Os 40 "pequenos burgueses capitalistas" que fecharam as suas lojas em
protesto contra o Avante deram uma bela chapada de luva branca ao PCP.
Recusam aquilo que os comunistas querem: dinheiro. Luís Rosa para o Observador:
1 Álvaro Cunhal publicou um artigo em 1974 intitulado “A
Superioridade Moral dos Comunistas” (1) que ainda hoje serve para
catequizar jovens ingénuos à causa do Partido Comunista Português (PCP).
Dizia Cunhal que o comportamento moral da grande burguesia capitalista
se caracterizava pelo “individualismo e egoísmo ferozes”, “indiferença
pela sorte dos seres humanos”, “rapacidade, venalidade” e “completa
falta de escrúpulos”. Já os comunistas, pelo contrário, distinguem-se
pelos seus elevados princípios morais, sendo que o internacionalismo
proletário “é fonte criadora de (…) atitudes de generosidade, de
coletivismo, de fraternidade entre os trabalhadores” em busca de “um
mundo de justiça social e de aperfeiçoamento humano”.
Como sabemos, estas são palavras vãs, destituídas de qualquer
fundamento e profundamente hipócritas quando constatamos todo o mal que o
comunismo espalhou pelo mundo. Por onde andou o comunismo, grassou a
ditadura, a guerra, a pobreza e o exercício do poder por uma casta de
dirigentes dos partidos irmãos gémeos do PCP que se julgavam tão
superiores aos seus concidadãos que deixavam aqueles que lhes faziam
frente no Gulag ou em valas comuns assassinados a sangue frio. ‘Pequenos
erros’ de quem não soube aplicar as ideias superiores de Marx e de
Lenine, dizem os comunistas portugueses — que ainda hoje apoiam com
venda nos olhos, os dentes cerrados e o cérebro vazio regimes ignóbeis
como o da Coreia do Norte (ironicamente, uma monarquia comunista).
Mas não é por questões históricas que fui buscar o artigo de Álvaro
Cunhal. É pelo presente e pela insistência do PCP na organização da
Festa do Avante contra tudo e contra todos — contra o bom senso e a
inteligência dos portugueses e contra uma noção básica de saúde pública.
Na prática, a persistência do PCP, com uma vitimização ridícula à
mistura, só revela a inferioridade moral dos comunistas.
2 Pegando no ângulo de Álvaro Cunhal, é imoral organizar a
Festa do Avante quando podemos estar às portas de uma segunda vaga, é
imoral arriscar a saúde de cerca de 33 mil pessoas (o limite que a
Direção-Geral de Saúde inexplicavelmente impôs como lotação máxima) e é
desprezível desafiar a sorte quando a consequência pode vir a ser um
surto com origem na Quinta da Atalaia que se pode espalhar rapidamente
pelo país — atendendo que virão militantes comunistas de todas as idades
e de todas as regiões do país.
Para um partido que professa a igualdade como dogma para acabar com
as classes sociais, a pobreza e a injustiça, é claramente hipócrita
querer regras especiais para os seus próprios militantes quando aos
restantes portugueses são impostas todas as restrições possíveis e
imaginárias. Pior: o PCP exige sem pudor ter um tratamento de favor por
parte da Direção-Geral de Saúde, argumentando que a Festa do Avante é um
encontro político, logo não pode ser proibido nem limitado.
3 A questão é precisamente essa: ao contrário do que os
comunistas querem fazer crer, tomando os portugueses como parvos, a
Festa do Avante é um festival de música, de gastronomia, de vinhos, de
artesanato. Ora, todos os festivais de música foram suspensos por ordem
do Governo e as festas e feiras que se costumam realizar em Agosto foram
desmarcadas.
Nenhum problema existiria se o PCP insistisse em fazer apenas um
comício no palco central da Festa do Avante, sem público e apenas com o
Comité Central presente e a respeitar as regras do distanciamento
social. Especialistas em coreografias desde sempre, certamente que os
comunistas conseguiriam organizar um momento impactante.
É verdade que a autorização do 1.º de Maio por parte da DGS torna
mais difícil tomar uma decisão de rutura em nome de saúde pública mas
não é menos certo afirmar que existe uma benevolência geral em relação
ao PCP. Uma benevolência que tem raízes históricas e que tem subjacente a
ideia de que os portugueses de todas as idades têm uma dívida para com
os comunistas pela luta contra a ditadura.
