Os embates que se travam em torno da política do desarmamento
da sociedade civil no Brasil recomendam inseri-los na discussão dos direitos
humanos. A correlação é nítida. Apesar de não seralvo desse texto qualquer aprofundamento
na questão dos direitos humanos - onde a literatura é
excelente e abundante – um breve passeio na sua história e evolução
seria de extrema utilidade.
A maioria dos estudiosos atribui a Ciro,o Grande (539 a.C),
rei da Antiga Pérsia,o primeiro passo importante na história dos direitos
humanos. Após seus exércitos conquistarem a Babilônia,ele libertou os
escravos,reconheceu o direito de todos à própria religião, além de assegurar a igualdade
racial. Os decretos de Ciro foram guardados num cilindro de argila em língua
acádica , conhecido como o “Cilindro de Ciro”. Teria sido a primeira carta de
direitos humanos do mundo. A ideia ali contida espalhou-se rapidamente pela
Índia, Grécia e Roma. Recepcionado nas Nações Unidas, foi traduzido nas suas6
(seis) línguas oficiais. Sua atualidade é manifesta. O conteúdo do “Cilindro de Ciro” serviu de
base para os4 (quatro) primeiros artigos da Declaração Universal dos Direitos
Humanos, das Nações Unidas, de 1948.
Outro passo importante foi a “Carta Magna”, assinada pelo
Rei João (Sem Terra), da Inglaterra, em 1215,onde foram relacionados os
direitos que mais tarde foram considerados “direitos humanos”. Nela, a Igreja
foi desvinculada do Estado, o direito de herança foi assegurado, e a sociedade
foi protegida de impostos excessivos.
Seguiu-se a “Petição de Direito” (1628),feita pelo
Parlamento Inglês, enviada a Carlos I ,como uma “ declaração das liberdades
civis”. Iniciou com Sir Edward Coke,afirmando 4 (quatro) princípios: (1) os
tributos deveriam ser autorizados pelo Parlamento; (2) nenhum súdito poderia
ser preso sem justo motivo (nascedouro do “habeas corpus”); (3) nenhum soldado teria direito de se
aquartelar na casa dos cidadãos,e ;(4) a Lei Marcial não poderia ser usada em
tempo de paz.
Também é importantenessa discussão a “Declaração de
Independência” dos Estados Unidos (1776), cujo principal responsável foi Thomas
Jefferson. Ali foram assegurados os direitos individuais e o direito à
revolução. Teve forte influência na “Revolução Francesa”.
Outros destaques são a “Constituição dos Estados Unidos”,de
1787,e a “Declaração de Direitos”,de 1791,onde foram assegurados alguns
direitos humanos importantes, como asliberdades de expressão, de religião, de
assembleia e de petição, bem como o DIREITO DE GUARDA E USO DE ARMAS.
Outra referência decisiva foi a “Declaração dos Direitos do
Homem e do Cidadão”, de 1789,ano em que a França aboliu a Monarquia Absolutista
e estabeleceu a Primeira República Francesa. Dita “declaração” foi escrita6(seis)
semanas após a Tomada da Bastilha,e 3 (três) semanas depois da abolição do
feudalismo, proclamando que todos os cidadãos deveriam ter direitos de
liberdade, propriedade, SEGURANÇA e resistência à opressão.
Continuando a marcharumo aos direitos humanos, em 1945 nasceu
a ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS-ONU, no meio dos destroços esofrimentos da 2ª Guerra Mundial. Em abril desse ano,
delegados de 50 países, inclusive do Brasil, se reuniram em São Francisco/CA,
para fundar a organização mundial que teria por objetivo promover a paz mundial
e evitar novas guerras. Suas diretrizes foram aceitas e tornadas obrigatórias
para todas as nações associadas à ONU.
Três anos após a sua fundação ,as Nações Unidas deram o
passo mais importante de toda a sua existência , mediante elaboração da
DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS, escrita em 1948,contendo 30 (trinta)
artigos.
Dentre os políticos, além de Thomas Jefferson, também Jimmy
Carter, Presidente dos Estados Unidos de 1977 a 1981,se preocupou com a questão dos direitos humanos, que foi uma das
principais bandeiras do seu governo. Sua influência foi grande na “abertura
democrática” da América Latina, até então controlada por muitos Regimes
Militares. Em 1977 reuniu-se com o Presidente Ernesto Geisel, do Brasil,
incentivando a abertura democrática continuada depois pelo Presidente João
Figueiredo. Mas passados alguns anos dessa “abertura”,chegando-se aos anos 2015/2016,mais
parece que os resultados dessa “abertura” não foram nada satisfatórios, em
vista da tomada do poder pela pior escória da política brasileira, em cujos
últimos 12 ou 13 anos o país mergulhou na sua pior crise moral, política e
administrativa dahistória. Se de fato poderia ser ruim o que existia, esse mesmo
ruim foi trocado pelo seu “pior”. Mas Carter foi derrotado pelo republicano
Ronald Reagan,nas eleições de 1980. Carter voltou à Geórgia e fundou o CARTER
CENTER, para promover os DIREITOS HUMANOS, o avanço das democracias e a solução
pacífica dos conflitos internacionais. Em 2002 foi agraciado com o “Nobel da
Paz”.
