BLOG ORLANDO TAMBOSI
Vídeo de general ligado a Lula reacende a chama da CPI do 8 de janeiro, cria dor de cabeça ao governo e atrapalha a pauta econômica. Wilson Lima para a revista Crusoé:
O
roteirista de Brasil é um ser maravilhoso. Vira e mexe, ele surpreende a
todos com tramas rocambolescas que dariam inveja a qualquer executivo
da indústria dos serviços de streaming. A revelação de um vídeo, pela
CNN Brasil, que liga o general da reserva Marco Edson Gonçalves Dias,
ex-GSI, aos atos terroristas de 8 de janeiro é um exemplo dessas
reviravoltas que nem mesmo o mais brilhante escritor hollywoodiano
ousaria imaginar.
Em
menos de 24 horas, o governo federal enfrentou a primeira queda de um
ministro e ainda será obrigado a enfrentar uma CPMI e a ver a sua pauta
econômica ser atravancada por um tipo de investigação que, segundo o
velho ditado, todos sabem como começa, mas ninguém sabe como termina.
Na
quarta-feira última, a CNN divulgou vídeos em que o general Gonçalves
Dias, durante o 8 de janeiro, é flagrado no Palácio do Planalto em
atitude aparentemente permissiva com invasores do prédio. Nas imagens,
ele não somente ficou impávido junto aos manifestantes, como parece até
colaborar com momentos da invasão.
Em
um primeiro momento, o Palácio do Planalto, sua blogosfera e a mídia
amiga tentaram ignorar as cenas. Mas os fatos se impuseram. A
repercussão foi tão negativa que o presidente Lula se viu obrigado a
convocar uma reunião de emergência para tratar do episódio.
A
reunião ocorreu na sala do ministro da Secom, Paulo Pimenta, e
participaram também Alexandre Padilha (Relações Institucionais) e Rui
Costa (Casa Civil). Crusoé apurou que esse encontro foi tenso. Lula
cobrou de Gonçalves Dias explicações sobre o episódio. O presidente da
República até defendeu a permanência do auxiliar, mas Pimenta, Padilha e
Costa disseram que a situação era insustentável. Lula foi voto vencido.
Durante
o encontro, Padilha, Costa e Pimenta argumentaram que não somente houve
quebra de confiança por parte do GSI, como o general da reserva colocou
o governo no epicentro da crise sobre o 8 de janeiro e deu munição para
as bancadas bolsonaristas tanto da Câmara quanto do Senado. Tudo que o
governo federal não queria. Mais: a avaliação do Planalto é que o fato
de Gonçalves Dias ter escondido do governo a existência desses vídeos
também deixou, em situação extremamente delicada, a Polícia Federal,
pelo fato de ela não ter identificado um integrante do governo em meio
aos manifestantes.
A
conclusão após a reunião, que durou em torno de uma hora e meia, é que a
demissão de Gonçalves Dias não bastaria para debelar a crise. Seria
necessário um amplo plano de ação calcado, a partir de então, no apoio à
CPMI e, em paralelo, na tentativa de desacreditar o material divulgado
pela CNN. “É hora de controlar a narrativa”, disse um integrante do
núcleo duro do governo a Crusoé. Há um receio claro por parte do
Executivo de que a ala bolsonarista do Congresso consiga emplacar a tese
de que o governo foi leniente com os vândalos em 8 de janeiro. Detalhe:
essa virada dramática na narrativa (impondo ao governo algum tipo de
participação no episódio) já foi detectada nos primeiros trackings do
PT.
Por
isso, o governo federal desistiu de enterrar a CPMI e agora intensifica
esforços para controlar a investigação. Mas não será uma tarefa fácil.
Pelo histórico, a relatoria e presidência do colegiado são divididos
entre Câmara e Senado. Quando uma casa fica com a presidência, a outra
controla da relatoria. Ou vice-versa.
Aí
começa o jogo de xadrez. Se a tradição das duas Casas for seguida, a
relatoria e a presidência da CPMI serão destinadas aos maiores blocos
partidários. Na Câmara, o maior bloco reúne o PP de Arthur Lira, o PSB
governista e o União Brasil – partido que é metade governista e metade,
não; no Senado, o bloco majoritário reúne MDB, PSD, PT e União Brasil.
Integrantes
das duas casas admitem que o governo federal dificilmente terá
ingerência na escolha do represente da Câmara na mesa diretora da CPMI.
Isso porque esse bloco é controlado, fundamentalmente, por Lira e por
Elmar Nascimento, líder do União Brasil. Ou seja: no final das contas,
caberá a Lira ou a Elmar – que tem pressionado o governo federal pela
liberação de cargos e emendas – a responsabilidade da indicação do
representante dos deputados na mesa da CPMI.
Para
piorar a situação do Planalto, na próxima terça-feira o PP vai
discutir, institucionalmente, como vai lidar com a investigação.
Lideranças do partido ouvidas por Crusoé admitem que a tendência é que a
sigla adote uma postura crítica em relação ao Planalto durante as
investigações, colaborando para desgastar ainda mais a imagem do
Executivo na CPMI. Para a oposição, de maneira geral, o objetivo será
dividir as responsabilidades frente aos atos de 8 de janeiro. Se é
inegável que bolsonaristas e antipetistas estavam na confusão que foi a
invasão dos Três Poderes, eles não devem ser os únicos culpados – dizem
os proponentes dessa versão da história –, uma vez que integrantes do
governo se omitiram, não forneceram a segurança necessária ou até mesmo
incentivaram a turba dos vândalos.
