A interação dos mais talentosos, capazes, diligentes e sortudos com os
sem talento, incapazes ou azarados resulta em benefício para todos.
Ubiratan Jorge Iorio para a Oeste:
Ele tem 49 anos, nasceu em Pretória, tem tripla nacionalidade
(sul-africana, canadense e norte-americana) e, desde 17 de agosto, é a
quarta pessoa mais rica do mundo, com patrimônio estimado, de acordo com
a Bloomberg, em US$ 95,2 bilhões. É Elon Musk, fundador, CEO e CTO da
SpaceX, CEO da Tesla Motors, vice-presidente da OpenAI, fundador e CEO
da Neuralink e cofundador e presidente da SolarCity, e sua fortuna agora
só é inferior às de Jeff Bezos, da Amazon (US$ 194 bi), Bill Gates, da
Microsoft (US$ 122 bi), e Mark Zuckerberg, do Facebook (US$ 102 bi).
Notícias assim costumam provocar coices, como o desferido em janeiro
deste ano pelos “progressistas” da Oxfam, antes da reunião anual do
Fórum Econômico Mundial, em Davos: “O 1% mais rico do mundo tem mais do
que o dobro da riqueza do resto da humanidade combinada”. Daí segue-se o
conhecido clamor para que os governos adotem políticas contra as
“desigualdades”.
O relatório da Oxfam decreta ainda — monocraticamente, para seguir
uma expressão em moda — que os impostos cobrados de pessoas ricas e
empresas com altos lucros estão muito abaixo do desejável. E prossegue
seu esperneio enchendo o peito e buscando socorro na velhíssima
recorrência de que ínfimos 2.153 bilionários possuíam, em 2019,
patrimônio maior do que a soma das riquezas de 4,6 bilhões de pessoas.
Para arrematar, Amitabh Behar, presidente da Oxfam indiana, produziu
esta pérola, extraída da profundidade das águas turvas que banham o
litoral progressista: “Nossas economias estão enchendo os bolsos de
bilionários e grandes empresas à custa de homens e mulheres comuns. Não é
de admirar que as pessoas comecem a questionar se os bilionários
deveriam existir”.
É curioso que instituições e pessoas com ideias desse tipo se digam
“caridosas”, porque a caridade, quando deixa de ser espontânea para ser
compulsória, já não é mais caridade, é extorsão. Acontece que a esquerda
sabe muito bem que precisa atacar sem cessar os ricos. Assim, sobrevive
e continua a explorar os pobres. Por isso seus pregadores enfiam na
cabeça de pessoas pouco afeitas a pensar que a existência de bilionários
é ruim e que o mundo precisa, preventivamente, livrar-se deles. São
comuns afirmativas como a de que US$ 1 bilhão (ou algum outro montante
tirado de um lápis sacado da orelha) é muito mais do que alguém
necessita, mesmo que pratique os maiores excessos na vida, e, portanto,
ninguém deve ter “direito” a tanto, não importa quanto tenha se
esforçado ou contribuído para a sociedade.
Tal postura é pretensiosa e potencialmente tirânica e resulta da
combinação nefanda entre a ausência de conhecimentos econômicos e a
inveja. Quem não sabe como a economia real funciona pode facilmente ser
levado a invejar os bem-sucedidos e quem é malsucedido costuma ser
tentado a atribuir as causas de seu fracasso à “injustiça social” e às
“desigualdades econômicas” e, portanto, mergulhar de cabeça na inveja. É
um bate e volta, em que a sede aumenta a vontade de beber e a vontade
de beber alimenta a sede.
É alarmante que membros dessa e de outras organizações que, em nome
de uma pretensa caridade, incentivam o “olho grande” não levem em conta
que a inveja, por definição, é um pecado contra a própria caridade, um
ressentimento contra a boa sorte do próximo, uma ilusão tosca de que
outros só têm êxito porque nos roubam e um vício que não se resume a
desejar o que os outros têm — algo até tolerável, desde que não deságue
em cobiça —, mas a sentir tristeza ou revolta pelo fato de outros
estarem em situação melhor e até mesmo ao extremo de sofrer com o
sucesso dos outros. O “invejoso de raiz” não se satisfaz apenas em
desejar o que os outros têm, ele quer mais, ele aspira a que os outros
não tenham.
