BLOG ORLANDO TAMBOSI
A tentativa do PCC de assassinar Sergio Moro, familiares e outras autoridades é frustrada e fortalece o senador em disputa com Lula. Reportagem de Vanessa Lippelt e Wilson Lima para a Crusoé:
Ex-juiz
da maior operação contra a corrupção na história do Brasil, Sergio Moro
despertou o ódio de vários políticos e empresários envolvidos em
desvios milionários. Mas não é só isso. Por ter atuado como ministro de
Justiça e Segurança Pública no governo de Jair Bolsonaro, ele também
atraiu a raiva da maior organização criminosa do país, o Primeiro
Comando da Capital, PCC. Com dinheiro de sobra, métodos empresariais e
presença em todo o Brasil, a facção colocou em andamento um plano para
sequestrar Sergio Moro, seus familiares e autoridades. Na quarta (22), a
Polícia Federal conseguiu desbaratar a ação, que se fosse adiante só
teria paralelos com o período sangrento da guerrilha na Colômbia ou com
os anos de combate à máfia na Itália.
Batizada
de Operação Sequaz, a investigação da Polícia Federal durou 45 dias e
prendeu nove integrantes do PCC. A ordem para que fosse iniciada foi
dada pela juíza Gabriela Hardt, que substituiu Moro na 13ª Vara Federal
Criminal de Curitiba. Entre os alvos dos criminosos também estavam o
promotor Lincoln Gakiya, que investiga o grupo criminoso há vinte anos,
agentes penitenciários e policiais de Mato Grosso e Rondônia. O motivo
do planejamento do PCC é que os líderes da organização, como Marco
Williams Herbas Camacho, o Marcola, estavam furiosos por terem sido
transferidos para presídios federais. Em 2019, ele e outros 21
integrantes do PCC foram levados, a pedido de Gakyia e durante o tempo
em que Moro foi ministro, para uma prisão de segurança máxima, onde não
tinham privilégios e a chance de resgate era nula.
“É
disso que se trata. Enquanto era ministro, uma das primeiras medidas
adotadas por Moro no início do governo Jair Bolsonaro, em 2019, foi
isolar os líderes da facção criminosa em presídios de segurança máxima.
Quando você deixa essas pessoas perigosas sem contato com o mundo
externo, isso acaba dificultando o trabalho deles. A gente está falando
de retaliação“, disse Rosângela Moro em conversa no Papo Antagonista.
Ela, o senador e os dois filhos estavam sendo seguidos pelo setor de
operações especiais do PCC, o Sintonia Restrita.
Os
documentos obtidos por Crusoé, após a juíza Gabriela Hardt levantar o
sigilo sobre o inquérito, mostram que membros do alto escalão do PCC com
outros criminosos mapearam a rotina e endereços do ex-juiz da Lava
Jato. O inquérito revela que a facção teve acesso a informações pessoais
de Moro e de sua família e que planejava alguma ação contra o senador
no segundo turno das eleições do ano passado. Um levantamento indica
rotas de acesso, câmeras de segurança, e entrada e saída do Clube Duque
de Caxias, local de votação do parlamentar em Curitiba.
“Em
busca realizada na internet, verificou-se que o Clube Duque de Caxias
realmente foi o local de votação do senador Sergio Moro, restando claro
que foi cogitado uma ação contra ele no segundo turno da eleição
presidencial de 2022”, relata trecho da investigação.
Há
indícios de envolvimento da alta cúpula do PCC na operação. Patrick
Uelinton Salomão, conhecido como “Forjado”, membro do topo da hierarquia
do PCC, e Valter Lima Nascimento, o “Guinho” seriam os líderes do
esquema. Guinho é considerado o braço-direito de “Fuminho”, um dos mais
graduados dentro da organização, e responsável por um plano para
libertar Marcola em 2014. Sidney Rodrigo Aparecido Piovesan também
aparece em uma videochamada entre os criminosos, mas não consta da lista
de presos pela PF. Conhecido como “El Sid”, ele também integraria a
cúpula da facção criminosa e teria histórico de homicídios após sua
saída da prisão.
