Artigo de Joseph Pearce, traduzido para a Gazeta do Povo:
No ensaio anterior,examinei a forma pela qual três grandes poetas –
Homero, Virgílio e Dante – mergulharam na vida após a morte e a
sondaram, perguntando e instigando questões sobre o destino da alma
humana. Vimos como Homero e Virgílio percebiam os espíritos dos mortos
como menos substanciais que os seres mortais que haviam sido. Em
Odisseia e Eneida, os mortos são representados como meros contornos ou
sombras dos seus seres anteriores e a terra dos mortos como uma terra de
sombras. Dante, por sua vez, viu algo mais que sombras além do aperto
do túmulo. Somente as almas dos condenados são menos do que eram na vida
mortal, meras sombras passando pela paisagem infernal, mas as almas no
Purgatório estão se tornando mais sólidas com cada ato de penitência e,
no Paraíso, as almas são mais sólidas e reais do que eram na sua vida
mortal porque estão usufruindo agora da Presença da Própria Realidade.
C. S. Lewis era bem versado nesses três poetas, emulando-os em duas
de suas obras, "O Grande Abismo" e "A Última Batalha", em ambas somos
levados ao reino do além.
"O Grande Abismo" move-se do inferno ao purgatório, o qual é visto
como um movimento da ilusão egocêntrica para um lugar onde o ego é
forçado a enfrentar a realidade.
O inferno é representado em "O Grande Abismo" como a Cidade Cinza, um
lugar onde o orgulho recebe corda suficiente para passar a eternidade
se enforcando. Os condenados conseguem tudo o que querem apenas
imaginando-o, o que se parece com o “céu”, por isso eles não desejam
sair. O problema é que a imaginação orgulhosa está corrompida pela
perspectiva preconceituosa que ela projeta sobre a realidade. É esta
imaginação corrompida, perdida em seus delírios autocentrados e
autoimpostos, que consegue o que quer. Em consequência, o que ela quer a
torna miserável.
As almas na cidade infernal vivem um sonho que na verdade é um
pesadelo. Eles viveram na mentira por tanto tempo que são escravos dela.
Tornaram-se viciados em seu próprio egoísmo e, como todo vício, o
viciado se torna um escravo de sua droga de preferência. Ele não pode
escapar porque escapar requer enfrentar a realidade que entra em
conflito com seus desejos corrompidos.
A moral da história é que a escapada requer o auto-sacrifício que o
orgulho recusa. Uma vez que o orgulho é a liberdade de escolher a
negação do nosso sacrifício pelos outros, ele sempre resulta em escolher
a sacrificar os outros por nós. É por isso que a cidade infernal é
desprovida de amor ao próximo que é essencial para toda a comunidade; é
por isso que as almas da cidade infernal, detestando o próximo, vivem
muito distantes uma das outras num autoimposto e miserável isolamento.
Eles fizeram de sua vida um inferno e não poderia ser de outra maneira.
Na história de Lewis, a algumas almas da cidade infernal é dada a
oportunidade de fazer uma viagem de um dia para o País Brilhante sabendo
que podem ficar, se quiserem. Neste país, os espíritos são meras
sombras porque estão na presença da realidade objetiva além do
subjetivismo orgulhoso de sua imaginação. Eles são transparentes, quase
invisíveis, e a grama sob os pés é dura como o diamante e dolorosa de
atravessar. Eles são visitados por espíritos brilhantes, emanando luz,
que são pessoas que eles conheceram na vida antes da morte. Cada
espírito brilhante atrasou seu progresso montanha acima, visitando as
almas perdidas que eles haviam conhecido como um ato de penitência,
indicando que o País Brilhante é o purgatório. Se alguma das almas da
cidade decidisse ficar, a Cidade Cinza não teria sido um inferno para
elas, mas uma parte inferior do purgatório. Na caso, com uma possível
exceção, todas as almas optam por retornar "ao lar" para a monotonia de
seus próprios mundos de fantasia, rejeitando a realidade.
Quanto ao “lar” que escolheram, é tão pequeno e insubstancial quanto
elas. Pode ser encontrado numa fenda no chão do País Brilhante. É
somente uma sombra, a ausência da realidade. Ficamos sabendo que
qualquer uma das almas no purgatório é maior que o inferno inteiro e
tudo que há nele. Nenhuma alma penitente poderá jamais ser tragada pela
boca do inferno. “O inferno não pode abrir sua boca o suficiente”.
Quanto às almas dos condenados, elas se desvaneceram em invenções de sua
própria imaginação orgulhosa:
Pois uma alma danada é quase nada: está encolhida, fechada em si
mesma. O bem bate incessantemente sobre os condenados como as ondas
sonoras batem nos ouvidos dos surdos, mas eles não podem recebê-lo. Seus
punhos estão cerrados, seus dentes estão cerrados, seus olhos estão bem
fechados. Primeiro eles não vão, no final, eles não podem, abrir suas
mãos para presentes, ou sua boca para comer, ou seus olhos para ver.
Tendo feito uma viagem de advertência do inferno ao purgatório,
explorando com C. S. Lewis, o "grande divórcio" que separa um do outro,
nós iremos continuar no próximo ensaio com uma viagem alegre com Lewis
para o céu que aguarda as almas de quem escolhe amar. E então,
concluindo nosso tour literário pela vida após a morte, exploraremos o
além com J. R. R. Tolkien.
Joseph Pearce é colaborador sênior
do The Imaginative Conservative. Nascido na Inglaterra, Pearce é diretor
de publicação de livros do Instituto Augustine e autor de várias obras,
incluindo “The Quest for Shakespeare”, “Tolkien: Man and Myth”,
“Literary Converts”, “Wisdom and Innocence: A Life of G.K. Chesterton”.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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