BLOG ORLANDO TAMBOSI
O que interessa para este texto é que, até hoje, ninguém jamais precisou explicar a um brasileiro o que é bububu no bobobó. Se você for um legítimo brazuca, perceberá de imediato que se trata de maracutaia ou sacanagem. Ou, muito provavelmente, ambos. A crônica semanal de Ruy Goiaba para a Crusoé:
“Minha
pátria é a língua portuguesa”, escreveu Fernando Pessoa em um dos
perfis fake que usava décadas antes das redes sociais — o de Bernardo
Soares, autor do Livro do Desassossego. A minha, e talvez a de vocês
também, é o português brasileiro. Assim como só me sinto de volta à
pátria quando estou perto da Vila Madalena (sou vilamadalener, mas quase
não exerço), tenho certo carinho por algumas expressões que são a cara
do Bananão e funcionam, para mim, como comfort food linguística em um
mundo hostil.
Por
exemplo (nem sei quem observou isso primeiro, mas endosso totalmente):
no Brasil, QUALQUER expressão que consista em verbo no infinitivo +
artigo definido + substantivo no singular ganha imediatamente conotação
sexual. Não é preciso nem citar expressões consagradas como “molhar o
biscoito”, “afogar o ganso” ou “queimar a rosca”: basta dizer coisas
como, sei lá, “polir a maçaneta”, “apertar o parafuso” ou “trocar o
óleo”, que o brasileiro médio já começa a dar risadinhas e dizer coisas
como “vai dar uma polida na sua maçaneta? Humm, tô sabendo. Tem muita
gente pegando nela?”. A simples estrutura da frase desperta uma espécie
de Costinha instantâneo em todo brasileirinho digno desse nome.
Outra
expressão de pura brasilidade — nesse caso, brasilidade paulistana,
acredito eu — é “nem tchuns”. Se a memória não me engana, vi pela
primeira vez em uma charge de Angeli, o mais paulistano dos cartunistas.
Mas acho que o significado é fácil de entender: alguém nem se importou,
não deu bola, não ligou a mínima ou está se lixando, como em “mandei um
belo buquê de flores para Fulana e ela nem tchuns”. Outra, que
infelizmente parece ter saído de circulação depois da morte de Mussum, é
“bacubufo no caterefofo”. Você não precisa conhecer a música dos
Originais do Samba para intuir que é uma briga, com gente se dando
tabefes e bordoadas — aquilo que os narradores de futebol costumam
chamar de “cenas lamentáveis” quando elas acontecem no gramado.
Mas,
para mim, o ápice da brasilidade extrema é “Tem Bububu no Bobobó”.
Originalmente, esse é o nome de uma revista musical produzida por Walter
Pinto no fim dos anos 1950, estrelando a vedete Virgínia Lane, os
humoristas Walter d’Ávila e José Vasconcellos “e grande elenco”; ela foi
reencenada várias vezes e ganhou uma versão filmada no início da década
de 1980. O que interessa para este texto é que, até hoje, ninguém
jamais precisou explicar a um brasileiro o que é bububu no bobobó. Se
você for um legítimo brazuca, perceberá de imediato que se trata de
maracutaia ou sacanagem. Ou, muito provavelmente, ambos.
O
que representa o Brasil mais que futebol e samba (no título e, arrisco
dizer, no conteúdo) não é “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, “Grande
Sertão: Veredas”, “Deus e o Diabo na Terra do Sol”, a bossa nova ou a
tropicália: é o bububu no bobobó. E ainda bem, porque quando não temos
bububu no nosso bobobó é só chacina, doença e miséria. Se por um
capricho do destino tivesse nascido no Bananão, Dostoiévski talvez não
conseguisse escrever “Humilhados e Ofendidos”, embora haja humilhação e
ofensa de sobra no país; seria chamado de Dostô e teria de escrever
teatro burlesco para sobreviver (consigo imaginar um editor dizendo
“quem quer ler esse calhamaço sobre os irmãos Karamázov? Corta isso pela
metade e inclui na trama umas duas ou três gostosas, uns pobres de
subúrbio do Rio falando tudo errado e pelo menos uma bicha
escandalosa”).
O
bububu no bobobó é uma espécie de reverso da moeda do “crime ocorre
nada acontece feijoada”; não pode ser vendido separadamente. Tem de ser
valorizado como uma das nossas maiores (talvez únicas) qualidades. Um
viva, portanto, para o bububu, o bobobó, a gambiarra e a preguiça, as
maiores dádivas da civilização brasileira ao mundo — e, dialeticamente,
nossa danação e salvação.
***
A GOIABICE DA SEMANA
Lula
nunca conseguiu vencer uma eleição presidencial no primeiro turno, nem
contra um dos governos mais desastrosos da história do Brasil. Mas isso
não impede alguns petistas de dizer que uma constatação simples (a
vitória sobre Jair Bolsonaro foi apertada) é uma “narrativa” que tem de
ser aposentada. A alegação é que a margem seria maior, não fossem os
esforços do governo bolsonarista para dificultar a votação de eleitores
simpáticos ao lulismo, especialmente no Nordeste; é óbvio que essa
história tem de ser investigada, mas uma obstrução assim dificilmente
transformaria uma diferença de 10 milhões de votos em só 2 milhões no
resultado final. Se você um dia achou que 51 e 49, os respectivos
percentuais de Lula e Bolsonaro, eram números próximos, fique sabendo
que a aritmética também é uma “narrativa” — e quem disser o contrário é
reaça.
Lula, que no universo paralelo ganhou no 1º turno por quaquilhões de votos
Postado há 1 week ago por Orlando Tambosi
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