"A República dos
pangarés" é o título do artigo de J. Nêumanne no Estadão de hoje.
Trata-se de uma crítica impiedosa da gestão Temer: "em
sete meses de desgoverno, o ex-vice de Dilma nunca foi mais do que o
ex-vice de Dilma". Infelizmente, assim é. Perdendo o apoio dos cidadãos,
Temer só se manterá, de fato, com a ajuda do Judiciário:
A “delação do fim do
mundo”, de 77 executivos da Odebrecht, da qual foram divulgadas três
propostas no fim de semana, não mudou apenas o xadrez da política
nacional, como era de esperar. Ao relatarem pedidos de propina feitos
pelos chefes do governo federal e do Congresso e dirigentes de 11
partidos, os funcionários Cláudio Melo Filho, Paulo Cesena e Leandro
Azevedo ofereceram de lambujem informações como a autoria de 14 leis,
entre elas a da leniência, da qual a autora viria a ser beneficiária. Na
prática, a República não tem sido governada nos últimos 13 anos, 11
meses e 12 dias por Lula, Dilma e Temer, mas, sim, pelo cartel de
empreiteiros acusados na Lava Jato. Desde o notório Marcelo Odebrecht
até os ocultos Sérgio Andrade e César Mata Pires, donos da Andrade
Gutierrez e da OAS, entre alguns poucos outros.
A informação acima só
será entendida em sua inteireza pelo leitor destas linhas se ele
perceber que a consequência desse tsunami institucional implica as
evidências de que o feroz debate ideológico entre coxinhas e mortadelas,
a aparente luta dos partidos pelo poder e as intrigas palacianas não
têm sentido. As três primeiras propostas de leniência da empresa e de
delação premiada dos dirigentes da maior empreiteira do Brasil, entre
eles seu dono, Emílio, e seu herdeiro, Marcelo, evidenciam que as
caríssimas campanhas eleitorais, nas quais esgrimem os mais bem pagos
publicitários do País, não passam de exercícios de ficção de gosto
suspeito. Assim como os debates de policiais, advogados, juízes e
promotores em torno das leis que imperam em nossa democracia não passam
de torneios retóricos.
Nesta República de
faz de conta, patrões são os pagadores de propinas, remuneração parcial
dos mandatários a serviço deles, resultante das sobras do
superfaturamento generalizado que levou a maior estatal brasileira à
beira da insolvência e a Nação, à matroca. Desse golpe oculto resultam
as empresas quebradas, os 12 milhões de desempregados e a miséria das
contas públicas.
O povão, espoliado,
recorre ao que tem à mão: as pesquisas de opinião pública. Com sua
pré-racionalidade emergente, a população revela aos pesquisadores dos
institutos seu desencanto com os gestores de ocasião, que fingem que
administram a fétida massa falida. Domingo, o Datafolha revelou que a
popularidade do chefe do Executivo, alcunhado de MT pelo “Departamento
de Operações Estruturadas” da Odebrecht, caiu de 14% em julho para 10%
cinco meses depois. Assim, ele empatou tecnicamente com os 9% da titular
de sua chapa vencedora na eleição de 2014, constatados às vésperas do
afastamento dela, em maio. E 17 pontos porcentuais medem o desencanto
com Temer: de 34% para 51%.
Esta é a crônica do
desabamento anunciado: em sete meses de desgoverno, o ex-vice de Dilma
nunca foi mais do que o ex-vice de Dilma. Falsamente acusado de ter
usurpado o trono da madama, ele assume a ilegitimidade como um ônus.
Negou-se a relatar em pormenores as culpas da antecessora nas crises
moral, econômica e política sem precedentes. E perdeu a chance de
conquistar o cidadão para a dura batalha da ascensão do fundo do poço de
pré-sal que atingimos. Antes da divulgação das narrativas do trio de
pré-delatores da Odebrecht, poder-se-ia (usando uma mesóclise, do seu
gosto) imaginar que ele pretende com isso deixar no ar a hipótese de que
nada tinha que ver com aquele legado maldito.
Mas diante das
revelações de que os corruptores ocuparam, na prática, o poder, deixando
para os corruptos o papel de encenadores da farsa de luta democrática
para que, enfim, todos se dessem bem, já é possível concluir que, dessa
forma, ele se poupou a si e aos seus. Pois, afinal, os íntimos dele e
ele próprio participavam ativamente do escambo. A ponto de o atual líder
de seu governo no Congresso, Romero Jucá, vulgo Caju, ser promovido a
“resolvedor-geral”.
Meteu-se, pois, num
embaraço de que só sairá se obtiver o beneplácito total de quem, na
cúpula do Poder Judiciário, acreditar em que mais vale uma
“governabilidade” à mão do que uma Constituição em voo. A lei garante ao
presidente um passado que não o condena, se não delinquir durante o
mandato presidencial. As 44 citações de suas iniciais na eventual
delação divulgada dizem respeito a suspeitas que não o incriminarão.
Resta saber quanto resistirá seu prestígio em agonia. A ponto de ceder a
chiliques da patota de Rogério Rosso, eminência parda desta República
de pangarés.
Cabe ao Ministério
Público Federal ou ao relator da Lava Jato no Supremo Tribunal Federal
ou conceder-lhe a indulgência plena de suspender, no primeiro caso, ou
não homologar a delação, no segundo, mantendo no tambor a bala de prata
pronta para ser disparada no coração combalido de seu curto mandato.
Seria um escárnio (no dizer da presidente Cármen Lúcia) usar de novo
algum delito menor para poupar de pena maior (no caso, capital) o
maganão a ser apenado. Cujo malfeito (em seu linguajar imitado da
tatibitate madama Rousseff) já é de conhecimento de todos, inclusive dos
gatos-pingados que acreditam em seus dons de milagreiro.
Restar-lhe-á também a
“escolha de Sofia”, da protagonista de William Styron, a de qual dos
dois filhos salvar da morte. Para manter o fiapo de República, que lhe
cabe conduzir ao cadafalso das incertezas ou ao malogro manifesto dos
vizinhos Argentina e Venezuela, poderá jogar sua bagagem favorita ao mar
(os valiosos baús Angorá, Primo, Kafta e Justiça). Será doloroso, mas
um já foi: Babel não afundou?
Seu jato, em plena
pane seca, poderá até planar e pousar, desde que lidere um projeto de
pôr fim a todas as injustiças: das prerrogativas de foro e
aposentadorias de políticos, militares, bombeiros e marajás até os
benefícios fiscais que ainda forram as burras dos patrões da empreita e
do mercado. Caso contrário, nosso avião se chocará com a montanha.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
Nenhum comentário:
Postar um comentário