Reitor de
universidade norte-americana detentora de três prêmios mundiais na área
da alimentação na última década critica o discurso ideológico contra os
OGM, organismos geneticamente modificados. Matéria publicada pelo
Washington Post e traduzida pela Gazeta do Povo:
Das
várias alegações anticientíficas que bagunçam os debates atualmente,
nada é tão escancarado como a campanha contra a moderna tecnologia
agrícola, mais especificamente contra o uso de ferramentas moleculares
para criar organismos geneticamente modificados (OGMs).
Depois
de dois bilhões de hectares cultivados e trilhões de refeições
consumidas, não existem estudos de credibilidade contraditórios, nenhum
argumento sobre a validade de modelos matemáticos, nenhuma perturbação
de ecossistema ou qualquer efeito adverso para a saúde humana ou mesmo
problemas digestivos provocados pelos transgênicos.
Mesmo
assim, uma campanha endinheirada e orquestrada, tão persistente quanto
sem embasamento, vem persuadindo uma elevada parcela de americanos e
europeus a evitar os produtos com OGMs e a pagar preços “premium” por
alimentos “livres de transgênicos” ou “orgânicos” que, em vários casos,
são menos seguros e menos nutritivos.
Ainda
bem que os fabricantes de pasta de dente do passado não se acovardaram
tão facilmente; ou então os tubos teriam a mensagem “não contém flúor” e
todos estamparíamos sorrisos muito mais cariados.
Esse é o
tipo de tolice que as sociedades ricas podem ser dar ao luxo de
cometer. Mas as pessoas tentam infligir suas superstições sobre os
pobres e famintos do planeta, os custos deixam de ser toleráveis para
virar perigosos, e o debate sai do campo da ciência para a moral.
Maior desafio
Do
campus ao Congresso, é comum hoje se ouvir falar em termos de “grandes
desafios”. Nenhum desafio, no entanto, é maior do que o de alimentar 9
bilhões de pessoas ou mais com quem dividiremos o planeta nas próximas
décadas.
Claro,
essas pessoas não deveriam vir à existência. Poucas décadas atrás,
“experts” estavam ganhando prêmios como supostos gênios por argumentarem
que “a batalha para alimentar a humanidade tinha terminado”, prevendo
que centenas de milhões iriam morrer e que não havia nada que pudesse
ser feito. (Pergunta: se isso é genialidade, o que seria ignorância? Não
deveriam os doadores do prêmio pedir o dinheiro de volta?)
Em vez
de fome em massa e declínio populacional, os anos seguintes trouxeram os
maiores avanços registrados na história da humanidade em termos de
qualidade de vida, segurança alimentar, redução da pobreza e expectativa
de vida.
É
preciso dar o devido peso e crédito a Deng Xiaoping por libertar o
espírito capitalista na China, mas foram figuras como o fitopatologista
Norman Borlaug e o biólogo Orville Vogel que fizeram a Revolução Verde,
movida pela moderna ciência das plantas, e que salvaram o maior número
de vidas e aplainaram o caminho para o próximo grande desafio.
Atualmente,
os sucessores daqueles cientistas fazem surgir um novo conjunto de
milagres na produção vegetal e na criação animal que podem não só
alimentar bilhões de pessoas, mas conseguem fazê-lo de uma forma muito
mais sustentável e amigável ao meio ambiente.
E apesar
dessas novas tecnologias serem realmente impressionantes, no fundo são
apenas refinamentos de técnicas brutas que vinham sendo utilizadas por
vários séculos.
Morrer de fome
Devido à
natureza enfática ou “estabelecida” da ciência, seria de se esperar uma
união de esforços para espalhar essas tecnologias que salvam vidas e
poupam o planeta, fazendo-as chegar o mais rápido possível às nações
pobres que têm tanta urgência. Em vez disso, ouvimos exigências para que
os países em desenvolvimento renunciem aos produtos que lhes oferecem a
melhor esperança de se unir ao mundo bem alimentado e afluente. Nas
palavras de um crédulo ex-presidente da Zâmbia, “preferimos morrer de
fome do que ingerir algo tóxico”. Maria Antonieta não faria declaração
melhor.
Não é
que a comunidade científica não compreenda a gravidade do problema ou as
distorções da turma do contra. Mas gente demais mantém o que sabe para
si mesma ou, quando se envolve, segue as regras do Marquês de Queensbury
diante de uma briga de rua. Dá para entender este comportamento
reticente quando se está diante de um agressivo e egoísta lobby
antitransgênico, indiferente aos fatos e rápido em perpetrar ataques ad
hominem (à pessoa, e não ao argumento).
Se você é
um acadêmico, você pode dizer que, cedo ou tarde, a ciência
prevalecerá. Se é do mundo do comércio, você pode justificar o silêncio
(ou cumplicidade) dizendo que não está no negócio para discutir com os
fregueses. Se você é um burocrata do setor de regulações, está
preocupado em não ser crucificado por algum erro, evitando se arriscar
porque, afinal, ninguém será responsabilizado pelo milagre que não
chegou ao mercado.
É hora
de mover o argumento para um novo patamar. Para os ricos e
bem-alimentados, negar aos africanos, asiáticos e alguns sul-americanos
os benefícios da moderna tecnologia não é meramente anticientífico. É
cruel, é mesquinho, é desumano – e deve ser confrontado por razões
morais que qualquer cidadão possa entender, inclusive aqueles enganados a
comer salgadinho livre de transgênicos.
Viaje à
África com qualquer um dos três pesquisadores da Universidade de Purdue
que ganharam o World Food Prize (equivalente ao prêmio Nobel da
agricultura) nos últimos anos, e você não ouvirá em nenhum momento a
conversa dominada pelos manifestantes antitransgênicos. Lá, de onde virá
mais de metade do aumento populacional, consumidores e agricultores,
indistintamente, estão ansiosos para compartilhar os avanços que salvam e
melhoram as condições de vida – e que apenas a ciência moderna pode
trazer. Os esforços para convencê-los do contrário, ou simplesmente para
lhes bloquear o acesso à próxima geração de avanços, são pior do que
anticientíficos. São imorais.
* Mitchel E. Daniels é reitor da Universidade de Purdue e ex-governador do estado americano de Indiana.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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