Todo poder, num Estado Democrático de Direito, anda ao lado de uma série
de deveres, notadamente os deveres de preservação do interesse público e
da vedação de retrocessos. Artigo de Roberson Pozzobon, procurador da
Lava-Jato, publicado pela Gazeta:
O procurador-geral da República, Augusto Aras, decidirá até 9 de
setembro se os trabalhos da Lava Jato no Paraná continuam. Desde 2014 a
força-tarefa foi prorrogada várias vezes, por procuradores-gerais
nomeados por governos diferentes. A cada renovação, houve o desvelamento
de grandes esquemas de corrupção, a responsabilização de mais agentes
criminosos poderosos e a recuperação adicional de bilhões desviados, o
que justifica a manutenção da equipe em trabalho concentrado.
Por outro lado, os críticos do modelo de forças-tarefa e aqueles que
querem seu fim, especialmente o fim da Lava Jato, recorrem a alguns
argumentos: 1. elas seriam muito grandes; 2. os custos seriam altos; 3.
falta institucionalidade; 4. incompatibilidade com o perfil
constitucional do MP; 5. visibilidade excessiva; 6. prática de excessos e
7. elas não têm fim.
Tais argumentos não procedem. A força-tarefa da Lava Jato começou em
2014 com um equipe enxuta e, desde então, para tentar dar conta do
incremento de 1.280% no volume de trabalho, teve sua força de trabalho
ampliada em 114%. A estruturação de equipes de esforço concentrado em
busca de maior eficiência na prestação de serviços públicos não é um
fator a ser “corrigido”, mas sim a ser difundido. O tamanho das
forças-tarefa, assim como de suas bases de dados, apenas reflete a
dimensão do trabalho realizado e a realizar. Não se enfrentam grandes
casos de corrupção com um exército de um procurador só.
Argumenta-se também que o custo da força-tarefa seria alto demais,
pois o deslocamento de seus integrantes para atuar em regime de
exclusividade geraria gastos adicionais em suas unidades de origem. Ora,
apenas a Lava Jato em Curitiba já fez acordos de recuperação de mais de
R$ 14,6 bilhões aos cofres públicos, sendo que R$ 4,3 bilhões já foram
efetivamente devolvidos para as vítimas. Se a qualidade de um
investimento é medida por seus retornos, é possível dizer que a
manutenção da força-tarefa da Lava Jato continua sendo um ótimo
investimento do MPF para a sociedade brasileira.
As alegações de falta de institucionalidade e incompatibilidade com o
perfil constitucional do Ministério Público também não prosperam. Fruto
de longo amadurecimento institucional, a força-tarefa da Lava Jato foi
constituída pela cúpula do MPF de acordo com a visão estabelecida no
planejamento estratégico que orientou a instituição na década de
2011-2020, qual seja, “até 2020, ser reconhecido, nacional e
internacionalmente, pela excelência na promoção da justiça, da cidadania
e no combate ao crime e à corrupção”.
O emprego de forças-tarefa para o enfrentamento de grandes casos de
corrupção não é uma jabuticaba, mas experiência consagrada em todo o
mundo. Apostas no mesmo sentido também foram feitas pela Polícia Federal
e pela Receita Federal. E foi pelo trabalho de equipes assim formadas
que a Lava Jato deixou de ser uma grande investigação de doleiros com
atuação transnacional para desvelar o maior esquema de corrupção já
comprovado na história do Brasil.
O planejamento estratégico do MPF também afasta a crítica de
visibilidade excessiva das forças-tarefa anticorrupção. Forças-tarefa do
MP são, antes de tudo, Ministério Público. O trabalho delas, que chamou
a atenção da comunidade nacional e internacional por desafiar a
tradicional curva de impunidade de poderosos no Brasil, colabora
intensamente para a concretização da meta do Ministério Público, traçada
em seu planejamento estratégico, de alcançar excelência no combate à
corrupção. A visibilidade, que é consequência da relevância e êxito dos
trabalhos, engrandece a instituição.
Embora alguns defendam que houve “excessos” na condução da operação,
eventuais equívocos devem ser corrigidos pelo Judiciário e alegações de
abusos, avaliadas pelas Corregedorias. A existência de divergências na
interpretação e aplicação das normas jurídicas é algo absolutamente
normal no Direito, que não é uma ciência exata. Não obstante isso, os
atos tomados e decisões proferidas na Lava Jato têm um altíssimo índice
de confirmação no Judiciário, o que, mais uma vez, indica que se trata
de um trabalho que busca acertar, tem acertado em grande medida e merece
prosperar.
Isso, naturalmente, não quer dizer que não haja aprimoramentos a
serem feitos no modelo de atuação. As forças-tarefa inovaram em várias
áreas e, justamente por isso, práticas podem ser melhoradas. A criação
de um órgão anticorrupção nacional, perene e independente, por exemplo,
pode consolidar e aperfeiçoar as boas experiências locais até o momento.
Em relação ao último argumento para o encerramento de forças-tarefas
no MPF – o de que elas não teriam fim –, parece mais a externalização da
vontade de alguns que uma crítica propriamente dita. Seria admissível
acabar precocemente ou desestruturar, do dia para a noite, forças-tarefa
anticorrupção que estão em pleno desenvolvimento simplesmente porque
elas, na exata dimensão de seus trabalhos, “já duram demais”? A resposta
é não. Todo poder num Estado Democrático de Direito anda ao lado de uma
série de deveres, notadamente os deveres de preservação do interesse
público e da vedação de retrocessos.
Se em 2014 investir em forças-tarefa no MPF talvez representasse uma
opção de risco pela escassez de precedentes, hoje, principalmente por
todos os resultados alcançados para a sociedade, não remanesce qualquer
dúvida de que se trata de um investimento fundamental para possibilitar o
combate à corrupção e à impunidade de modo eficiente.
Um gênio disse uma vez que “insanidade é fazer sempre a mesma coisa
várias e várias vezes esperando obter um resultado diferente”. Pois é
igualmente insano fazer diferente, obter resultados extraordinários e
logo em seguida retroceder.
Roberson Pozzobon, procurador da República, é membro da força-tarefa da Lava Jato no Ministério Público Federal em Curitiba.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
Nenhum comentário:
Postar um comentário