MEDIÇÃO DE TERRA

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MEDIÇÃO DE TERRAS

domingo, 3 de setembro de 2017

Contradições e falta de transparência marcam tentativa de extinção de reserva ambiental


Especialista da WWF Brasil derruba argumentos do governo e lembra que alerta já havia sido feito

Jornal do BrasilFelipe Gelani *
O passo atrás do governo federal com relação à extinção da Reserva Nacional do Cobre e Associados (Renca), e as próprias declarações oficiais a respeito da polêmica refletem as contradições sobre o tema e a forma obscura com que ele tem sido tratado. Ao mesmo tempo em que na China o presidente Michel Temer afirmava que a extinção era uma questão "de uma singeleza ímpar", no Brasil o Ministério das Minas e Energia suspendia o decreto e anunciava um "amplo diálogo" sobre o assunto. Como se não bastasse, um dos argumentos de Temer para a extinção era de que na região já havia grilagem e exploração ilegal, e que agora ela seria regulamentada. Contudo, de acordo com o especialista em Políticas Públicas da WWF Brasil, Jaime Gesisky, apenas 1,1% da área de 46 mil quilômetros quadrados havia sido degradada pelo desmatamento.
Jaime Gesisky afirma que a vontade do governo de extinguir a reserva não é nova e não surpreendeu a instituição: em maio, o alerta de que o governo pretendia liberar a área para a iniciativa privada já tinha sido dado. “Depois disso, em junho, elaboramos um relatório sobre a Renca, no qual alertávamos que o desmantelamento e flexibilização das leis ambientais na região anteviam um cenário de risco”, afirmou Jaime.
Há cinco meses, o ministro de Minas e Energia, Fernando Coelho Filho, anunciou a empresários durante um evento no Canadá que a área de preservação amazônica seria extinta, dando espaço para ações de mineradoras estrangeiras. Temer também havia declarado que a reserva - do tamanho do estado do Espírito Santo - “não é um paraíso, como querem fazer parecer”, se referindo novamente ao garimpo e desmatamento ilegal da área. Porém, o mesmo ministro assinou uma nota nesta quinta-feira, afirmando que agora será iniciado um "amplo debate” sobre as alternativas para a proteção da região.
“Essa iniciativa se dá em respeito às legítimas manifestações da sociedade e a necessidade de esclarecer e discutir as condições que levaram à decisão de extinção da Renca”, diz trecho da nota emitida pelo ministro.
Ainda de acordo com o comunicado, divulgado quinta-feira à noite à imprensa, no prazo de 120 dias, o Ministério de Minas e Energia deve apresentar ao governo e à sociedade as conclusões do debate e eventuais medidas para "promoção do desenvolvimento sustentável, com a garantia de preservação”.

Área da reserva é do tamanho do estado do Espírito Santo
Área da reserva é do tamanho do estado do Espírito Santo
De acordo com um parecer técnico do Ministério do Meio Ambiente datado do dia 20 de junho, a atividade de garimpo existe “há décadas” na Renca e é de “pequena escala”. Sobre o grau de preservação da região, o parecer demonstrou que, dos 46.501 quilômetros quadrados da Renca, 45.767 quilômetros quadrados estão cobertos por floresta e 206 quilômetros quadrados são rios. A área desmatada, portanto, seria de apenas 528 quilômetros quadrados, 1,1% do total, o que desmente as declarações do governo de que a área estaria degradada.
“Quando o Temer fala de singeleza e que a região não é nenhum paraíso, temos que lembrar que as metáforas e declarações dele não podem ser levadas em conta”, afirmou Jaime, que criticou a viagem do presidente à China. “Ele foi entregar terras públicas e a biodiversidade brasileira para quem quiser comprar. Temer não pensa como estadista, não pensa no impacto de suas decisões para daqui a 20, 30 anos”, complementou.
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Jaime ressaltou que a decisão de extinguir a reserva foi “antidemocrática”, desrespeitando inclusive a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, da qual o Brasil é signatário desde 2002. A convenção é considerada um avanço no reconhecimento dos direitos indígenas, e é tratada como um importante instrumento no respeito às condições de vida e trabalho dos povos nativos.
Os Artigos 14 e 15 da Convenção enfatizam o direito de consulta e participação dos povos indígenas no uso, gestão e conservação de seus territórios. De acordo com Jaime, esse seria o principal ponto de conflito entre o texto do tratado e a decisão do governo, que não teria consultado as populações da região, que inclui tribos indígenas.
Essas condições são propícias para a deflagração de um conflito na região, de acordo com o membro da WWF. “Se você induz a ocupação empresarial, você induz ao desmatamento e causa um forte impacto social, pois tem gente vivendo nessas reservas. Portanto, qualquer empreendimento que interfira em uma região como essa torna necessário um diálogo com essas pessoas. Qualquer intervenção que seja, mesmo para proteção desses povos, torna a comunicação necessária”, afirmou.
“O parecer contrário do MMA, ignorado pelo governo, mostra que Temer não ouve a sociedade. Escutou somente os interesses econômicos do setor de mineração. É necessário um projeto inclusivo na Amazônia, de diálogo com as populações locais. O governo agiu de maneira irresponsável e pouco democrática, tomando uma decisão unilateral, que visa apenas um setor da sociedade em detrimento dos outros”, concluiu Jaime.
* do projeto de estágio do JB

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