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Clair Maria Hickmann – Presidente do IJF
Carlos Eduardo Mantovani – Diretor do IJF
No
debate sobre a tributação das grandes fortunas e rendas no Brasil,
surgem, frequentemente, mitos e pretextos utilizados pelos que querem
manter os privilégios. Revelam desconhecimento dos efeitos positivos que
a cobrança desses impostos geraria para o país. Entre esse mitos estão a
fuga de capitais dos países tributadores, a hipotética redução de
empregos ou a suposta alta carga de impostos no Brasil, argumentos
refutados por estudos, pesquisas e análises demonstradas neste artigo.
Mito
1: Se aumentar os impostos sobre a renda e riqueza, o capital fugirá do
país - os ricos vão transferir suas fortunas para outro lugar
A
ameaça de fuga de capital dos mais ricos, frequentemente invocada por
alguns super-ricos e pelos grandes meios de comunicação, não passa de um
mito.
Na
verdade, o comportamento do investidor depende de um conjunto mais
amplo de variáveis que influenciam os padrões de risco e retorno
na economia, entre as quais destacam-se a estabilidade econômica e
política, segurança jurídica, tamanho do mercado consumidor e a
perspectiva de crescimento da economia. Estes fatores são mais
relevantes e pesam muito mais que os níveis de impostos quando se trata
de decisão sobre mudança de país ou de investimento.
Afinal,
que nível de taxação faria um empresário deixar um mercado de mais de
duzentos milhões de consumidores? E ir para onde: países da OCDE[1] em
geral tem tributação maior que a brasileira. Ir para países
periféricos, de mercado consumidor bem menor? E como deslocar os grandes
patrimônios físicos, as instalações, fazendas? Como enviar mais
dinheiro a paraísos fiscais do que já o fazem, por meio de planejamentos
tributários internacionais abusivos hoje já utilizados em larga escala?
Estudo recente da Tax Justice Network[2]
indica que o número de indivíduos que deixam o país devido ao aumento
dos impostos foi insignificante em reformas realizadas em diversos
países. De acordo com a TJN, estudos estimam probabilidades de migração
extremamente baixas após a implementação de impostos sobre os
super-ricos em diversos contextos.
Um
dos estudos até descarta explicitamente a possibilidade de um efeito de
migração superior a 3,2% dos indivíduos afetados. No caso da Suécia, a
emigração foi maior após o aumento de impostos. No entanto, os
pesquisadores também documentam que o nível global destes fluxos
migratórios é muito pequeno, com taxas anuais de migração líquida
inferiores a 0,01%.
Divulgações
recentes que sugerem que os ricos estão fugindo da Noruega devido a
aumentos nos impostos sobre a riqueza foram exagerados e enganosos: dos
236 mil milionários e bilionários da Noruega, apenas 30 indivíduos se
mudaram, 0,01% da população milionária e bilionária do país. A receita
perdida com essas saídas constitui uma pequena percentagem da receita
global obtida com o aumento de impostos, constatam os pesquisadores.
O
estudo da TJN, acima mencionado, indica que, embora exista um pequeno
risco de pessoas ricas se mudarem após a implementação de um imposto
sobre as grandes fortunas, esse risco parece ser bastante baixo e,
portanto, não deve ser uma grande preocupação ao se promulgar tal
imposto.
A
pesquisa sugere que, para minimizar o risco de indivíduos ricos mudarem
para outro país, os impostos sobre o patrimônio líquido poderiam ser
aplicados aos cidadãos que residiram no país nos últimos x anos. Esta
abordagem reduziria os incentivos para deixar o país após a
implementação de um imposto sobre a riqueza e atenuaria as consequências
negativas para as receitas fiscais, caso os sujeitos passivos ainda
decidam migrar.
É um mito, portanto, que o capital vai fugir, defendido por aqueles que querem manter privilégios.
Mito 2: Os impostos sobre as grandes rendas e riquezas prejudicam a economia e os negócios e podem causar perdas de empregos
Há
pessoas que dizem que a riqueza que elas acumulam faz bem para o
restante da sociedade e que, se forem tributadas, terão menos recursos
para investir e, por isso, vão gerar menos empregos. Ao contrário do que
conta este mito, a experiência tem mostrado que países que distribuem
melhor a riqueza, taxando mais o patrimônio, têm melhor desempenho
econômico e maior nível de bem-estar social.
Estudos
acadêmicos indicam que, na verdade, um imposto sobre a riqueza
incentiva o investimento produtivo. Para a economia ser mais dinâmica e
promover o crescimento, é necessário redirecionar recursos financeiros
para a economia “real” e incentivar investimentos que geram bens
tangíveis. Caso isso não aconteça, o capital fica congelado e não
circula, gerando renda financeira ou acúmulo patrimonial, beneficiando
apenas os super-ricos e aumentando a concentração de riqueza. Dessa
forma, a tributação justa da riqueza pode criar um ambiente econômico
mais saudável, o que beneficia os trabalhadores por promover a criação
de empregos e aumentar a procura de bens e serviços.
