Percival Puggina
Nunca tive qualquer simpatia pela Constituição de 1988. Sempre a considerei uma parolagem esquerdista, redigida com os olhos no passado e os dois pés no futuro. E o futuro, sabe-se, é inédito e incógnito por natureza. Como consequência, viver o presente e responder às demandas da realidade não acontece sem as tais emendas que entulham o texto original da Constituição e em propostas que se acumulam na forma de PECs.
No entanto, se a Constituição me desagrada de modo contínuo e crescente ao longo dos anos, o mau uso que dela vêm fazendo os atuais ministros do Supremo Tribunal Federal me leva a chamá-la, carinhosamente, “queridinha do vovô”. Se a cumprissem, se a respeitassem, se a seus limites se submetessem todos que a usam como instrumento de trabalho, nos vários níveis e compartimentos do Poder Judiciário, eu já me dava por satisfeito. Pedia um cafezinho e perderia menos tempo diante do teclado do computador.
Na esteira dessa permissividade interpretativa, gasta-se um tempo que permitiria dar duas voltas ao mundo. O Supremo perdeu credibilidade, a censura retornou agravada ao cotidiano nacional, as opiniões se percebem ameaçadas e sitiadas, e os cidadãos à direita do arco ideológico que querem exercer sua liberdade têm no horizonte interdições de direitos, tornozeleiras e grades.
Partidos e parlamentares de esquerda recorrem com assiduidade ao STF para pedir que sancione seus adversários com penas de inelegibilidade e prisão; no parlamento, requerem cassações de mandatos. Aqueles silenciosos e sigilosos inquéritos do fim do mundo passaram a integrar o arsenal retórico com que alguns pretendem conter a oposição: “Olha que o bicho-papão te põe no saco do inquérito!”.
É nesse cenário que a PGR considerou viável pedir a prisão do senador Sérgio Moro em virtude de uma brincadeira, feita tempos atrás durante uma quermesse. Em Estado de Direito, algo assim não ocorre. É como se ensaiássemos, aqui, um faroeste onde a lei é feita por quem se vê como xerife. Não faz grande diferença, em parâmetros civilizados, se é a tinta na caneta e não a bala no cartucho o instrumento do abuso que vai substituir a lei em nome de intenções que, muito comumente, dão sinais de envolver mais uma satisfação própria do que a da sociedade.
Depois de tudo que vi nos últimos quatro anos, identifico com clareza a propagação de uma síndrome no Estado brasileiro – a Síndrome A. de M.. Ela pode ser identificada em muitos titulares de poder que agem como o ministro Alexandre de Moraes em suas afoitas e pesadas intenções punitivas.
Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
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