Ora, eu não tenho nenhuma dívida de gratidão para com os comunistas. E
não tenho, em primeiro lugar, porque o PCP queria derrubar a ditadura
do Estado Novo para impor uma nova ditadura comunista — como a URSS fez
em toda a Europa de Leste e um pouco por todo o mundo. Pensar que o PCP é
diferente dos restantes partidos comunistas é a mesma coisa que pensar
que o Pai Natal existe.
Se existir um surto com origem na Quinta da Atalaia, os cidadãos não
exigirão menos do que uma investigação criminal aos dirigentes do PCP
que permitiram as festividades. Sendo que, no campo estritamente
político, Marcelo Rebelo de Sousa e António Costa não escaparão ao
escrutínio. Autorizaram o 1.º de Maio e têm estado a falar baixinho
quando deviam opor-se terminantemente à organização do Avante, de forma a
influenciar a DGS a agir.
4 Porque é que os comunistas insistem tanto na realização do
Avante? A resposta é simples: porque precisam das receitas que a Festa
do Avante lhe propicia.
Tal como tantas vezes no passado, os comunistas são profundamente
hipócritas. Querem destruir o capitalismo, mas é a partir da maximização
do lucro na Festa do Avante que angariam fundos para o resto do ano.
Por exemplo, as contas anuais de 2017 revelam
que aquele evento permitiu angariar cerca de 900 mil euros nos bilhetes
para a entrada (as famosas EP) e mais de 1,2 milhões de euros. São
cerca de 2,1 milhões de euros que são pagos sem emissão de fatura
(porque a Festa do Avante é um evento político logo não paga IVA nem o
PCP paga IRC), nem qualquer outro suporte documental que permita à
Entidade das Contas e Financiamentos Políticos fazer o seu trabalho de
fiscalização.
As receitas da Festa do Avante representam 91,2% das angariações de
fundos do PCP mas a entidade fiscalizadora dos partidos políticos não
tem forma de confirmar se tudo respeita a lei. Basta ler esta reportagem da revista Sábado para perceber a informalidade da Festa do Avante.
O mais extraordinário é que a benevolência que referi há pouco
permite mesmo ao PCP financiar-se à custa de ‘dinheiro vivo’. Lembram-se
das malas de dinheiro que existiram na política portuguesa para
financiar o PS, PSD e CDS — os reacionários e os porcos capitalistas, na
ótica dos comunistas puros? Pois bem, a Festa do Avante é uma
gigantesca ‘mala de dinheiro vivo’ que são entregues de forma anónima
para que nada fique registado.
Imagine que os cerca de 30 mil espetadores da Festa do Avante doa 5
euros cada um — isso dá um total de 150 mil euros. Se forem 100 mil
espetadores, dará meio milhão de euros. Agora, imagine um saco do lixo
preto com meio milhão de euros lá dentro — essa é a receita em cash do
PCP.
5 E guardo o melhor para o fim. Que grande chapada de luva branca
deram os mais de 40 comerciantes da Amora que vão fechar as portas
entre a próxima 6.ª feira e o domingo face ao perigo sanitário que a
Festa do Avante representa! Merecem o meu aplauso de pé porque preferem
preservar a sua saúde e a dos seus concidadãos (mesmo a dos comunistas),
em vez de ganharem receitas que tanta falta fazem. Como dizia a
dinamizadora desse protesto, Maria Carvalho, à Rádio Observador, o PCP
quer ter o privilégio de ter regras que estão vedadas aos restantes
portugueses. Se os cidadãos da Área Metropolitana de Lisboa têm fortes
restrições para se reunir, comer, beber e festejar em família e com
amigos, já os camaradas comunistas querem ter fugir a isso, como se
tivessem mais direitos do que o cidadão comum.
Regressando a Álvaro Cunhal. Dizia o líder histórico do PCP que o
“oportunismo de esquerda, designadamente o sectarismo, conduz ao
desprezo efetivo pelas massas e ao afrouxamento da solidariedade”. A
realização da Festa do Avante é um bom exemplo de “oportunismo” e
“sectarismo”. Talvez seja recomendável aos comunistas que leiam mais
vezes Cunhal.
São os comerciantes da Amora, os “pequenos burgueses capitalistas”
(classificação oficial do PCP), que demonstram claramente a
inferioridade moral dos comunistas portugueses — uma cada vez mais
reduzida seita que caminha sem honra nem glória para a extinção.
(1) O texto original foi publicado
revista Problemas da Paz e do Socialismo, n.° l, Janeiro de 1974,
Edições «Avante!», 1974, sendo mais tarde editado em livro com o mesmo
título.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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