BAHIA NOTICIAS
por José Marques e Matheus Teixeira | Folhapress
Em balanço apresentado na sua última sessão como presidente do
STF (Supremo Tribunal Federal), o ministro Luiz Fux destacou como parte
do seu legado o avanço na digitalização dos serviços da corte e exaltou
que as despesas com o Judiciário caíram no último ano.
Mas, apesar do discurso de austeridade, o ministro vem atuando em
prol de questões corporativistas que levaram, no encerramento da sua
gestão, à aprovação de um aumento de 18% que deve incidir nos salários
de magistrados e de servidores.
Em seu biênio à frente da corte, Fux também fez uma série de acenos a
associações de magistrados e a demandas de tribunais. Além de defender
pautas classistas, ele evitou colocar em votação julgamentos que
desagradam entidades da magistratura.
A resistência em pautar alguns desses casos acabou levando o
presidente do STF a não conseguir avançar em acordos com outros
ministros para tocar temas considerados prioritários para ele, a exemplo
da restrição de decisões individuais na corte. Com isso, promessas
feitas, mesmo que de forma reservada, acabaram não cumpridas.
Esse viés a favor de demandas de classe marca a atuação de Fux desde
que ele chegou ao Supremo, em 2011, e foi mantido após ele tomar posse
como presidente da corte.
Na segunda-feira (12), a ministra Rosa Weber tomará posse como presidente do tribunal, sucedendo a Fux.
Em 10 de agosto, um mês antes do fim da gestão, o presidente da corte
pautou uma sessão administrativa que aprovou o envio ao Poder
Legislativo de uma proposta que resulta na elevação dos salários da
magistratura em 18% até julho de 2024.
Essa proposta prevê o reajuste do salário de um ministro do Supremo,
teto do funcionalismo, de R$ 39,3 mil mensais para R$ 46,3 mil. Caso
também seja aprovada pelo Congresso, essa elevação provocaria um efeito
cascata que aumentaria os demais salários dos magistrados do país.
Mas antes da aprovação desse aumento, Fux tentou convencer senadores a
colocarem na pauta do Legislativo uma proposta de emenda à Constituição
que prevê reajuste de 5% no vencimento de juízes e promotores a cada
cinco anos de serviço.
O quinquênio é uma demanda antiga de associações de magistrados e de integrantes do Ministério Público.
Além da questão do quinquênio, o magistrado atuou em outras frentes para garantir penduricalhos financeiros à magistratura.
Primeiro, negou-se a levar a julgamento, assim como seus
antecessores, a ação que discute a uniformização dos benefícios pagos a
toda magistratura, o que poderia impactar também no Ministério Público,
uma vez que existe a previsão de paridade entre as carreiras.
Fux também não pautou a análise de uma ação contra lei do Rio de
Janeiro que beneficiou os magistrados do tribunal estadual fluminense,
entre eles sua filha, a desembargadora Marianna Fux.
O processo foi movido pela Procuradoria-Geral da República em 2010 e
contesta trechos de uma legislação da gestão do ex-governador Sérgio
Cabral sobre remuneração, promoção e ingressos de juízes na carreira.
A lei foi questionada pela PGR porque, em tese, afronta a
Constituição, que prevê, em seu artigo 93, que mudanças na Lei Orgânica
da Magistratura só podem ser realizadas por meio de lei de iniciativa do
Supremo.
O tribunal iniciou a análise do tema em 2012, com o voto do então
ministro Ayres Britto pela derrubada da norma. À época, porém, Fux pediu
vista e só liberou o caso para retomada de julgamento cinco anos
depois, em 2017. Em 2019, o magistrado assumiu a presidência do STF e
nunca pautou o assunto no plenário.
Outra decisão de Fux que serviu como aceno às associações de
magistrados foi a suspensão da lei que institui o juiz de garantias no
país. Apesar de ter sido aprovada por ampla maioria no Congresso, a
medida foi suspensa por Fux e nunca foi levada a plenário.
Esse tema, inclusive, dificultou que ele conseguisse concretizar a
mudança regimental no STF que visava acabar com as decisões monocráticas
na corte.
Em junho, após um encontro de Fux com o presidente do Senado, Rodrigo
Pacheco (PSD-MG), a assessoria do presidente do Supremo disse que ele
manifestou "apoio à aprovação da PEC do quinquênio".
"A proposta é um pleito das associações da magistratura e que teve
origem no próprio Congresso. Na avaliação do ministro, a proposta pode
reestruturar a carreira da magistratura e evitar que um juiz
recém-empossado, por exemplo, receba o mesmo salário de um juiz com mais
de 30 anos de exercício na magistratura", disse.
O magistrado também afirmou que "a aprovação está condicionada à
extinção de auxílios pagos pelos tribunais, também chamados de
'penduricalhos', com a proposta que limita ganhos acima do teto
constitucional".
Em meio à crise institucional agravada por impulsos golpistas do
presidente Jair Bolsonaro (PL), o ministro também postergou o julgamento
de ações que poderiam colocar o Supremo em conflito com o STM (Superior
Tribunal Militar).
Essas ações tratam dos limites da Justiça Militar e têm apoio de diversas entidades de defesa dos direitos humanos.
Duas delas foram apresentadas há nove anos ao Supremo pela PGR, mas ainda estão pendentes de julgamento.
O próprio Fux havia sinalizado a intenção de que as ações fossem
julgadas antes do fim do seu mandato à frente da corte, mas isso não
aconteceu.
Nos últimos anos, cada uma dessas ações constou na pauta da corte em
mais de uma ocasião, sem terem julgamento concluído ou nem sequer
iniciado.
Tanto no STM como no MPM (Ministério Público Militar) há resistência
sobre a possibilidade de implementação das mudanças propostas pela PGR.
Ambos os órgãos têm divulgado em suas páginas artigos acadêmicos e
palestras de especialistas contrários às ações e em defesa da manutenção
do atual status da Justiça Militar. O STM é composto por 15
magistrados, sendo apenas cinco de origem civil.
Uma das ações que aguarda decisão do STF, relatada pelo ministro
Gilmar Mendes, questiona a possibilidade de civis serem julgados pela
Justiça Militar em tempos de paz.
A hipótese consta no Código Penal Militar de 1969 --auge da
ditadura-- e permite que civis sejam julgados por um tribunal militar
até em casos de calúnia ou desacato de militares.
Há caso, por exemplo, de civil que por críticas a militares acabou condenado por desacato em tribunal militar.
"A base institucional das Forças Armadas é formada pela hierarquia e
disciplina", diz a PGR em seu pedido ao Supremo. "Normas específicas do
regime jurídico-constitucional especial devem ser aplicadas somente aos
militares, não cabendo qualquer interpretação que pretenda estender sua
aplicação a civis em tempo de paz."
O processo foi colocado na pauta do STF em outubro do ano passado, após as falas de Bolsonaro nas manifestações de raiz golpista de Sete de Setembro. Acabou sendo retirado, porém, sem ser levado a votação.
Nenhum comentário:
Postar um comentário