“Marias
de Pedra e Mel”, livro de contos de Iara Sydenstricker, apresenta uma
escrita contundente ao retratar personagens femininas em busca de
libertação; evento de lançamento será no dia 4 de abril, no Rio de
Janeiro
“(...)
A autora aponta a dureza e a violência que recaem sobre as mulheres num
mundo misógino, machista e que não oferece segurança nem garantias para
nós, principalmente as das classes menos abastadas. As Marias
protagonizadas não estão presas à imagem cristã das santas. Nomeadas de
uma forma sagrada, são guerreiras. O olhar da narradora é uma ferramenta
de ruptura, de tentativa de mudança do contexto de injustiça
social.(...)”
Ninfa Parreiras (professora, escritora e psicanalista), na orelha do livro
Quando
criança, Iara se fascinou diante da beleza de um copo de vidro
ensaboado e lavado por ela mesma na pia da cozinha. O momento pueril
lançou a menina numa espécie de iluminação e ali ela intuiu que queria
ser empregada doméstica quando crescesse. Ao compartilhar a ideia com os
adultos ao redor foi desautorizada a seguir com o plano, taxado de
esquisito pelos familiares. O desconforto do episódio, carregado de
simbolismo, atravessa décadas, alia-se a outros sentimentos e vivências,
e transborda na escrita de Iara Sydenstricker (@iarasydescritora) no arrebatador Marias de Pedra e Mel, publicado pela editora Penalux. Com 72 páginas, o livro de contos marca a estreia da autora para o grande público. O lançamento do livro será no dia 4 de abril,
no Rio de Janeiro, às 19h, no Café Cheirin Bão, da Estação do Metrô
Largo do Machado (do outro lado da Rua do Catete), zona sul da capital
carioca.
Marias de Pedra e Mel é
formado por nove contos ficcionais, curtos e enxutos. Em cada um
destaca-se uma mulher, uma Maria que dá nome ao capítulo. O livro inicia
com Maria da Penha e encerra com Maria de Jesus. Cada conto desenvolve
uma história única,
com início, meio e fim. As tramas revelam violências físicas e
simbólicas, abandono, opressão e autoritarismo, mas também a força,
sonhos e desejos dessas mulheres. A maternidade e a religiosidade também
estão presentes na obra.
“Relaciono
a santidade das Marias católicas ao desprezo dado às Marias reais. São,
porém, todas Marias, santas e profanas, a carregarem, cada uma, um
terço que pode até se desfazer no caminho, mas que jamais as tornará
pecadoras devido a esse rompimento. Ao contrário, mesmo desfeitos, seus
terços continuam atados às suas mãos. A fé tem mil faces e a força
dessas mulheres é prova disso”, declara a escritora.
É preciso ressaltar que essas Marias habitam um mesmo universo, o cotidiano de mulheres relegadas a segundo plano. Iara, ao contrário, lhes dá protagonismo, concede palco para essas personagens desfiarem suas trajetórias e tecerem novos arranjos narrativos. Em alguma das Marias do livro as leitoras (e também os leitores) poderão encontrar sua própria Maria.
A
obra também tem mérito pela qualidade da escrita: a composição das
narrativas apresenta um repertório textual amplo e diverso, com criação
de metáforas originais que colaboram para a estruturação das cenas e
fluidez da trama. A sofisticação da escrita sustenta o desenrolar das
histórias, contadas em poucas páginas. Cada conto reúne num breve espaço
a apresentação da personagem, a problemática, e o desfecho.
A costura dos enredos, com caminhos inesperados, e seus
desenvolvimentos meteóricos, quebram a expectativa do leitor do início
ao fim do livro.
Iara
admite a preferência pela escrita mais concisa. “Gosto de textos secos,
quase áridos, mas que possam comover e levar o leitor, de alguma forma, a se tocar, a viver emoções próprias e alheias (das personagens). Quando alcanço esse objetivo, me apaziguo”, confessa.
Espírito do tempo: Marias e a inversão do protagonismo na narrativa contemporânea
Marias de Pedra e Mel é singular em sua composição e escrita, ao mesmo tempo em que dialoga com obras contemporâneas.
Livros de escritores como Itamar Vieira Junior, Jeferson Tenório,
Conceição Evaristo e Eliane Alves Cruz também inverteram os pólos de
interesse e trouxeram a periferia para o centro, concedendo a
personagens e histórias invisibilizadas desde sempre a ribalta do palco
principal.
“Estava
a escrever um livro sobre mulheres sofridas que, mesmo assim, seriam
capazes de reescrever seus destinos, ainda que pela via do encantamento.
Essas Marias encontraram uma forma de revidar, de vingar, de dar o
troco e de evidenciar suas recusas à opressão”, afirma a autora.
