Fernando Valente Pimentel*
Não
é novidade constatar que os níveis de competitividade da indústria
nacional encontram-se aquém daqueles necessários à sua inserção robusta
nos mercados globais e que perdeu o posto de principal motor do
crescimento sustentado. Porém, algumas análises não se aprofundam nas
causas reais dessa condição de relativa estagnação setorial. A primeira
ponderação a ser feita é que a perda de competitividade do setor não se
deve a deficiências intrínsecas às empresas. É preciso considerar a
formação dos custos dos produtos industriais e a rentabilidade efetiva
da atividade, variáveis essenciais para cálculos de decisão econômica.
O
setor, como os demais, enfrenta muitas barreiras: brutal tributação
inserida nas cadeias de valor; elevados custos nos contratos e distratos
trabalhistas; ônus da previdência social mais cara do planeta; e
insegurança jurídica. Porém, é apenado de modo mais específico por
outros fatores relevantes: impostos ainda maiores do que os das outras
atividades; enorme dificuldade de acesso ao crédito com taxas razoáveis;
longos ciclos de políticas macro com juros punitivos e câmbio apreciado
(não competitivo); e concorrência desleal permitida a mercadorias
similares importadas, como as que hoje são vendidas com privilégios
tributários pelas plataformas de e-commerce, em ostensiva desigualdade frente aos produtos made in Brasil.
Há, ainda, a falsificação, o contrabando e o descaminho, que provocam dumping
dos preços no mercado interno, em claro desrespeito à segurança e à
boa-fé dos consumidores. Segundo o Fórum Nacional Contra a Pirataria e a
Ilegalidade, esses ilícitos provocaram, só em 2023, perdas de R$ 302
bilhões sobre 15 setores produtivos, a grande maioria na área
industrial, além de uma evasão fiscal de R$ 139 bilhões.
O
“Custo Brasil” é estimado como monstruosa sobrecarga anual de R$ 1,7
trilhão em relação à média dos países da OCDE. Se incluíssemos a China
na conta, a diferença seria ainda maior. Assim, é prioritária a agenda
para diminui-lo, na qual cabe concluir uma reforma tributária que, de
fato, reduza o peso dos impostos sobre o valor adicionado e não só o
mantenha, como se pretende. Também urge conter a expansão doentia da
despesa pública, que rouba a produtividade nacional pela exagerada
transferência de recursos do setor privado para o público. Esta é a raiz
mais profunda da estagnação da produtividade. Por isso, é imperativo
realizar a reforma administrativa, orçamentária e financeira, além de
corrigir os demais fatores que oneram a atividade empresarial.
A
indústria está muito atuante nesse sentido e buscando fazer a lição de
casa do aporte tecnológico e produtividade. Prova desse empenho é que,
nos 30 anos do Real, a inflação geral acumulada foi pouco superior a
750%. No mesmo período, os preços do vestuário, por exemplo, evoluíram
cerca de 450%. Este segmento, no qual milito há muitos anos, foi o que
menos majorou seus produtos, enquanto investia e aumentava sua
produtividade, transferindo os ganhos para a sociedade. São avanços
difíceis num ambiente de árdua competição do setor e de toda a indústria
do Brasil contra empresas concorrentes de países com subsídios e
arcabouço regulatório diferentes do nosso e, na maioria dos casos, muito
mais amigáveis em termos de custos de produção e operação.
Enfrentamos,
ainda, limitações quanto à mão de obra qualificada, problema estrutural
da educação pública nacional, que segue sem a devida qualidade. É algo
que afeta de modo mais incisivo um setor que exige capacitação elevada
dos profissionais. Por esse motivo, a indústria, além dos altos encargos
trabalhistas, investe pesados recursos em formação de recursos humanos.
Trata-se de ônus adicional significativo.
A
agropecuária brasileira, com a qual a indústria é às vezes comparada,
movida pela capacidade de seus produtores e pesquisas da Embrapa e
outras instituições, soube, de fato, ocupar os espaços mercadológicos
globais. No entanto, embora conte com mais estímulos e melhores
condições de financiamentos do que a manufatura e a despeito do seu
meritório êxito, o agro tem segmentos que ainda não alcançaram níveis
elevados de desenvolvimento e/ou competitividade em escala planetária.
Há
de se considerar que a indústria de transformação não tem sido
priorizada no País. Há muito tempo não conta com um programa, como o
Plano Safra, com vultoso aporte anual de recursos e taxas de juros mais
baixas. Além disso, embora represente 15,3% do PIB, paga
desproporcionais 34,8% do total de tributos federais e tem um exclusivo
que onera seus custos: o IPI. O agro representa 7,1% do PIB e responde
por 0,6% dos impostos federais.
Com
o mesmo volume de recursos (cerca de R$ 500 bilhões anuais), taxas de
juros e nível de tributação do agro, a indústria de transformação também
teria avançado mais em sua competitividade. A propósito, novo relatório
da Fiesp aponta que, em 2023, as atuais distorções do sistema
tributário custaram R$ 144 bilhões ao setor, que paga mais impostos do
que os demais. Espera-se que a reforma, em seu processo de
regulamentação no Congresso Nacional, estabeleça alíquotas mais
equânimes para todos e não aumente a carga total.
Cabe
ressaltar que, a despeito de todas as barreiras que tem enfrentado ao
longo das últimas quatro décadas, a indústria responde por 66,6% das
exportações brasileiras de bens e serviços, 66,8% dos investimentos
nacionais em P&D e 24,4% da arrecadação previdenciária. Mantém mais
de 11 milhões de postos de trabalho, emprega 21,2% de todos os
trabalhadores formais do Brasil e paga os melhores salários (R$ 11,78
mil para os que têm Ensino Superior, ante média nacional de R$ 8,21 mil;
e R$ 3,09 mil para quem tem o Ensino Médio, contra R$ 2,71 mil no
País). Ademais, apresenta o maior fator de multiplicação, gerando R$
2,44 para cada R$ 1,00 que produz. Na agropecuária esse índice é de R$
1,71 e no comércio e serviços, R$ 1,52.
Apenas
o importante fomento do agro e dos serviços, conforme atesta a
realidade de nossa economia, inserida na armadilha da renda média, não
tem sido suficiente para promover ampla inclusão socioeconômica,
garantir crescimento sustentado em patamares consistentes, entre 3% e 4%
ao ano, e elevar o grau de desenvolvimento. Para conquistarmos esses
avanços, a indústria de transformação é decisiva, merecendo políticas
mais efetivas e duradouras para sua modernização, ganhos de
produtividade e níveis de competitividade compatíveis com a acirrada
concorrência no mercado global. Contradiz o ideal da olimpíada econômica correr na mesma pista dos concorrentes, mas com barreiras somente na nossa raia.
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