Com um pouco de atraso, reproduzo abaixo artigo de José Nêumanne publicado no Estadão. O tiranete Lula, de fato, é apenas "um atrapalho no trabalho". Vade retro:
Em 2003,
primeiro ano de seu primeiro governo, o então presidente Luiz Inácio
Lula da Silva visitou Cabaceiras, cidade às margens do Rio Taperoá e que
serviu de cenário para filmes que retratam o sertão nordestino, embora
não fique propriamente neste, mas no chamado Cariri, parte de um bioma
único no mundo, a caatinga. A paisagem do semiárido é inóspita e
singular. Do helicóptero, que pousou no leito seco do rio, Lula desceu
no meio da poeira com o prefeito, o governador e os principais líderes
governistas e da oposição daquele município e do Estado da Paraíba.
Muita gente do local e das cidades vizinhas acorreu para vê-lo. E Lula
atendeu a todos de forma cativante e carismática, trocando ideias com
crianças do grupo escolar, fardadas de gala para a ocasião.
Em 13 de
julho de 2016, o mesmo Lula desembarcou de um Gulfstream G200, jato
executivo de muito luxo e alta performance, para um encontro com
militantes contra o impeachment de Dilma no aeroporto Oscar Laranjeira,
em Caruaru, maior cidade do agreste pernambucano. Conhecida por promover
uma festa junina muito frequentada, a terra natal do mestre Vitalino,
célebre artesão de barro cozido, fica a meio caminho entre Cabaceiras e
Caetés, vilarejo onde o ex-presidente nasceu. Segundo os repórteres da
revistaVeja Thiago Bronzatto e Daniel Pereira, não havia militantes à
sua espera: todos estavam reunidos no lugar da recepção onde seria
servido almoço gratuito. E o portão do aeródromo foi fechado para que o
vexame não fosse registrado por jornalistas abelhudos. A visita se
resumiu a um encontro com membros da CUT e do MST, o prefeito e alguns
políticos fiéis num auditório com capacidade para 70 pessoas. Dali
cancelou um compromisso em Crato, que fica razoavelmente perto. No Ceará
receberia o título de doutor honoris causa da Universidade Regional do
Cariri. Preferiu voar para Brasília.
À Capital
foi com o intuito de pregar uma peça no vice-presidente no exercício da
Presidência, Michel Temer, que enfrentava uma rebelião de parte de sua
base na Câmara dos Deputados, a cuja presidência concorriam 16
pretendentes. A ideia original de Lula era apoiar o candidato do DEM,
Rodrigo Maia (RJ), para sair como grande vitorioso sobre o “vice
golpista”, que apoiava Rogério Rosso (PSD-DF). Este tinha sido o relator
da Comissão de Impeachment, que abriu o processo de afastamento da
presidente Dilma Rousseff, iniciando o calvário dela. A bancada petista
não engoliu a afronta de votar num colega que apoiou o impeachment e
lançou o dissidente do PMDB, Marcelo Castro, que tinha votado contra o
processo, cumprindo ordens de Dilma e desafiando Temer, que descarregou
os próprios votos em Maia. Este obteve 170 votos no primeiro turno e
enfrentou Rosso no segundo. Castro, ex-ministro da Saúde da petista,
teve 70. Somados aos 22 de Luiza Erundina (PSOL-SP) e 16 de Orlando
Silva (PCdoB-SP), a esquerda conseguiu frustrantes 108, pouco mais de um
quinto dos 513 deputados federais. No segundo turno, o líder máximo
petista reforçou a votação contra o Centrão, criado por Eduardo Cunha e
representado por Rosso, levando o filho do ex-prefeito César Maia do Rio
a uma votação vitoriosa consagradora de 285 votos. Lula foi buscar lã e
saiu tosquiado numa Casa de leis da qual já foi ídolo, senhor e
suserano.
Dias
antes, o senador aliado Roberto Requião (PMDB-PR) convidara colegas para
ouvir dele seus melhores argumentos sobre a permanência de Dilma e do
PT no governo federal. Cristovam Buarque (PDT-DF), tido como indeciso,
optou por encontrar-se na ocasião com uma funcionária da diplomacia
americana residente na França. O líder de Dilma, Humberto Costa (PT-PE),
preferiu “não constranger” o prócer. E só foram seis.