Essa engrenagem mental progressista — a do já que eu não tenho e não
posso ter, pelo menos que os outros também passem pelo mesmo — leva
tais pessoas a não fazer nem deixar os outros fazerem, atitude que
enfeixa um coquetel de ódio, calúnia, difamação, ressentimento e outros
vícios. Não à toa, o economista Ludwig von Mises (1881-1973) escreveu
que o homem-massa não gosta de quem o supera e nutre inveja e ódio pelos
diferentes. Para Mises, o que empurra esse homem-massa para o campo
progressista, mais do que a ilusão de que o socialismo o abençoará com a
riqueza, é a expectativa de que vai infernizar a vida dos melhores do
que ele.
Quanto à ignorância econômica, começa pelo que costumo chamar de
Teorema Fundamental do Subdesenvolvimento, segundo o qual a única
explicação para a pobreza de multidões de indivíduos é a riqueza de meia
dúzia de gatos-pingados exploradores. Eis uma falácia gigantesca e
fatal que converte incontáveis ignorantes e ingênuos em marionetes de
exploradores espertos, sempre à cata de votos.
Argumentos não faltam para explicar por que é bom que existam cada
vez mais bilionários. O primeiro — óbvio desde o período rococó de Adam
Smith — é que a interação dos mais talentosos, capazes, diligentes,
sortudos ou que puderam estudar com os sem talento, incapazes,
preguiçosos, azarados ou que não tiveram acesso ao ensino resulta em
benefício para todos. Os ganhos da divisão de trabalho, sempre e em
qualquer lugar, são indiscutivelmente mútuos.
Em segundo lugar, quem garante que os empreendedores, ao conseguir
sucesso, causam pobreza para os outros? Ora bolas, é o contrário! Seu
êxito é precisamente consequência do fato de que conseguem fazer com que
os consumidores de seus produtos estejam mais bem abastecidos e
atendidos do que estariam na ausência de seu esforço e dos riscos
incorridos!
Terceiro, a quantidade de empregos diretos e indiretos gerados por
esses “ricaços” é diretamente proporcional ao seu êxito nos negócios —
justamente o que lhes possibilita acumular seus bilhões. Por exemplo, no
quarto trimestre de 2019, antes dos estragos da pandemia, a Tesla
apresentou lucro líquido de US$ 105 milhões e empregava 48.016
funcionários, o que significa, admitindo média familiar de quatro
membros, que 192.064 pessoas eram beneficiadas diretamente pelo sucesso
de Musk, sem contar fornecedores e milhões de consumidores.
Adicionalmente, é bom lembrar que a única maneira que empreendedores
têm de garantir lucros em uma economia de mercado é esforçar-se
continuamente para servir aos consumidores de modo mais eficiente do que
seus competidores, caso contrário os infalíveis procedimentos de
descoberta que caracterizam os processos de mercado os condenam ao
fracasso. Lucros (e perdas) não têm nada a ver com explorar (ou ser
explorado), pois são inteiramente determinados pelo sucesso (ou falha)
do empresário em ajustar a produção à demanda dos consumidores.
Os empregos de hoje dependem dos investimentos de ontem, ao
decorrerem necessariamente de ações passadas de empreendedores que,
antevendo oportunidades de lucro em dado mercado e utilizando capital
próprio ou tomando empréstimos de terceiros, direcionaram recursos para
lá. O que atrai investimentos, acima de tudo, é a perspectiva de lucro. É
fácil “desenhar” a conclusão: o que seria, por exemplo, dos empregos de
porteiros, pilotos de aviões, pianistas, escritores e balconistas, se
algumas pessoas “ricas” não tivessem transformado em realidade seus
projetos de edifícios, fábricas de aeronaves e companhias aéreas,
produção de pianos, editoras e lojas?
Para combater a pobreza, não é necessário brigar com a riqueza.
Proibir qualquer indivíduo de acumular patrimônio maior do que x ou de
ganhar mais do que y por mês desestimula, precisamente, as atividades
dos que atendem melhor aos desejos dos consumidores. O soberano não é o
Estado, é o consumidor. E o que merece preocupação não é o fato de
existirem, segundo o levantamento deste ano da Forbes, quase 3.000
bilionários no mundo, ou que tenha crescido o número de ricos. O que
sempre é uma péssima notícia é quando aumenta o número de pobres.
Ubiratan Jorge Iorio é doutor em
Economia (EPGE/FGV), presidente do Conselho Acadêmico do Instituto Mises
Brasil e professor associado (aposentado) da Uerj.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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