Interação justa entre varejo e indústria têxtil é crucial na era da sustentabilidade e digitalização *Fernando Valente Pimentel *Camila Zelezoglo
As discussões e conclusões do encontro oferecem valiosos insights
para aprimorar a interação de nossa indústria tanto com varejistas
nacionais quanto com os compradores internacionais. É importante
ressaltar que o modelo tradicional de negócios em nosso setor
frequentemente impõe exigências excessivas aos fabricantes, incluindo
alterações de última hora em pedidos já confirmados, prazos de pagamento
muito longos, pressão constante por preços cada vez mais baixos,
ausência de compromissos duradouros e falta de planejamento
colaborativo.
Tais condições adversas geram consequências prejudiciais para todos os
envolvidos. Para a indústria, resultam em instabilidade financeira,
dificuldade no planejamento produtivo, investimentos limitados em
tecnologia e inovação e, por vezes, comprometimento dos padrões de
excelência. Os trabalhadores também são afetados. O próprio varejo sofre
com problemas de qualidade, atrasos nas entregas, alta rotatividade de
fornecedores e riscos à sua reputação.
A propósito, vale observar os dados de 2024 referentes aos prazos das
encomendas dos varejistas aos fabricantes, apresentados na Première
Vision, em novembro último, pelo Instituto Français de la Mode. O
aprovisionamento de longo prazo (seis meses ou mais antes da estação)
representou 48% do total, enquanto o médio prazo (seis meses ou menos
antes da estação) foi de 33% e o curto prazo (dentro da estação), 19%. A
criação e adoção voluntária de práticas comerciais mais equilibradas
podem melhorar o panorama da cadeia de valor, proporcionando benefícios
significativos para todos. O planejamento colaborativo emerge como
elemento crucial, abrangendo o estabelecimento conjunto de previsões de
demanda, compartilhamento transparente de informações de mercado,
definição clara de calendários de desenvolvimento e produção e
compromissos de volume consistentes e de longo prazo. A precificação
justa desempenha papel igualmente determinante, considerando os custos
reais de produção, garantindo margens adequadas para investimentos em
melhorias, chancelando o valor agregado e promovendo negociações
transparentes. Para
a indústria, esses avanços significam maior estabilidade financeira,
capacidade de investimento em inovação, desenvolvimento de produtos
diferenciados e relacionamentos comerciais duradouros. Os trabalhadores
beneficiam-se com melhores condições laborais e oportunidades mais
amplas de crescimento profissional. O varejo, por sua vez, obtém
produtos de maior qualidade, fornecedores mais comprometidos, cadeias de
suprimento mais confiáveis e melhor reputação corporativa.
A revisão dos processos interativos deve considerar as transformações
disruptivas pelas quais o setor têxtil e de confecção está passando
globalmente. A digitalização avança rapidamente, viabilizando sistemas
integrados de planejamento, plataformas colaborativas avançadas,
rastreabilidade completa da cadeia de suprimentos e métricas precisas de
desempenho. Ao mesmo tempo, a sustentabilidade impõe-se como imperativo
estratégico. Fibras regeneradas, tecnologias de reciclagem mecânica e
química, além de novas regulamentações ambientais, estão inaugurando uma
nova era para nossa atividade. Nesse
cenário dinâmico, a construção de relações comerciais mais equilibradas
entre varejo e indústria têxtil não representa apenas uma questão
ética, mas uma necessidade estratégica para a sustentabilidade do setor.
A adoção proativa de melhores práticas comerciais pode criar um círculo
virtuoso benéfico para toda a cadeia produtiva, desde os trabalhadores
nas fábricas até o consumidor final. O
Brasil detém condições singulares para liderar esse movimento
transformador, por contar com todos os elos da cadeia produtiva e
distributiva integrados em seu território. As empresas que encabeçarem
as mudanças contribuirão para que o setor seja mais sustentável e se
destacarão, pois se posicionarão competitivamente em um mercado cada vez
mais consciente e exigente. O
estabelecimento de modelos comerciais mais justos representa um
investimento estratégico no futuro do setor, criando alicerces sólidos
para inovação, crescimento sustentável e relações comerciais duradouras.
À medida que mais empresas adotem voluntariamente essas práticas, será
consolidado um novo paradigma de mercado, demonstrando ser possível
harmonizar sucesso comercial e econômico com responsabilidade social e
sustentabilidade ambiental. *Fernando Valente Pimentel é diretor-superintendente e presidente emérito da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit). *Camila Zelezoglo é gerente de Sustentabilidade e Inovação da Abit. |
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