MEDIÇÃO DE TERRA

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MEDIÇÃO DE TERRAS

quarta-feira, 19 de abril de 2023

Viva o bububu no bobobó

 

BLOG  ORLANDO  TAMBOSI

O que interessa para este texto é que, até hoje, ninguém jamais precisou explicar a um brasileiro o que é bububu no bobobó. Se você for um legítimo brazuca, perceberá de imediato que se trata de maracutaia ou sacanagem. Ou, muito provavelmente, ambos. A crônica semanal de Ruy Goiaba para a Crusoé:


“Minha pátria é a língua portuguesa”, escreveu Fernando Pessoa em um dos perfis fake que usava décadas antes das redes sociais — o de Bernardo Soares, autor do Livro do Desassossego. A minha, e talvez a de vocês também, é o português brasileiro. Assim como só me sinto de volta à pátria quando estou perto da Vila Madalena (sou vilamadalener, mas quase não exerço), tenho certo carinho por algumas expressões que são a cara do Bananão e funcionam, para mim, como comfort food linguística em um mundo hostil.

Por exemplo (nem sei quem observou isso primeiro, mas endosso totalmente): no Brasil, QUALQUER expressão que consista em verbo no infinitivo + artigo definido + substantivo no singular ganha imediatamente conotação sexual. Não é preciso nem citar expressões consagradas como “molhar o biscoito”, “afogar o ganso” ou “queimar a rosca”: basta dizer coisas como, sei lá, “polir a maçaneta”, “apertar o parafuso” ou “trocar o óleo”, que o brasileiro médio já começa a dar risadinhas e dizer coisas como “vai dar uma polida na sua maçaneta? Humm, tô sabendo. Tem muita gente pegando nela?”. A simples estrutura da frase desperta uma espécie de Costinha instantâneo em todo brasileirinho digno desse nome.

Outra expressão de pura brasilidade — nesse caso, brasilidade paulistana, acredito eu — é “nem tchuns”. Se a memória não me engana, vi pela primeira vez em uma charge de Angeli, o mais paulistano dos cartunistas. Mas acho que o significado é fácil de entender: alguém nem se importou, não deu bola, não ligou a mínima ou está se lixando, como em “mandei um belo buquê de flores para Fulana e ela nem tchuns”. Outra, que infelizmente parece ter saído de circulação depois da morte de Mussum, é “bacubufo no caterefofo”. Você não precisa conhecer a música dos Originais do Samba para intuir que é uma briga, com gente se dando tabefes e bordoadas — aquilo que os narradores de futebol costumam chamar de “cenas lamentáveis” quando elas acontecem no gramado.

Mas, para mim, o ápice da brasilidade extrema é “Tem Bububu no Bobobó”. Originalmente, esse é o nome de uma revista musical produzida por Walter Pinto no fim dos anos 1950, estrelando a vedete Virgínia Lane, os humoristas Walter d’Ávila e José Vasconcellos “e grande elenco”; ela foi reencenada várias vezes e ganhou uma versão filmada no início da década de 1980. O que interessa para este texto é que, até hoje, ninguém jamais precisou explicar a um brasileiro o que é bububu no bobobó. Se você for um legítimo brazuca, perceberá de imediato que se trata de maracutaia ou sacanagem. Ou, muito provavelmente, ambos.

O que representa o Brasil mais que futebol e samba (no título e, arrisco dizer, no conteúdo) não é “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, “Grande Sertão: Veredas”, “Deus e o Diabo na Terra do Sol”, a bossa nova ou a tropicália: é o bububu no bobobó. E ainda bem, porque quando não temos bububu no nosso bobobó é só chacina, doença e miséria. Se por um capricho do destino tivesse nascido no Bananão, Dostoiévski talvez não conseguisse escrever “Humilhados e Ofendidos”, embora haja humilhação e ofensa de sobra no país; seria chamado de Dostô e teria de escrever teatro burlesco para sobreviver (consigo imaginar um editor dizendo “quem quer ler esse calhamaço sobre os irmãos Karamázov? Corta isso pela metade e inclui na trama umas duas ou três gostosas, uns pobres de subúrbio do Rio falando tudo errado e pelo menos uma bicha escandalosa”).

O bububu no bobobó é uma espécie de reverso da moeda do “crime ocorre nada acontece feijoada”; não pode ser vendido separadamente. Tem de ser valorizado como uma das nossas maiores (talvez únicas) qualidades. Um viva, portanto, para o bububu, o bobobó, a gambiarra e a preguiça, as maiores dádivas da civilização brasileira ao mundo — e, dialeticamente, nossa danação e salvação.

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A GOIABICE DA SEMANA

Lula nunca conseguiu vencer uma eleição presidencial no primeiro turno, nem contra um dos governos mais desastrosos da história do Brasil. Mas isso não impede alguns petistas de dizer que uma constatação simples (a vitória sobre Jair Bolsonaro foi apertada) é uma “narrativa” que tem de ser aposentada. A alegação é que a margem seria maior, não fossem os esforços do governo bolsonarista para dificultar a votação de eleitores simpáticos ao lulismo, especialmente no Nordeste; é óbvio que essa história tem de ser investigada, mas uma obstrução assim dificilmente transformaria uma diferença de 10 milhões de votos em só 2 milhões no resultado final. Se você um dia achou que 51 e 49, os respectivos percentuais de Lula e Bolsonaro, eram números próximos, fique sabendo que a aritmética também é uma “narrativa” — e quem disser o contrário é reaça.

Lula, que no universo paralelo ganhou no 1º turno por quaquilhões de votos
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