Reportagem visitou Baixo Guandu, Colatina e Linhares atingidas pela lama.
Desastre ambiental completa seis meses na quinta-feira (5).
Propriedade de Wellington Gomes, em Regência, foi tomada por lama (Foto: Bernardo Coutinho/A Gazeta)
Visitando o Norte e o Noroeste do Espírito Santo, quem vê o Rio Doce
hoje pode pensar que tudo voltou ao normal. Há cerca de 20 dias, a água perdeu a coloração alaranjada
que havia ganhado com a chegada da lama de rejeitos da Samarco, cujas
donas são a Vale e a BHP, seis meses atrás, após o estouro da barragem
de Fundão, em Mariana (MG).A aparência de normalidade na paisagem, entretanto, esconde não só a lama que está no fundo da água, mas todos os problemas que são enfrentados pelas cidades que estão à beira do Rio Doce desde o desastre.
Em novembro de 2015, as cidades de Baixo Guandu, Colatina e Linhares, por onde o rio passa no Espírito Santo, viveram dias de caos. O desespero inicial passou, mas os 50 milhões de metros cúbicos de lama que desceram pelo Doce comprometeram a vida das comunidades por tempo indeterminado - talvez para sempre.
Meio ano depois, existem análises ainda parciais sobre os efeitos no meio ambiente e uma população que se sente mal informada. A reportagem seguiu o curso do Rio Doce no Espírito Santo para saber como estão as comunidades e contar a história das pessoas atingidas pelos efeitos do desastre, como foi feito quando a tragédia completou seu primeiro mês.
O que ficou perceptível, é que os mesmos problemas continuam assombrando as comunidades, que transformaram suas incertezas em desesperança.
Adroaldo Alves é pescador na região atingida pela lama da Samarco (Foto: Bernardo Coutinho/A Gazeta)
Muitas perguntas que eram feitas quando o desastre estava recente,
ainda estão valendo: quando poderão voltar a pescar e utilizar a água do
rio? Qual o real efeito dos elementos químicos no meio ambiente? Quanto
tempo os ecossistemas levarão para se recuperarem? A empresa pagará
indenizações? Do que viver sem a pesca?Quando perguntados se voltarão a beber da água do rio ou a utilizá-la para irrigação ou se imaginam que poderão pescar novamente, a resposta é sempre a mesma: “não sei, como saber?”, acompanhada de uma levantada de ombros e expressão triste e sem esperança nos olhos.
Por sinal, a pesca está proibida pela Justiça Federal apenas na foz do Rio Doce, mas não há pescador que confie. “Tem que fiscalizar esse rio e não deixar ninguém pescar ali. Vai pegar pescado para vender e envenenar alguém?”, diz o pescador Adroaldo Gonçalves, 58 anos, de Baixo Guandu.
Enquanto isso, as tarrafas e barcos apodrecem parados e os pescadores se viram com bicos e com o benefício dado pela Samarco - um salário mínimo, mais 20% e uma cesta básica - para sobreviver.
"A água do rio começou a 'limpar', mas no fundo tem a lama, que causou tudo isso. Agora estamos aqui, com redes ressecando e barcos estragando sem uso", disse Adroaldo.
Desconfiança
Em Colatina, a população continua desconfiando da água do Rio Doce que chega às torneiras e está sendo tratada pelo Serviço Colatinense de Meio Ambiente e Saneamento Ambiental (Sanear) ainda com Tanfloc, o coagulante potente feito com acácia negra que começou a ser utilizado após a chegada da lama.
Caminhões de venda de água mineral estão espalhados pela cidade vendendo galões de 20 litros a preço de R$ 6 a R$ 10. “Sou abordado muitas vezes na rua, as pessoas perguntam sobre usar a água para cozinhar. Essa desconfiança ainda é muito forte”, admite o prefeito da cidade, Leonardo Deptulski.
A 55 km do centro de Linhares, a comunidade da vila de Regência está perdida. Com o desastre no rio que chega ao mar por ali, lhes foi tirado seu lazer e a fonte de trabalho.
“Era nosso ganha-pão e diversão trazer a família e vir tomar banho. Agora não dá para pescar e não tem mais turismo”, desabafa a marisqueira Gislayne de Almeida Soares, 25 anos.
Lama no rio: prejuízo para todos
Com a chegada dos rejeitos de minério, três toneladas de peixe foram recolhidos mortos só no Espírito Santo, pescadores ficaram sem seu sustento, agricultores não puderam mais fazer sua irrigação e dar de beber ao gado, ribeirinhos deixaram de fazer do rio sua área de lazer e muitos ficaram sem água potável. Os prejuízos, financeiros, além dos emocionais, são incalculáveis”.
Isso é o que dizem todos que são perguntados sobre o assunto.
“Tirava de R$ 4 mil a R$ 5 mil por mês e agora tenho que sustentar a família com o benefício dado pela Samarco”, diz o agricultor Wellington Fontes Gomes, 41 anos, de Regência.
Ele perdeu parte de sua plantação de milho, banana e hortaliças por usar a água do Rio Doce para irrigar, com medo de contaminação. “A lama veio e parou a produção. Não tem como saber quanto perdi”, lamenta.
O mesmo passaram pescadores que não conseguiram mais vender seus peixes, pescados antes do desastre. “Ninguém mais quis comprar”, diz a pescadora Monique Rodrigues, 29, que vive em Baixo Guandu.
Em Regência, point dos surfistas, turista tornou-se raridade. Já em Colatina, donos de restaurantes e lanchonetes não utilizam a água tratada pelo Sanear para fazer a comida, também temendo a contaminação. Eles têm que arcar com água mineral ou buscar o recurso potável em outro local.
Seca
Além da lama, passado o choque inicial com o desastre do rompimento da barragem e da inundação dos rejeitos de minério, volta à tona outra preocupação nessas cidades: a seca. Não choveu quase nada na temporada de chuva e, apesar da água mais limpa, o Rio Doce está repleto de enormes bancos de areia e com seu fluxo mirrado.
Em Mascarenhas, Baixo Guandu, o rio que já preencheu um vale inteiro com água, agora corre ocupando nem um quarto do espaço, deixando à mostra uma “praia” de pedras.
, a áÁgua perdeu a coloração alaranjada (Foto: Bernardo Coutinho/A Gazeta)
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