A
pesquisa Datafolha calculou em 50% a porcentagem dos brasileiros a favor
de Temer ficar no governo e em só 32% (menos de um terço) os adeptos da
tese de que a saída de Dilma é mesmo um golpe. Nela o ex-presidente
liderou no primeiro turno em quatro cenários: disputando com Aécio,
Alckmin e Serra, do PSDB, ou Marina Silva, da Rede. Isso dá um quinto
dos votos, menos do que a votação tradicional do PT, mesmo antes de suas
enxurradas nas urnas. E Lula perderia no segundo turno para qualquer um
dos quatro.
Em
pesquisa mais recente, publicada por Ricardo Noblat, noGlobo de
segunda-feira 25 de julho, o resultado ainda é mais contundente. Segundo
o Instituto Paraná, apenas 15,2% responderam aos pesquisadores que
querem vê-lo de volta à Presidência. Para 34,15%, seria preferível que
ele se aposentasse na política. E 47,7% querem que ele seja preso. Os
números impressionam, pois o próprio Datafolha registrou, há somente
cinco meses, que Lula foi considerado o melhor presidente brasileiro de
todos os tempos por 37% dos entrevistados, superando de longe seu
antecessor, Fernando Henrique, com 15%.
Parte do
milionário capital eleitoral de Lula foi triturado pelas denúncias de
corrupção do PT durante seus oito anos de governo e os cinco anos,
quatro meses e 12 dias da gestão da discípula e afilhada que elegeu,
Dilma Rousseff. A roubalheira que provocou a maior crise política e o
caos econômico com desemprego e quebradeira de empresas, embora ainda
não tenha apagado de todo as boas lembranças dos tempos de bonança em
suas gestões, demoliu seu prestígio pessoal e sua reputação de vencedor.
Tem sido
cada vez mais difícil para Lula convencer mesmo seus mais fiéis
prosélitos de que ele é, de fato, o homem mais honesto de todos os
tempos em todos os lugares, como insiste em afirmar. Afinal, vive sob o
temor da prisão, que pode ser decretada em primeira instância, seja por
Sergio Moro, o juiz da Lava Jato, seja na Operação Zelotes, na Justiça
Federal, em Brasília, e na Justiça estadual de São Paulo, por ocultação
de patrimônio imobiliário: um apartamento no Guarujá e um sítio em
Atibaia.
Na semana
passada, o promotor Ivan Cláudio Marx, aquele que arquivou processo
penal contra Dilma pelas pedaladas, voltou a denunciá-lo em processo por
obstrução de justiça. Este tinha sido devolvido à primeira instância
depois de despacho no mesmo sentido do procurador-geral da República,
Rodrigo Janot, quando estava na última instância.
A defesa
de Lula pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) que o livrasse do juiz
Sergio Moro, por ser este seu acusador, e não julgador. O presidente
Ricardo Lewandowski podia ter se negado a receber o pedido, mas preferiu
mandá-lo de volta a Teori Zavascki, relator da Lava Jato. Este só
voltará de férias em agosto, tido como o mês do desgosto.
Desgostoso
deve ter ficado Lula ao ler a notícia do Estadãode sábado 23 de julho
de que Moro respondeu à interpelação do STF garantindo que a
interceptação dos áudios de conversas telefônicas de Lula com ministros
do governo Dilma podiam motivar a prisão dele. Pois, conforme o juiz
federal, esta “revelou uma série de diálogos do ex-presidente nos quais
há indicação de sua intenção de obstruir as investigações, o que por si
só poderia justificar, por ocasião da busca e apreensão, a prisão
temporária dele, tendo sido optado, porém, pela medida menos gravosa da
condução coercitiva. A medida de condução coercitiva, além de não ser
equiparável à prisão, nem mesmo temporária, era justificada”.
Lula e
seus advogados poderiam ter dormido sem essa, como dizia minha avó. Se é
que eles têm dormido desde que o ex se tornou para os brasileiros que
perdem seus negócios e seus empregos “um atrapalho no trabalho”, como
definia o título de um livro do beatle John Lennon.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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