Estadão de S.Paulo
O presidente Jair Bolsonaro e os jornalistas provavelmente não estão indo a lugar nenhum com a sua guerra cada vez mais tóxica, intransigente e rancorosa – e se por ventura alguém estiver levando alguma vantagem nessa altercação, nada indica, pelo menos por enquanto, que esse alguém seja a imprensa.
Por mais agressivo que se mostre em seus repetidos surtos de agressividade verbal, Bolsonaro não vai fazer os jornalistas mudarem; continuará sendo maciçamente detestado por todos eles, ou quase todos, hoje, amanhã e sempre. Os jornalistas, por seu lado, podem ficar mais e mais indignados, mas não vão tirar um ato de contrição do presidente – e, pelo jeito como estão indo as coisas, nenhum dos seus eleitores.
ESTÁ NO LUCRO? – Bolsonaro, ao que parece, acredita que, descontando o que perde e somando o que ganha no bate-boca permanente com a mídia, pode até agora estar no lucro. Quando mais apanha, mais apoio ele acha que ganha da maioria do público – e, por isso mesmo, vive criando oportunidades de irritar os jornalistas e garantir que o seu nome não saia das manchetes.
O presidente dá a impressão de ter chegado a uma conclusão básica: em seus ataques das mais diversas naturezas contra ele, os jornalistas estão falando para si próprios.
Seria mais ou menos como no movimento de grupos indígenas que cobram a demarcação de mais terras e denunciam o governo: fazem um sucesso danado em Berlim ou Paris, mas no Brasil mesmo, que é onde as coisas se decidem, ninguém quer realmente saber deles.
PROCURAR OS DEFEITOS – Bolsonaro não é um ET – como todo homem político, pode ter defeitos na conduta, no caráter e nas ideias. Mas é preciso, então, procurar quais são exatamente esses defeitos, com base em fatos objetivos, e expor cada um deles ao público.
O problema, para a mídia, está em condenar o presidente por vícios que não tem e por erros que não cometeu; aí quem sai ganhando é ele. Bolsonaro é acusado frequentemente, por exemplo, de ser racista – mesmo quando denuncia o racismo, dizem que é fingimento. Mas ele não é racista, assim como não é a maioria das coisas pelas quais vive sendo denunciado.
Resultado: quanto mais ataques deste tipo ele recebe da imprensa, mais acaba aparecendo como um santo inocente caluniado por seus inimigos.
MÍDIA EM TRANSE – Os jornalistas, da maneira como têm se comportado nessa história toda, são o adversário que um político pode pedir a Deus.
A mídia brasileira, tal como ela é percebida hoje pelo público, parece estar vivendo numa espécie de transe. Ainda há pouco um jornalista escreveu: “Eu quero que o presidente morra”. Que impressão uma coisa dessas pode causar no cidadão comum? Não é normal – e, obviamente, não convence ninguém a ficar contra Bolsonaro.
O último desvario desse tipo ficou por conta de uma apresentadora de televisão que afirmou, no ar, ao noticiar um evento do governo chamado “Vencendo a covid-19”, que “nem Bolsonaro nem as autoridades presentes prestaram solidariedade às vítimas”. Mas todo mundo pôde ver e ouvir que a médica Raissa Oliveira Azevedo de Melo Soares, uma das participantes da cerimônia, pediu um minuto de silêncio em homenagem aos 115 mil mortos na epidemia – e que todos os presentes atenderam ao seu apelo.
NEGATIVA INÚTIL – Negar um fato que pode ser provado com som e imagem não é apenas errado. É incompreensível. Não dá para dizer que a notícia está correta porque a médica não é uma “autoridade”; se for para usar esse argumento, é melhor ficar quieto.
Também não dá para apagar o que a apresentadora falou na televisão. A questão que fica é uma só: a notícia é verdadeira ou falsa? Como não é verdadeira, só pode ser falsa. Fica difícil ganhar uma guerra desse jeito.
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