MEDIÇÃO DE TERRA

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MEDIÇÃO DE TERRAS

terça-feira, 18 de abril de 2023

Fio desencapado

 

BLOG  ORLANDO  TAMBOSI

Deprimido e em prisão preventiva, Anderson Torres é o homem que pode causar um curto-circuito no bolsonarismo. Vanessa Lippelt para a Crusoé:


Preso há 83 dias, após os atos antidemocráticos de 8 de janeiro, Anderson Torres sente o peso da solidão, das saudades da família e do abandono por Jair Bolsonaro. Na cela improvisada no Batalhão de Aviação Operacional (Bavope) da Polícia Militar do Distrito Federal, o ex-ministro da Justiça procura ocupar a mente com o trabalho administrativo e as aulas de um curso técnico online, autorizados no dia 29 de março pela juíza da Vara de Execuções Penais, Leila Cury.

No recinto que lhe serve como cárcere, mobiliado com um sofá rasgado, uma mesa com quatro cadeiras e um banheiro de 3,75 metros quadrados, Torres desabafa com pessoas próximas. Ele se diz decepcionado com o ex-presidente por ele não ter lhe dirigido, desde a sua prisão, uma palavra de consolo e apoio. Deprimido, o ex-secretário confidenciou a interlocutores que a postura de Bolsonaro não condiz com o papel de um líder. “Ele ficou muito decepcionado desde o primeiro momento. Bolsonaro não fez nada para defendê-lo”, confidenciou um amigo próximo de Torres, sob condição de anonimato.

Isso explica, em parte, a decisão de Anderson Torres de trocar a sua defesa, antes patrocinada por Rodrigo Roca, ex-advogado de Flávio Bolsonaro e ligado ao clã, por Eumar Novacki, ex-secretário-executivo do Ministério da Agricultura no governo de Michel Temer e ex-chefe da Casa Civil do governador do DF Ibaneis Rocha. Torres quer distância da família Bolsonaro.

“Ele se sente desconfortável com a minha proximidade com Flávio Bolsonaro. É natural”, comentou a Crusoé o advogado Rodrigo Roca um pouco antes de deixar a defesa de Torres. Roca sempre se declarou frontalmente contra a delação premiada por parte dos seus clientes: “Se um cliente meu optar pela delação eu deixo o caso.”

O ex-ministro da Justiça se sentia muito mais que desconfortável. “Ele se sentia controlado e temia interferência na sua estratégia jurídica por parte do ex-presidente e de seus filhos”, explica o amigo de Torres. Essa mesma pessoa disse que o ex-ministro buscava um advogado com bom trânsito tanto nos Tribunais quanto no Congresso.

Novacki, o novo advogado do ex-ministro, circula com desenvoltura no meio político desde quando atuou como secretário no Ministério da Agricultura sob Blairo Maggi. Ele afirmou em nota à imprensa que antes de se pronunciar sobre a linha de defesa, precisa se debruçar sobre a investigação. “Os autos do inquérito são extensos e, por este motivo, não vamos nos precipitar com comentários de qualquer natureza ou emitir posicionamento sobre quaisquer fatos, sejam eles novos ou não”, diz a nota.

A nova defesa pretende adotar uma atitude mais cooperativa com o Judiciário. A ordem é não entrar em confronto com o Supremo Tribunal Federal e concordar que os eventos de 8 de janeiro demandaram uma reação enérgica.

A mudança na defesa provocou especulações e acendeu a luz vermelha sobre uma possível delação premiada de Anderson Torres. Oficialmente, Eumar Novacki nega que seu cliente tenha algo a delatar ou interesse em fazê-lo. Na verdade, a medida está descartada “no momento”. Uma delação premiada de Anderson Torres que aproximasse Jair Bolsonaro dos atos antidemocráticos de 8 de janeiro teria um impacto atômico. O choque político seria imediato, ainda que efeitos jurídicos dependam da existência de provas contundentes.

“A colaboração premiada é um meio probatório e já está pacificado que a palavra, por si só, de um colaborador da Justiça, não tem idoneidade para condenar uma pessoa. É preciso trazer dados de corroboração de que aquele fato realmente existiu”, diz Alexandre Wunderlich, advogado criminal e professor do mestrado profissional em direito do IDP-Brasília.

Wunderlich chama a atenção para a influência do estado emocional de Anderson Torres na decisão de uma possível delação premiada e diz, ainda, que as penas altas dos crimes contra o Estado de Direito podem incentivar o ex-ministro a seguir adiante num acordo de colaboração com a Polícia Federal.

“Esses crimes têm penas altíssimas. As mínimas são de quatro anos. Ele está preso, numa situação de vulnerabilidade e com possibilidade de ficar bastante tempo na cadeia. Não é daqueles casos em que o réu paga uma cesta básica e voltar para casa”, diz o advogado criminal. “Isso certamente pesa na balança. Pode levar inclusive a uma delação imprópria, não amparada em material probatório robusto. Seria uma forma leviana de tentar escapar da prisão.”

Enquanto a hipótese da delação segue em suspenso, Anderson Torres dedica-se a uma prosaica rotina nas dependências da Bavope. Diariamente, o ex-ministro se exercita, caminha e dedica-se à leitura durante uma hora por dia. Após a autorização da Vara de Execuções Penais, Torres passou a trabalhar internamente no quartel, realizando atividades administrativas, e se matriculou em um curso técnico online. O ex-ministro da Justiça pediu para cursar mecânica. Mas erraram a matrícula e Torres é hoje aluno de um curso de eletricista.
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