Os
últimos 50 anos assistiram a um declínio dramático na taxação dos mais
ricos e o resultado foi mais desigualdade e nenhum efeito significativo
no crescimento econômico ou emprego[3], desmontando a ideia econômica de que os cortes de impostos para os ricos "escorrem" (o chamado “trickle-down”) para melhorar o desempenho econômico em geral.
A
maior tributação sobre a renda e a riqueza na história econômica
ocorreu no período entre e pós-guerras do século XX, e foi justamente
nesse período que houve o maior florescimento econômico na Europa e nos
Estados Unidos, chamados anos milagrosos ou anos de ouro do capitalismo.
É
o contrário, portanto, do que diz o mito. Os impostos sobre as grandes
rendas e fortunas melhoram a economia e os negócios, além de aumentar os
empregos.
Mito 3: A carga tributária já é muito alta no Brasil
Outro
mito que se ouve com certa frequência, quando se fala em tributar as
grandes fortunas e rendas, é que a carga tributária já é muito elevada
no Brasil. Este é mais um pretexto utilizado por aqueles que querem
manter o privilégio. Para os super-ricos, a carga tributária brasileira é
muito baixa e bem menor que a carga suportada pelos trabalhadores. Há
diversos estudos e dados que comprovam isso.
Na
tributação da renda, o rendimento do trabalho é submetido a alíquotas
progressivas maiores que o rendimento dos super-ricos, o que significa
que os salários mais elevados suportam uma carga proporcionalmente
maior. O mesmo princípio não tem sido aplicado aos rendimentos do
capital, uma vez que a maior parte desta renda não é tributada – lucros e
dividendos – ou é tributada, muitas vezes, a alíquotas fixas e
inferiores às taxas aplicadas ao rendimento do trabalho para faixas de
rendimentos semelhantes. Por isso, a alíquota efetiva do Imposto de
Renda das Pessoas Físicas é progressiva apenas até uma determinada faixa
de renda.
Em
2021, por exemplo, a alíquota efetiva apresentou uma elevação
progressiva somente para aqueles com rendimentos até 21 salários-mínimos
por mês (R$ 23.238,67), chegando a 12,78%. A partir desta faixa a
alíquota efetiva começa a cair, alcançando a alíquota efetiva de 5,76%
para quem está no topo da renda.
Como
a renda dos super-ricos decorre principalmente do capital, este sistema
favorece os indivíduos mais ricos acima dos contribuintes médios, que
auferem o seu rendimento do emprego. Além disso, os ganhos de capital
são tributados somente quando realizados, isto é, quando
disponibilizados ou recebidos (exemplo: no momento da distribuição dos
lucros aos sócios e/ou no resgate dos títulos de capitalização), e os
super-ricos muitas vezes não precisam realizar esses ganhos, o que lhes
permite adiar a tributação por muitos anos, aumentando ainda mais as
suas fortunas sem serem tributados sobre este crescimento. E ainda, os
super-ricos têm inúmeras oportunidades de explorar várias lacunas e
isenções, incluindo a ocultação de riqueza em paraísos fiscais ou se
valendo de diferimentos (adiamento) de tributos em fundos de
investimentos em participações, como a lei permite no Brasil.
Consequentemente,
as pessoas muito ricas pagam frequentemente uma proporção menor de
imposto de renda, em comparação com as famílias de baixos rendimentos.
Por exemplo, as informações da DIRPF de 2022 realçaram, mais uma vez, o
aumento das parcelas derenda isenta e de tributação exclusiva de acordo
comos estratos de renda mais altos: os 0,1% do topo têm 69,3% de seus
rendimentos isentos, e 25,4% são tributados exclusivamente na fonte,
enquanto a renda tributável respondeu por apenas 6,0% da renda total, de
acordo com o relatório da RFB[4].
Portanto, o mito de que a carga tributária já é muito alta pode valer para os pobres, mas não para os super-ricos.
[1]Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, que reúne 38 países entre as maiores economias do mundo.
[2] TJN - https://taxjustice.net/reports/taxing-extreme-wealth-what-countries-around-the-world-could-gain-from-progressive-wealth-taxes/ Pagina visitada em 25 de agosto de 2024.
[3]Hope, David; Limberg, Julian. OxfordSocio-Economic Review, Vol.20:economic consequences of major tax cuts for the rich | Socio-Economic Review | Oxford Academic (oup.com)Página visitada em 04 de setembro de 2024.
[4]https://www.gov.br/fazenda/pt-br/central-de-conteudo/publicacoes/conjuntura-economica/estudos-economicos/2023/relatorio-irpf.pdf/view. Página visitada em 05 de setembro de 2024.
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