Um
print anexado aos documentos do Judiciário mostra que o PCC mantinha
anotações do controle de gastos, indicando a destinação de valores para a
execução do sequestro. A imagem mostra um diálogo entre os investigados
Aline Maria Paixão e Janeferson Aparecido Mariano Gomes, o Nefo, no
qual o homem pede que Aline faça um print e guarde, “pois são
importantes”. Em linguagem cifrada, criada para dificultar a
identificação da ação criminosa, os membros da facção se referem a Moro
como “Tokio” e “Flamengo”, para sequestro.
A
reprodução de tela mostra que Nefo pediu para Aline guardar o controle
de gastos que indicava a destinação do dinheiro para a execução do
plano: R$ 110 mil para a compra de um fuzil, R$ 50 mil para o sequestro,
R$ 35 mil para aluguel de carro para a ação, R$ 100 mil para alugueis e
R$ 35 mil para motorista. Os gastos envolvem ainda outros valores com
códigos cifrados, que totalizam os R$ 564 mil.
À
medida que brasileiros tomavam conhecimento — estupefatos — do plano do
PCC, políticos antipáticos a Moro foram para as redes sociais e
procuraram jornalistas não para prestar solidariedade ao senador que
quase foi sequestrado com membros de sua família, e sim para insinuar
que ele estaria por trás do plano da organização criminosa. O presidente
Lula foi o destaque entre eles. “Eu não vou falar porque eu acho que é
mais uma armação do Moro. Mas eu quero ser cauteloso e vou descobrir que
aconteceu. É visível que é uma armação do Moro”, disse o presidente
nesta quinta (23), durante visita ao Complexo Naval de Itaguaí, no Rio
de Janeiro.
Os
comentários de Lula levaram algumas pessoas a sugerir que ele não
estaria em seu juízo perfeito. “Todas as evidências indicam que não
temos na chefia do Estado e do governo brasileiros alguém à altura da
tarefa. Seja porque jamais vai ser capaz de pacificar e unir o país –
dado que, afogado em ressentimentos, insiste em insuflar a revanche,
apostando na vingança e num acerto de contas final com um inimigo (real
ou imaginário) –, seja porque não conseguiu se desvencilhar da vibe da
Guerra Fria (tomando os EUA como o grande satã), seja porque, é forçoso
desconfiar, parece não estar batendo muito bem da bola“, escreve Augusto de Franco nesta edição da Crusoé.
O
líder do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), e a
presidente do PT, Gleisi Hoffmann, também seguiram nesta toada. “O
senador Moro tinha conhecimento das investigações da Polícia Federal.
Tentar politizar esse tema é mau-caratismo”, disse Randolfe em seu
Twitter. “Juiz parcial, que não se importou com o ódio que alimentou com
a Lava Jato, tem aula de civilidade e democracia do governo Lula”,
arrematou Gleisi, também pelas redes sociais.
Dois
dias antes, Lula ainda tinha deixado evidente seu ressentimento para
com Moro, durante uma entrevista para a TV Brasil 247. Na presença de
jornalistas amigos em uma conversa ao vivo, ele soltou a língua. “De vez
em quando, ia um procurador (na prisão) para visitar e ver se estava
tudo bem. Entravam três ou quatro procuradores lá e perguntavam: ‘Tudo
bem?’. Eu falava: ‘Não está tudo bem. Só vai estar bem quando eu foder
esse Moro’”, disse Lula, arrancando risadas dos entrevistadores.
Vale
observar que todas as sentenças de Moro foram validadas por juízes na
segunda e terceira instâncias. “Moro foi o primeiro juiz a condenar Sua
Excelência, mas não foi o único. Uma simples leitura do noticiário
bastará para comprovar esta afirmação“, escreve José Nêumanne Pinto nesta edição da Crusoé.
