Luana Almeida A TARDE
De acordo com o antropólogo Roberto Albergaria, o esquecimento de brincadeiras também reflete o crescimento do individualismo. "As pessoas estão mais sérias e pragmáticas. Como vivem em um mundo acelerado, perderam o gosto pelas brincadeiras", analisa. Segundo o antropólogo, nas últimas décadas ainda era possível separar a mentira leve de atitudes más. "Até o final do século passado, a brincadeira ainda era tolerada. Hoje, tudo pode virar um assédio. Vivemos em um mundo mal-humorado", completa o antropólogo conhecido pela "alma jocosa".
Mudança - Para Albergaria, as crianças também estão sendo "contaminadas" por essa forma de vida mais sisuda. "As brincadeiras de criança mudaram. Hoje, elas não precisam mais estar perto das outras para jogar . O jogo também ensina", destaca.
Trotes telefônicos, mensagens falsas e presentes estranhos eram algumas das artimanhas que o aposentado Roberto Menezes, 69, adotava no Dia da Mentira.
Ele atuava com amigos. Todos moravam em Monte Serrat, Cidade Baixa, no início da década de 70. Na época, a turma de Roberto pregava peças em colegas da escola, sobretudo nas garotas. "O Dia da Mentira era esperado com muita animação pela minha turma. Todos os anos, inventávamos uma brincadeira diferente".
E a diversão dos garotos custava pouco: bastavam algumas fichas telefônicas e um telefone público para espalhar pelo bairro histórias mirabolantes. "Uma das preferidas era ligar para alguém e pedir para verificar se tinha um carro cor de gelo na porta ou na garagem. A criatura ia e voltava dizendo que não. Aí eu falava: é porque já descongelou", contou, entre risos.
No entanto, nem sempre as peripécias de Roberto e seus amigos eram levadas numa boa pelos mais velhos. "Já levei puxão de orelha de minha mãe, já briguei com amigos, mas, no final, tudo voltava ao normal, afinal não passava de gozação entre adolescentes que gostavam de aprontar", acrescentou.
Perigo - Embora arranque risos e seja uma forma de diversão, mentir, muitas vezes, pode ser perigoso. As centrais telefônicas da Polícia Militar, do Corpo de Bombeiros e do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu 192) são as mais visadas para trotes. São pessoas que ligam informando crimes e acidentes que não existem.
Em 2012, o Samu chegou a receber 62.621 ligações falsas, o que corresponde a cerca de 37% do total de chamadas telefônicas recebidas em todo o ano. Em 2011, foram 31.535 trotes em um total de 120.815 ligações.
Socorrista do Samu há seis anos, Carlos Alberto Souza, afirma que é crescente o número de trotes que o serviço recebe diariamente. "As pessoas ligam informando sobre algum acidente que não houve ou informam um endereço que não existe". De acordo com o socorrista, a brincadeira pode não ser tão inofensiva quanto parece.
"Quando atendemos a uma chamada falsa, provavelmente estamos deixando de socorrer alguém que precisa, de verdade. Uma simples ligação de menos de um minuto ocupa a linha e outra pessoa, que realmente está em uma situação de emergência, não consegue entrar em contato conosco", adverte.
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