Gonçalves
Dias, ao ser nomeado por LulaNa Câmara, a CPI contará com três
deputados do PL — muito provavelmente Eduardo Bolsonaro (SP), Alexandre
Ramagem (RJ) e André Fernandes (CE), esse último autor do pedido de CPI
—, três da federação do PT com o PCdoB, um do Psol, um do União Brasil –
a maior chance é que seja Kim Kataguiri (SP) –, e um deputado de cada
uma destas siglas: PP, PSDB, PDT, MDB, PSD, Republicanos e Podemos. Esse
último vai indicar Deltan Dallagnol (PR) para o colegiado.
Apesar
do cenário adverso, um dos vice-líderes do governo no Congresso
Lindbergh Farias (PT-RJ) ainda tenta manter o otimismo. “Há uma maioria
do governo, a presidência será do governo, do bloco governista. E o
relator também. Essa história que o autor da CPI vira presidente ou
relator não existe. Isso é quando há acordo e nós nunca chamamos
acordo”, disse ele nesta quinta-feira, 20, durante entrevista coletiva.
No
Senado, a tendência é que o governo tenha um maior controle da
investigação. A princípio, a CPMI terá dois senadores do MDB (Renan
Calheiros mais um segundo integrante da sigla), dois do União Brasil
(são cotados Soraya Thronicke e o ex-juiz Sergio Moro), um do Podemos
(Marcos do Val é o mais cotado), um do PSDB (Izalci Lucas), três do PSD
(Otto Alencar e Omar Aziz e um terceiro), um do PT (Humberto Costa), um
do PSB (Jorge Kajuru), três do PL (entre os mais cotados estão Flávio
Bolsonaro e Magno Malta) e um do PP (provavelmente Luis Carlos Heinze).
No
Senado, apesar de fazer parte do bloco majoritário, a tendência é que o
integrante da Casa que fará parte da mesa diretora seja do PSD, maior
partido da Casa. Isso pode fazer com que seja repetida a tática do
partido de indicar Omar Aziz para comandar a investigação.
Por
ter sido o autor do pedido de CPMI, o PL trabalha para ter, ao menos, a
vice-presidência do colegiado, uma tática que foi adotada na CPI da
Covid. Na época, o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) ganhou espaço na
mesa justamente mediante acordo. E eis a grande fragilidade do PL:
integrantes de Câmara e Senado não querem abrir espaço para André
Fernandes, justamente por ele ser visto como integrante da ala mais
radical do bolsonarismo.
Além
de tentar controlar a investigação, o governo federal vai tentar adotar
durante a CPMI o discurso de que a oposição tenta transformar em
verdade uma grande “teoria da conspiração” ou uma clássica “narrativa
bolsonarista”. Em outra linha, a base governista vai insistir na quebra
de sigilo de possíveis financiadores, influenciadores, e até de
parlamentares com suspeita de envolvimento nos atos de 8 de janeiro.
Nesse ponto, integrantes do PT não descartam, por exemplo, pedir a
quebra de sigilo telefônico e telemático de integrantes do próprio
colegiado como os deputados Eduardo Bolsonaro e André Fernandes, além de
outros integrantes da base bolsonarista como Sílvia Waiãpi (PL-AP) e
Clarissa Tércio (PP-PE). Estes três últimos (Fernandes, Waiãpi e Tércio)
já são alvo de investigações no STF justamente por envolvimento nos
atos de 8 de janeiro.
Do
outro lado desse ringue, os deputados de oposição ao governo federal
vão trabalhar pela quebra de sigilos de integrantes do governo federal
como o ministro da Justiça, Flávio Dino, ou do próprio ex-GSI general
Gonçalves Dias. A base bolsonarista também pedirá depoimentos de
integrantes do governo federal, como o próprio Dino, integrantes da
Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal e da Polícia
Rodoviária Federal. O propósito é emplacar a tese de que o governo
federal foi omisso em diversos momentos, antes da invasão da Praça dos
Três Poderes e durante o evento golpista.
Enquanto
bolsonaristas e petistas se digladiam, durante os próximos seis meses
(tempo de duração do inquérito), a pauta econômica tende a ficar em
segundo plano. Líderes de Câmara e Senado são uníssonos em afirmar que
matérias como o novo arcabouço fiscal e a reforma tributária terão sua
tramitação prejudicada, justamente aquilo que o governo não queria.
Será
ainda mais difícil para o Executivo impedir mudanças nos dois textos.
Uma alteração é tida como certa no novo arcabouço fiscal: a retirada do
item que isenta a União de responsabilidade por descumprimento de metas
fiscais. De cara, uma nova derrota para o governo Lula.
“Eu
não acredito que a Câmara ficará paralisada com a instalação da CPMI”,
disse, otimista, o relator da proposta de novo marco fiscal, Cláudio
Cajado (PP-BA). “Temos outros temas importantes para enfrentar e não me
refiro apenas ao arcabouço.”
A
tendência é que a reforma tributária sofra mais com essa CPMI. A
expectativa inicial era que o projeto fosse votado, em plenário, já no
mês de maio. Mas a tendência é que fique para junho ou, nas projeções
mais pessimistas das lideranças, para o início de julho, às vésperas do
recesso parlamentar.
Em
política, reviravoltas são absolutamente normais. Mas essa guinada,
surgida após algumas imagens virem a público, é a demonstração cabal de
que a política brasileira compete bem com qualquer filme ou série
disponível nas plataformas de streaming.
Postado há 1 week ago por Orlando Tambosi
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