As redes sociais são seu braço 'científico' e apresentam uma eficácia
jamais vista por censores de eras anteriores. Coluna de Luiz Felipe
Pondé para a FSP:
O marketing é a nova forma de censura. Essa função já foi da
religião, de Estados totalitários, de castas sanguíneas. Hoje, o
marketing, que já é a ciência primeira no ordenamento de conteúdo do
mundo, exerce a função de censura social, política e de mercado. As
redes sociais são seu braço “científico” e apresentam uma eficácia
jamais vista por censores de eras anteriores. Qual órgão de censura teve
em mãos tamanha métrica do que deve ou não seguir existindo?
A tão falada liberdade de expressão, na própria mídia, logo será
esmagada pelas preferências dos seguidores que implicam patrocinadores e
fidelização de consumidores. Liberdade de expressão cada vez mais se
revelará um fetiche do espaço público. O que importa são as pesquisas de
opinião. Sua majestade, o consumidor, decide conteúdos, edições, feiras
literárias, e também o próprio futuro do pensamento público.
Ao lado das quantidades aparentadas aos rebanhos (quantidades essas
medidas em compartilhamentos e número de seguidores), os grupos e
pessoas de alto impacto (sua majestade, o YouTuber), nesses mesmos
rebanhos, decidirão quem ganhará patrocínio, quem manterá o emprego,
quem perderá o espaço de trabalho e quem será bacana ou cancelado.
O segmento das escolas é um dos mais devastados pela censura do
marketing. Tendo seu mercado a cada dia mais reduzido (só tem mais de um
filho quem não tem outra opção de vida) e, portanto, tendo de competir
de forma cada vez mais violenta, as escolas, cujo epicentro pedagógico
hoje é a economia da autoestima, devem prometer e entregar aos pais
alunos cada vez mais infantilizados.
Na fúria por fidelizar os pais, seus clientes, as escolas proíbem
qualquer reflexão que não seja um reforço a favor da transformação das
escolas em usinas de autoestima. Os pais esperam que as escolas farão
(on-line e off-line) de seus filhos engenheiros de IA (inteligência
artificial), abraçadores de árvores e defensores de causas bacanas,
apesar de os levar ao psiquiatra a partir dos 5 anos de idade.
A conhecida literatura de autoajuda e motivacional “evoluiu” em
paradigma de visão de mundo e de conteúdo, constituindo-se em marketing
de comportamento: só se deve pensar aquilo que faz todo mundo se sentir
bem. No mundo corporativo, isso já é fato há muito tempo: só se deve
falar aquilo que faz os colaboradores se sentirem legais, apesar de, a
cada palestra sobre inovação, as pessoas com mais de 40 anos já saberem
que têm os dias contados. Se a “nota de corte” antes era 50 anos, agora é
40 e logo será 30. O caráter repressivo do marketing vem empacotado
para presente. Envolto numa linguagem empática, descolada e “milênia”,
sua natureza não está muito distante da velha política de pão e circo.
O caráter repressor do marketing avança no seu processo de censura,
atingindo níveis sofisticados que tocam mesmo o debate público acerca do
“mercado epistêmico”. As políticas identitárias são uma das suas formas
mais “belas”. Em breve, pessoas de identidade X serão demitidas para
que pessoas de identidade Y assumam suas funções. O próprio conceito de
“lugar de fala” visa, mesmo que ainda de forma velada, o marketing como
instrumento de censura. “Lugar de fala” é, na forma de mercadoria, nada
mais do que a luta por reserva de mercado.
As universidades são as primeiras a cair sob a censura do marketing
identitário e as redações as seguirão em massa. Quem em sã consciência
encara um debate público hoje acerca das políticas de identidade sem que
corra o sério risco de perder empregos, seguidores ou patrocínios? E
ainda corre o risco de ser, de forma mau caráter, enquadrado como um
boçal bolsominion.
Esquerda e direita hoje são fruto do capitalismo como a Coca-Cola e o
iPhone. A direita garante o mercado dos psicopatas, ressentidos que não
comem ninguém, e a esquerda avança para ampliar seu “lugar de fala” na
bolsa de valores. O debate público logo será totalmente escravo do
tráfego positivo ou negativo das redes sociais. A censura do marketing
será plena. Talvez, finalmente, tenhamos chegado ao fim da história.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
Nenhum comentário:
Postar um comentário