Seria
impossível dissociar a escrita de Iara dos autores citados, e de tantos
outros, como Eliane Brum, Marcelino Freire, Marina Colasanti, Octavia
Butler, Toni Morrison, Ana Maria Gonçalves e Lygia Bojunga, que a escritora cita como influências diretas em sua obra.
Um
passeio em qualquer livraria hoje evidencia o quanto essas obras e
autores ocupam cada vez mais espaço nas estantes, e não somente isso, os
livros são debatidos em grupos de leitura, escolas, universidades e
espaços de literatura, arte e cultura, além de estarem em destaque na
mídia, em jornais, revistas, programas de rádio e tvs, e canais
especializados nas redes sociais. O tema fervilha e as Marias criadas
por Iara também integram esse movimento.
Arquiteta, roteirista, escritora : o cotidiano produz inspiração
Iara
Sydenstricker nasceu em São Paulo, morou 27 anos no Rio de Janeiro e
vive na Bahia há duas décadas. É graduada em Arquitetura e Urbanismo
pela Universidade Federal Fluminense (UFF), sendo também mestre
em Planejamento Urbana e Regional por meio da Universidade Federal do
Rio de Janeiro (UFRJ) e doutora em Artes Cênicas pela Universidade
Federal da Bahia (UFBA). Atualmente é professora na Universidade Federal
do Recôncavo da Bahia, na Cidade de Santo Amaro, a 80 km de Salvador.
No entanto, sua experiência profissional é extensa e envolve, além da atuação como docente, trabalhos como arquiteta, roteirista e escritora.
Nos
anos 90, Iara conviveu, profissionalmente, com realidades desoladoras
em favelas e áreas de risco do Rio de Janeiro. Na Bahia, como
professora, vivenciou de perto o cotidiano duro e excludente de pessoas
que buscam através da universidade um lugar social mais digno e justo.
Essa multiplicidade de funções e experiências estão no cerne da composição das personagens criadas para Marias de Pedra e Mel.
O
processo de escrita do livro começou com o conto Maria do Socorro. “Era
uma mulher ficcional mas muito próxima de algumas que conheci. Escrevi e
reescrevi a história muitas vezes e em dado momento me dei conta de que
havia outras Marias a pedir existência. Era preciso colocá-las no
papel”, confidencia a autora. O passo seguinte, depois da obra pronta,
foi compartilhar a escrita com amigas e amigos próximos, a quem ela faz
referência nos agradecimentos. O processo seguiu com a escolha da Editora Penalux para publicar Marias de Pedra e Mel.
Agora a missão da autora é dar asas para a obra pousar em outros territórios. O lançamento do livro será no dia 4 de abril,
no Rio de Janeiro, no Café Cheirin Bão, localizado na rua Governador
Irineu Bornhausen, Loja P1, perto da Estação do Metrô Largo do Machado,
zona sul da capital carioca. Foram convidadas representantes do
Sindicato dos Empregados Domésticos, pessoas que Iara conheceu no dia 8
de março, Dia Internacional das Mulheres. O gesto emblemático vai
costurar dois momentos da vida da escritora: o dia em que a menina foi
tolhida por manifestar seu desejo de ser empregada doméstica e a estreia
do livro em que a Iara, agora adulta, escreve para dignificar as vozes
femininas abafadas por tempo demais.
Confira um trecho do livro:
“Quando
menina, estupraram sua inocência, sua voz, seu desejo. Cedo entendeu
que virgindade é privilégio e que a sua lhe fora negada desde o
nascimento. Ficou estéril, mais um motivo para que dela abusassem sem
consequências.
Enterrou
sonhos à mesma medida que seu corpo foi socado pelo uso diário do pilão
e pelas pauladas que recebia. Silenciada pela máscara de ferro sobre a
boca, aprendeu a não falar.
Capinou,
ensacou, plantou. Lavou, torceu, engomou e passou vestes que jamais
usaria. Aferventou o caldo da cana a lhe respingar durante décadas os
braços e o rosto espremido pelo horror a que foi exposta. Ainda assim,
guiou-se pela crença de que em algum lugar haveria almas como a sua.
Amou
o homem que a ela ofertou a única carícia que conheceu. Ele a ensinou a
esperançar a morte antes de ser assassinado no tronco. Durante anos,
Maria dedicou-se a preparar sua própria cova ao lado da morada do
amante. Plantou flores ao redor. Eram as duas mais lindas casas do
paraíso, diziam-lhe os mortos, testemunhas dos uivos de dor que ela
emitia aos finais das tardes de domingo diante do jazigo.
Forte, dura, resistente, logrou viver muito tempo. Depois, virou montanha.(...)”
Compre o livro via Editora Penalux: https://www.editorapenalux.com.br/catalogo-titulo/marias-de-pedra-e-mel
Nenhum comentário:
Postar um comentário