A julgar por tudo que Mendes e Lewandowski já afirmaram, e considerando
todo o seu histórico de votos em casos da Lava Jato, será surpreendente
se a sentença de Lula não for também anulada. Editorial da Gazeta do Povo - no ponto:
A demolição do bom combate à corrupção segue a todo vapor no Supremo
Tribunal Federal, cuja Segunda Turma tomou uma decisão relativa ao caso
Banestado que permite prever com muita certeza o que virá quando a mesma
turma analisar vários julgamentos da Lava Jato. Graças a um empate em 2
a 2, a condenação do doleiro Paulo Roberto Krug pelo então juiz Sergio
Moro foi anulada. Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski, para a surpresa
de absolutamente ninguém, deram os votos que consagraram a impunidade,
beneficiando o réu com o empate – do outro lado ficaram Edson Fachin,
relator do caso, e Cármen Lúcia; o decano, Celso de Mello, está em
licença médica.
Mendes e Lewandowski consideraram que Moro extrapolou suas funções de
julgador e atuou como “assistente da acusação”, ajudando na produção de
provas e anexando documentos aos autos por iniciativa própria. Durante a
celebração de acordos de delação premiada, Moro tomou o depoimento dos
colaboradores, incluindo o também doleiro Alberto Youssef, o que os
ministros consideraram como participação na “produção de provas”, já que
Moro havia feito perguntas sobre a participação de Krug no esquema. De
nada adiantou a argumentação de Edson Fachin, ao explicar que ouvir
colaboradores faz parte do trabalho do juiz durante a homologação de um
acordo e que isso não se encaixava de forma alguma nos motivos citados
no artigo 252 do Código de Processo Penal para o impedimento de um
magistrado.
Conhecimento do CPP (ou ao menos o entendimento de sua correta
aplicação), aliás, não parece ser bem o forte de Mendes e Lewandowski, e
isso já se via desde a anulação do julgamento de Aldemir Bendine, no
ano passado. Naquela ocasião, ambos ajudaram a derrubar uma condenação
em um julgamento no qual Moro havia seguido à risca os artigos do CPP
que tratam da entrega das alegações finais; agora, eles ignoram que Moro
nada mais fez que também aplicar a lei. Em seu artigo 156, II, o CPP
afirma que o juiz de ofício pode “determinar, no curso da instrução, ou
antes de proferir sentença, a realização de diligências para dirimir
dúvida sobre ponto relevante”, enquanto o artigo 234 afirma que “se o
juiz tiver notícia da existência de documento relativo a ponto relevante
da acusação ou da defesa, providenciará, independentemente de
requerimento de qualquer das partes, para sua juntada aos autos, se
possível”. Ao reconhecer que Moro agiu dentro da lei, Cármen Lúcia
afirmou: “Não vislumbro qualquer eiva ou mácula na conduta, pelo menos
nos termos aqui expressos, demonstrados, e especialmente para a
configuração de caso de impedimento”.
Mendes se propõe até mesmo a entrar na mente do juiz, afirmando que
Moro “produziu a prova para justificar a condenação que já era por ele
almejada, aparentemente” – uma palavrinha que trai toda a argumentação
anterior. Se o ministro não tem certeza da intenção de Moro, como é
possível que ele não hesite em anular os atos do magistrado, ainda que
amparados pelo Código de Processo Penal? Estão os ministros se baseando
em mera presunção não comprovada a respeito da condução do processo por
Moro? Este, sim, é o tipo de postura que não se espera de um magistrado.
Considerar Moro como um “assistente da acusação” neste episódio é
demonstrar um desconhecimento completo do significado da função do juiz.
A imparcialidade, requisito essencial na atuação do magistrado, não se
confunde com passividade completa. Também ao juiz interessa chegar à
verdade dos fatos para que ele possa bem julgar, e a legislação lhe dá
uma série de possibilidades de atuação “de ofício” (ou seja, por
iniciativa própria) para que este objetivo seja alcançado,
possibilidades essas que foram empregadas por Moro, sem se desviar do
que exige a lei. Assim entenderam também o Tribunal Regional Federal da
4.ª Região e o Superior Tribunal de Justiça, que haviam negado o recurso
de Krug e considerado legal a maneira como Moro agiu durante o
processo.
Mas o caso de Paulo Roberto Krug é apenas o aperitivo para a Segunda
Turma. Ele dá o tom para o que virá quando Gilmar Mendes liberar o
recurso do ex-presidente Lula, que também alega parcialidade da parte de
Moro no processo do tríplex do Guarujá, que rendeu ao petista sua
primeira condenação por corrupção e lavagem de dinheiro. A julgar por
tudo que Mendes e Lewandowski já afirmaram, e considerando todo o seu
histórico de votos em casos da Lava Jato, será surpreendente se a
sentença de Lula não for também anulada. E o potencial que isso tem para
colocar a perder todo o sucesso da Lava Jato é muito maior que a
confusão criada quando da anulação da condenação de Bendine. Este, sim,
será um golpe mortal no combate à corrupção.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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