele fechou em 1992, num
infame autogolpe.
As
barbaridades cometidas na repressão e no maquiavelismo alucinado de sua
iminência parda, Vladimiro Montesinos, são vistas por seus seguidores à
luz das monstruosidades maiores ainda do Sendero Luminoso, o grupo
guerrilheiro maoísta que dominou algumas das lonjuras andinas do Peru.
O
indulto vergonhoso e o ainda nebuloso retorno do indultado criam uma
estranha dança política entre dois personagens quase octogenários. Tanto
PPK quanto Fujimori têm 79 anos, eram cidadãos mais do que
respeitáveis, admiráveis que se fizeram pelos estudos e o trabalho.
O filho
de imigrantes japoneses formou-se em engenharia agrícola, estudou física
na Universidade de Estrasburgo e fez mestrado em matemática nos Estados
Unidos.
Ganhou a
eleição presidencial como azarão, concorrendo com ninguém menos do que
Mario Vargas Llosa. Muitos peruanos ficaram com medo do escritor que
falava a verdade e propunha medidas de austeridade.
No
maravilhoso Conversas na Catedral, o personagem Santiago Zavalla diz uma
frase que se transformou em símbolo dos fracassos quase inexplicáveis
da América Latina. Em espanhol fica mais poderosa: “En que momento se
jodió el Perú?”.
Quando
seu autor cometeu a loucura de achar que poderia salvar o país, o Peru
estava, por assim dizer, ferrado. O eleitorado queria uma alternativa
aos políticos tradicionais . Em vez do fino Vargas Llosa, preferiu El
Chino, o engenheiro agrícola com jeito de candidato do povão.
Hoje, ao contrário, o Peru está comparativamente bem. Teria tudo para melhorar mais com Kuzcynski.
De
família de judeus poloneses por parte de pai e suíços católicos por
parte de mãe, formado em Oxford e Princeton, ex-economista-chefe do
Banco Mundial, com nacionalidade americana e respeitáveis portfólios de
investimentos, PPK era o homem para aprofundar a racionalidade econômica
e infundir menos drama a um cenário político em que todos os
ex-presidentes, a partir de Fujimori, são acusados de corrupção.
Até que
apareceu aquela construtora no caminho, sob a forma de contratos feitos
quando ele não estava mais na direção, mas irremediavelmente colocados
sob suspeição, como tudo o que a envolve.
Para
salvar-se, rompeu a palavra dada e indultou Fujimori. Politicamente,
também ficou mais fraco. Imaginem que horror um país em que um
presidente enfraquecido, acusado de corrupção, faz acordos desonrosos
para continuar no poder.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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