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A newsletter do professor Rui Ramos para o Observador, sobre a história política contemporânea de Portugal:
A solução política que vinha dos militares
Por
volta de 1973, correram boatos de que o governo estaria a tramar uma
velhacaria contra as forças armadas. Tratava-se, segundo se dizia, de
diminuir o esforço de guerra deixando cair a Guiné, como caíra Goa em
1961. O exército, tal como em Goa, ficaria com as culpas. O corpo
expedicionário da Guiné converteu-se num foco de alarmismo e de
agitação, explorando o efeito das operações fronteiriças do PAIGC, que
assim se tornou um peão da política interna portuguesa.
Estes
rumores misturaram-se com reclamações corporativas, as quais deram o
pretexto para se organizar no exército um “Movimento de Capitães”. O
destaque dos capitães explica-se porque estes ocupavam o posto-chave da
acção militar no ultramar, realizada sobretudo ao nível de companhia.
Por volta de Outubro de 1973, o movimento conseguiu recolher
secretamente 598 assinaturas de oficiais do quadro permanente para uma
demissão colectiva de protesto. As concessões do governo de nada
adiantaram. Nos fins de 1973, o Movimento dos Capitães instalava-se como
estrutura secreta dentro das forças armadas, com comissões já eleitas. A
de Moçambique sentiu-se capaz, no princípio de 1974, de tomar conta do
“aparelho militar” na zona de operações.
O
desenvolvimento de objectivos políticos era fatal. No meio oficial,
cada vez se falava mais de uma intervenção política das forças armadas
para romper o impasse político. Marcello Caetano imaginou sempre que,
falhando, iria ser sucedido pelos militares. Em conversa com Diogo
Freitas do Amaral, em Agosto de 1973, confessou-lhe que “o moral das
nossas tropas é péssimo” e que já não queriam combater. Ele precisava de
tempo, e “portanto preciso que os militares continuem a combater,
enquanto os nossos inimigos nos atacarem”. Mas “é claro que tudo tem um
limite”. Se os militares não quisessem, ele teria de entregar o poder às
forças armadas, o que faria “de bom grado”. Nesta altura, ainda não
havia reuniões do Movimento dos Capitães, mas Caetano já aguardava uma
sucessão militar.
Toda
a gente esperava que o exército fizesse alguma coisa. Ora, o exército
parecia preparado para o fazer. Os programas sociais de contra-subversão
tinham dado aos oficiais no ultramar uma larga experiência de
administração e governo civil. Calcula-se que 80% das actividades das
forças armadas tinham a ver com programas sociais e económicos, e que
menos de 20% diziam respeito a operações militares.
Os
militares absorveram a doutrina da contra-subversão, que atribuía a
causa da guerra a “problemas sociais”. E quiseram resolver estes
problemas através da reorganização das sociedades locais.
Em
Angola e Moçambique, acabaram por criar uma péssima relação com as
populações brancas, às quais se habituaram a culpar pelos tais
“problemas sociais”. Em 1974, a mentalidade do capitão português
começava a identificar-se com a do comissário político da guerrilha.
A
crença, desenvolvida em África, na capacidade dos militares para
construírem nações e sanearem sociedades explica, em parte, o papel
político que o MFA se atribuiu a si próprio em Portugal em 1975. Otelo
Saraiva de Carvalho deixou isso claro numa entrevista em 1974, quando
imaginou as Forças Armadas, em Portugal, a abrir estradas e a
administrar escolas e hospitais, como tinham feito na Guiné.
Em
Fevereiro de 1974, num livro que vendeu dezenas de milhares de
exemplares, o general Spínola insistiu em que a guerra não tinha
“solução militar”, mas só “solução política”. Era um velho chavão, que
toda a gente repetia desde sempre. O general Costa Gomes, um dos
conspiradores da “abrilada” de 1961, tinha-o escrito nos jornais nesse
mesmo ano, presumivelmente com o consentimento da hierarquia.
Tratava-se,
de resto, de um dos primeiros princípios aprendidos nos cursos sobre
“contra-subversão”. Em 1974 pareceu novidade porque foi entendido como a
denúncia do fracasso de Caetano, incapaz de aproveitar o esforço
militar de 1970. Mais do que isso: o desabafo de Spínola forneceu a
prova de que esforços desse tipo seriam tempo perdido enquanto o governo
não mudasse. O movimento militar que iria levar ao golpe de 25 de Abril
de 1974 estava lançado.
Na
última edição do programa E o Resto é História,conversei com o João
Miguel Tavares sobre Óscar Carmona, o Presidente da República que mais
anos esteve no cargo. Ouça aqui o podcast.
Postado há 1 week ago por Orlando Tambosi
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