Se o petista tem tanta fixação pelo atual senador é porque, além de
vê-lo como o ex-algoz, também o enxerga hoje como um rival político.
E
foi no plano da política em que as declarações de Lula mais tiveram
impacto. Até a semana passada, o ex-juiz mantinha uma atuação
relativamente discreta no Senado. Como mostramos há duas semanas em uma reportagem de capa,
o ex-ministro atuava basicamente nos bastidores. Ele ainda estava
tateando em sua nova função pública, embora conte com o apoio de
lideranças importantes como Efrain Filho (PB), do União Brasil.

A
tentativa do PCC de sequestrá-lo e as declarações infelizes do
presidente apenas revigoraram a atuação política do ex-ministro,
catapultando suas duas principais bandeiras: o combate à criminalidade e
à corrupção. Líderes partidários ouvidos por Crusoé, tanto da Câmara
quanto do Senado, admitiram que Moro saiu mais forte deste episódio e
que ele agora tem a chance de ser o principal nome da oposição a Lula.
Isso dependerá, porém, da forma como ele irá explorar politicamente o
antagonismo com o atual presidente da República.
Os
parlamentares já têm ciência desse movimento e pretendem surfar essa
onda ao lado do ex-magistrado. O ex-presidente da CCJ na Câmara Felipe
Francischini (União-PR) apresentou um requerimento solicitando que a
Comissão Interamericana de Direitos Humanos acompanhe as ameaças à
integridade física do ex-juiz. Na prática, esse tipo de acompanhamento
fará com que esse assunto ganhe um destaque ainda maior.
Além
disso, a Comissão de Segurança da Câmara – composta basicamente por
bolsonaristas — vai apresentar, na semana que vem, um pedido de
investigação ao procurador-geral da República, Augusto Aras, para saber
se Lula ou seus aliados petistas teriam algum tipo de ligação com o
grupo que articulou o assassinato de Moro. Apesar desse vínculo, neste
instante, ser uma ilação, a base bolsonarista tem ciência que pode
desgastar o presidente da República e associá-lo a grupos como o próprio
PCC. Um componente explosivo que será explorado pela oposição nas
próximas eleições gerais.
“É
preciso entender todas as relações dos petistas com grupos criminosos.
Não é normal um presidente da República dizer que pretende ‘f.’ com um
senador e isso ficar impune. Vamos apurar isso a fundo”, declarou o
deputado Ubiratan Sanderson, presidente da Comissão de Segurança da
Câmara.
“Moro
já é um grande líder. E é natural que ele tenha evidência em virtude de
tudo que ele fez como juiz, como outros como Marcelo Bretas. Dentro da
oposição temos vários outros nomes dentro desse grupo [de enfrentamento
ao PT], como Rogério Marinho, líder da oposição no Senado, mas é óbvio
que o nome de Moro ganha peso nesse processo”, disse o senador Luis
Carlos Heinze (PP-RS), vice-líder do bloco parlamentar vanguarda, que
reúne partidos como o PL e Novo no Senado.
Mas
as repercussões políticas, quaisquer que sejam elas, são secundárias
diante das evidências da ação do PCC. A questão fulcral é que nenhum
brasileiro pode tolerar que uma organização criminosa esteja a ponto de
sequestrar um representante do povo, familiares, promotores ou agentes
penitenciários. Foi por muito pouco que uma tragédia não aconteceu — e
naturalmente é prematuro achar que esse risco foi totalmente eliminado.
Que um presidente faça troça dessa situação mostra o grau de imaturidade
e até de falta de lucidez de um político que, em vez de assumir o papel
que lhe cabe, inventa conspirações apenas para atacar um adversário —
que com isso só ficou mais forte.
Postado há 1 week ago por Orlando Tambosi
Nenhum comentário:
Postar um comentário