Mas apesar de
filiado à Organização das Nações Unidas, o Brasil descumpriu grotescamente seus
compromissos com os direitos humanos, assegurados não só na “Declaração Universal
dos Direitos Humanos”, quanto também na própria Constituição Federal de
1988,onde foram reproduzidos ,até melhor esmiuçados ,os direitos humanos da
“Declaração” da ONU. Essa afronta aos direitos humanos consta na legislação
infraconstitucional e na política da segurança pública,principalmente.
O artigo 3º da Declaração Universal dos Direitos Humanos
preceitua que “TODO INDIVÍDUO TEM DIREITO À VIDA,À LIBERDADE E À SEGURANÇA
PESSOAL”. Sem dúvida esse é um dos direitos humanos mais importantes. Todavia
esse direitosnão foram “universalizados” no Brasil. Uma parte da população, uma
minoria, tem esses direitos. Outra, uma maioria, não.
A Constituição do Brasil não negadireitos humanos.Mas nesse
ponto ela é “sorrateira”. “Lá embaixo” é
diferente. Toda a legislação infraconstitucional e a política de segurança
pública sãovoltados para proteger o “direito” daquelas minorias que não cumprem
a lei, invadindo o direito dos outros, da maioria, que tem seus direitos de
segurança/defesa negados.
O tratamento absurdo dado pelas leis e pelas autoridades à
sociedade civil brasileira equivale à estupidez de ordenar um enfrentamento de
guerra entre um grupo armado com outro totalmente desarmado. Isso não tem
lógica. Nem é humano. É a política do massacre incentivado. Mas é isso o que
acontece na “guerra” enfrentada pela sociedade civil desarmada frente aos
criminosos que andam livremente armados nas “barbas” das autoridades que não têm
uma legislação que lhes facilite esse combate ,nem estrutura e capacitação
suficientes para desarmá-los.
Com isso não se quer negar a “universalidade” dos direitos
humanos. A bandidagem, ai incluídos os criminosos de toda espécie, assaltantes de
bancos,políticos,assassinos,etc.,que são uma minoria, também devem terdireito à
proteção dos seus direitos humanos. Mas deveria ser em igualdade de condições
com os demais, com osnão-criminosos, com
a maioria. Não MAIS,como é. O raciocínio é simples. Qualquer afronta a
um direito humano tem a sua origem, a sua “autoria”, num determinado ser
humano. Onão-criminoso raramente é um autor desse crime. O mesmo não se pode
dizer do criminoso contumaz, que é o maior responsável pelos atentados aos
direitos humanos eque ,ao mesmo tempo ,tem as mesmas garantias contra a
agressão dos seus próprios direitos humanos, que os “outros”,não-criminosos.
Sem dúvida o direito de legítima defesa é um direito humano
de SEGURANÇA (art.3º daDeclaração da ONU), consagrado ainda em todas as outras “declarações de
direitos” que se tem notícia, e na própria Constituição brasileira (artigos 5º
e 40,II). Ele é, portanto, um direito humano. A consequência é que a negação da
guarda e porte de arma, para fins de legítima defesa, se trata de uma atitude
que contraria os direitos humanos, uma vez quebandido normalmente anda armado. Neste
sentido a propalada universalidade do direito humano de segurança/defesa fica
restrita ao pequeno número de infratores da lei, que não são ameaçados pelos
“outros”,os desarmados, ao mesmo tempo em queesse direito é negado para a
maioria das pessoas de bem. Aí está o desequilíbrio de direitos e a negação da
sua universalidade. Uns, os criminosos, têm mais direitos humanos que os
outros, osnão-criminosos.
Mas para tudo há uma explicação. As diversas operações
levadas a efeito pela Polícia e Ministério Público Federaisdemonstram às claras
que a política e as instituições públicas brasileiras, nos Três Poderes, estão
repletas de criminosos. Então parece ser “coerente” que
toda a legislação e atuação nos Poderes Públicos se dirijam no sentido de
favorecer a bandidagem e evitar qualquer reação que se faça contra ela. A
“solidariedade” entre os criminosos das iniciativas privada e pública é
manifesta. Por tais razões a sociedade civil brasileira ficou refém das quadrilhas
de malfeitores que infestam o seu meio, e que ficaram donas, de uma ou outra
forma, seja pela via das urnas eleitorais, numa democracia deturpada
(oclocracia),seja por nomeações nos diversos outros Poderes Públicos.
Sérgio Alves de Oliveira
Advogado e Sociólogo
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