BLOG ORLANDO TAMBOSI
Deprimido e em prisão preventiva, Anderson Torres é o homem que pode causar um curto-circuito no bolsonarismo. Vanessa Lippelt para a Crusoé:
Preso
há 83 dias, após os atos antidemocráticos de 8 de janeiro, Anderson
Torres sente o peso da solidão, das saudades da família e do abandono
por Jair Bolsonaro. Na cela improvisada no Batalhão de Aviação
Operacional (Bavope) da Polícia Militar do Distrito Federal, o
ex-ministro da Justiça procura ocupar a mente com o trabalho
administrativo e as aulas de um curso técnico online, autorizados no dia
29 de março pela juíza da Vara de Execuções Penais, Leila Cury.
No
recinto que lhe serve como cárcere, mobiliado com um sofá rasgado, uma
mesa com quatro cadeiras e um banheiro de 3,75 metros quadrados, Torres
desabafa com pessoas próximas. Ele se diz decepcionado com o
ex-presidente por ele não ter lhe dirigido, desde a sua prisão, uma
palavra de consolo e apoio. Deprimido, o ex-secretário confidenciou a
interlocutores que a postura de Bolsonaro não condiz com o papel de um
líder. “Ele ficou muito decepcionado desde o primeiro momento. Bolsonaro
não fez nada para defendê-lo”, confidenciou um amigo próximo de Torres,
sob condição de anonimato.
Isso
explica, em parte, a decisão de Anderson Torres de trocar a sua defesa,
antes patrocinada por Rodrigo Roca, ex-advogado de Flávio Bolsonaro e
ligado ao clã, por Eumar Novacki, ex-secretário-executivo do Ministério
da Agricultura no governo de Michel Temer e ex-chefe da Casa Civil do
governador do DF Ibaneis Rocha. Torres quer distância da família
Bolsonaro.
“Ele
se sente desconfortável com a minha proximidade com Flávio Bolsonaro. É
natural”, comentou a Crusoé o advogado Rodrigo Roca um pouco antes de
deixar a defesa de Torres. Roca sempre se declarou frontalmente contra a
delação premiada por parte dos seus clientes: “Se um cliente meu optar
pela delação eu deixo o caso.”
O
ex-ministro da Justiça se sentia muito mais que desconfortável. “Ele se
sentia controlado e temia interferência na sua estratégia jurídica por
parte do ex-presidente e de seus filhos”, explica o amigo de Torres.
Essa mesma pessoa disse que o ex-ministro buscava um advogado com bom
trânsito tanto nos Tribunais quanto no Congresso.
Novacki,
o novo advogado do ex-ministro, circula com desenvoltura no meio
político desde quando atuou como secretário no Ministério da Agricultura
sob Blairo Maggi. Ele afirmou em nota à imprensa que antes de se
pronunciar sobre a linha de defesa, precisa se debruçar sobre a
investigação. “Os autos do inquérito são extensos e, por este motivo,
não vamos nos precipitar com comentários de qualquer natureza ou emitir
posicionamento sobre quaisquer fatos, sejam eles novos ou não”, diz a
nota.
A
nova defesa pretende adotar uma atitude mais cooperativa com o
Judiciário. A ordem é não entrar em confronto com o Supremo Tribunal
Federal e concordar que os eventos de 8 de janeiro demandaram uma reação
enérgica.
A
mudança na defesa provocou especulações e acendeu a luz vermelha sobre
uma possível delação premiada de Anderson Torres. Oficialmente, Eumar
Novacki nega que seu cliente tenha algo a delatar ou interesse em
fazê-lo. Na verdade, a medida está descartada “no momento”. Uma delação
premiada de Anderson Torres que aproximasse Jair Bolsonaro dos atos
antidemocráticos de 8 de janeiro teria um impacto atômico. O choque
político seria imediato, ainda que efeitos jurídicos dependam da
existência de provas contundentes.
“A
colaboração premiada é um meio probatório e já está pacificado que a
palavra, por si só, de um colaborador da Justiça, não tem idoneidade
para condenar uma pessoa. É preciso trazer dados de corroboração de que
aquele fato realmente existiu”, diz Alexandre Wunderlich, advogado
criminal e professor do mestrado profissional em direito do
IDP-Brasília.
Wunderlich
chama a atenção para a influência do estado emocional de Anderson
Torres na decisão de uma possível delação premiada e diz, ainda, que as
penas altas dos crimes contra o Estado de Direito podem incentivar o
ex-ministro a seguir adiante num acordo de colaboração com a Polícia
Federal.
“Esses
crimes têm penas altíssimas. As mínimas são de quatro anos. Ele está
preso, numa situação de vulnerabilidade e com possibilidade de ficar
bastante tempo na cadeia. Não é daqueles casos em que o réu paga uma
cesta básica e voltar para casa”, diz o advogado criminal. “Isso
certamente pesa na balança. Pode levar inclusive a uma delação
imprópria, não amparada em material probatório robusto. Seria uma forma
leviana de tentar escapar da prisão.”
Enquanto
a hipótese da delação segue em suspenso, Anderson Torres dedica-se a
uma prosaica rotina nas dependências da Bavope. Diariamente, o
ex-ministro se exercita, caminha e dedica-se à leitura durante uma hora
por dia. Após a autorização da Vara de Execuções Penais, Torres passou a
trabalhar internamente no quartel, realizando atividades
administrativas, e se matriculou em um curso técnico online. O
ex-ministro da Justiça pediu para cursar mecânica. Mas erraram a
matrícula e Torres é hoje aluno de um curso de eletricista.
Postado há 1 week ago por Orlando Tambosi
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