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Demorou, mas The Lancet agora afirma que a negligência do laboratório de Wuhan, na China, pode ter dado origem à disseminação do vírus. Eli Vieira para a Gazeta do Povo:
A
tradicional e influente revista médica The Lancet, que deu espaço em
fevereiro de 2020 a uma carta que afirmava que os cientistas “concluíram
que esse [novo] coronavírus se originou em animais silvestres”,
publicou na última quarta-feira (14) um grande relatório em que admite
que a origem da pandemia poderia estar na “possibilidade de um surto
relacionado a laboratório”.
O
relatório, com primeira autoria do dr. Jeffrey Sachs, do Centro de
Desenvolvimento Sustentável da Universidade Columbia em Nova York, foi
feito por uma comissão que tratou das lições para o futuro a serem
aprendidas com a pandemia de Covid-19, causada pelo novo coronavírus
(SARS-CoV-2). A comissão, que inclui 39 outros cientistas, é da própria
Lancet.
Os
quarenta autores consideraram que, em uma lista de fracassos da
cooperação internacional, estaria a falta de aplicação de padrões
apropriados de biossegurança antes da pandemia. Essa negligência eleva a
possibilidade de o vírus ter emergido em algum cenário laboratorial. A
possibilidade inclui o manejo inapropriado de amostras coletadas em
animais silvestres que poderiam ter infectado técnicos de laboratório,
que depois levaram o surto para o ambiente urbano de Wuhan, na China;
com ou sem manipulação do vírus em laboratório. A linguagem do relatório
a respeito é vaga, mas deixa claro que a hipótese de origem
laboratorial no mínimo compete com a hipótese da origem zoonótica (em
animais silvestres ou domesticados, e deles para humanos).
A
referência ao vazamento laboratorial está também no primeiro item de
uma lista das principais descobertas da comissão. No item, o relatório
não pende para nenhuma das duas hipóteses, apenas as menciona e afirma
que “a identificação da origem do vírus ajudará a impedir futuras
pandemias e a reforçar a confiança do público na ciência e nas
autoridades de saúde”.
Certeza precoce
A
confiança do público foi testada nesse assunto. Como contam Matt
Ridley, biólogo e escritor britânico, e Alina Chan, especialista em
biologia molecular, em seu livro “Viral” (2021, sem edição no Brasil), a
carta publicada na Lancet que deu certeza de que o SARS-CoV-2 vinha de
animais silvestres foi articulada por Peter Daszak, diretor de uma organização não-governamental
que era intermediária de verbas entre o governo americano e o Instituto
de Virologia de Wuhan. A principal parceira de Daszak em Wuhan, que
realizava todo o trabalho em laboratório, era a virologista Shi Zhengli,
chamada de “mulher morcego” carinhosamente por trabalhar em vírus que
habitam esses mamíferos voadores.
A
equipe de Shi manipulava o organismo de camundongos para que tivessem
pulmões mais semelhantes aos humanos, e testava a capacidade de
linhagens de coronavírus de infectá-los. Além disso, em documentos antes
secretos, revelou-se que Daszak também pediu verba da Darpa, agência de
fomento de pesquisa da inteligência americana, para inserir no material
genético de um coronavírus uma estrutura molecular rara nessa família
viral e que hoje é observável no SARS-CoV-2. A verba foi negada, mas o
trabalho pode ter sido realizado em Wuhan.
Como contou o experiente jornalista de ciência Nicholas Wade em um grande artigo publicado em maio de 2021
pela Gazeta do Povo, embora não se possa bater o martelo, uma das
razões de se desconfiar da origem laboratorial é o tempo que se passou
desde o primeiro surto e a ausência de um organismo ou população animal
que seja o reservatório do vírus. Os prováveis reservatórios foram
achados muito mais rápido para outras doenças causadas por outros
coronavírus em humanos, como a gripe asiática (SARS) — em civetas,
mamíferos que se parecem com guaxinins — e a síndrome respiratória do
Oriente Médio (MERS) — em camelos. Em ambas as situações, os prováveis
“culpados” na natureza foram achados em menos de um ano.
Wade
fez pouco mais que dar sua voz experiente ao trabalho de investigadores
independentes, inclusive cientistas, que se reuniram no Twitter pela
hashtag #DRASTIC e duvidaram da narrativa oficial publicada na Lancet,
na Nature Medicine e repetida pelos burocratas de saúde mais influentes
do mundo, como Anthony Fauci, veterano dos Institutos Nacionais de Saúde
dos Estados Unidos que aconselhou tanto Trump quanto Biden na pandemia.
A Gazeta do Povo foi pioneira no Brasil ao cobrir um dos estudos
publicados por cientistas do grupo #DRASTIC e afirmar que a hipótese da
origem laboratorial deveria ser levada a sério em novembro de 2020.
Com
a virada na Lancet e uma mudança anterior de posição da Organização
Mundial da Saúde, o establishment de saúde do mundo hoje está na posição
que deveria ter tido em março de 2020: de considerar que não só animais
silvestres, mas também pesquisas com vírus perigosos podem ser a origem
de surtos. Aconteceu muitas vezes no passado, e pode ter acontecido de
novo em 2019.
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