BLOG ORLANDO TAMBOSI
Rigor na política monetária e consciência que uma má paz na Ucrânia custa mais que a atual guerra. Se esquecermos isto, o futuro dos nossos filhos será catastrófico. André Abrantes Amaral para o Observador:
No
último debate a 8 para as europeias, Sebastião Bugalho salientou que os
eurodeputados do PSD e do CDS “votaram contra os aumentos das taxas de
juro do BCE” (7m54s). Tanto as afirmações como o momento em que estas foram preferidas são cruciais. E são-no por duas razões. Primeiro, porque as pressões inflacionistas continuam a fazer-se sentir
devido às medidas proteccionistas e ao excesso de crédito das últimas
décadas, com especial relevância nos últimos anos. Segundo, porque
revelam pouca memória. Eu era adolescente, mas recordo-me bem (e é Luís
Montenegro quem deseja que 1987 seja um ano de referência) da
dificuldade que foi conseguir uma inflação abaixo dos dois dígitos. A
meta dos 9% (anunciada na altura nas primeiras páginas dos jornais) não
significou apenas uma redução do contínuo aumento dos preços; foi uma
vitória psicológica, um feito que, uma vez ultrapassado, permitiu os
níveis de inflação aceitáveis que nos acompanharam durante décadas.
Acredito que muitos no PSD não se recordem do que sucedeu nessa altura,
mas também tenho a certeza que uma breve conversa com Cavaco Silva será
suficiente para que o cabeça-de-lista da AD, bem como os eurodeputados
do PSD e do CDS não se envaideçam com a ligeireza com que criticaram as
medidas do BCE embora, em abono da verdade e contrariamente ao que
referiu Bugalho, não tenham votado contra, mas tão-só abstido na votação
da proposta do PPE que apelava ao BCE para que mantivesse a posição de
aumentar as taxas de juro enquanto as suas previsões relativas à
inflação não se alterassem.
O
que houve foi falta de firmeza. Por isso é tão importante salientar o
seguinte: votar contra os aumentos das taxas de juro do BCE não
significa estar ao lados dos Portugueses (como erradamente afirmou
Sebastião Bugalho), pois os Portugueses são dos que mais sofreram e mais
sofrem com uma inflação elevada. Esta ideia de que uma política
monetária e orçamental rigorosa prejudica os Portugueses (como o
candidato da AD sugeriu no último debate) é algo que julguei ter sido
devidamente ultrapassado com a crise de 2011-2015. Infelizmente, parece
que não. Por um lado é uma pena. Por outro, e porque a pressão não é
apenas inflacionista, mas também de falta de referências, o alerta não
pode deixar de ser dado.
Antes
de continuar no outro tema que considero essencial nestas eleições,
cabe-me salientar que a minha crítica às declarações do candidato da AD
seriam exactamente iguais caso eu não fosse membro da Comissão Executiva
da Iniciativa Liberal. No entanto, por uma questão de seriedade,
menciono aqui que o sou para que quem lê estas linhas tenha em conta
toda a informação necessária e tire as suas conclusões. A independência
do BCE é indispensável à estabilidade monetária, que é essencial ao
controlo dos preços, tal como a redução da dívida pública (mesmo a
nominal e não só a equiparada ao PIB) é absolutamente necessária para o
crescimento sustentado do país e a melhoria de vida dos cidadãos. Este é
um daqueles pontos em que não podemos transigir, sob pena de nos
envergonharmos do futuro que vamos deixar aos nossos filhos.
O
outro ponto essencial nestas eleições europeias é o de saber até onde
deve ir o apoio de Portugal à Ucrânia. Deve o nosso compromisso ser
incondicional? A paz é negociável ou não? E se sim, qual o melhor
momento para o fazer? Até à presente data é comummente aceite que a
resposta a qualquer destas questões deve vir da Ucrânia. É a sua
soberania que está em jogo, são os ucranianos quem estão na linha da
frente da guerra, logo serão eles quem tem a legitimidade para decidir
se e quando é o momento apropriado para negociar.
O
prolongamento dos combates, o entrincheiramento da guerra, mais a
possibilidade de Trump ser eleito em Novembro leva a que se questione se
não seria melhor negociar o quanto antes. Se não seria preferível
reconhecer a situação de bloqueio a que o conflito chegou, negociar o
reconhecimento da ocupação russa de parte da bacia do Donetsk, integrar a
Ucrânia na NATO, na UE e fazer aplicar no país um novo plano Marshall
que, a breve trecho, evidenciaria a diferença positiva que é fazer parte
do Ocidente.
À
partida a solução parece simples, barata e pronta a dar milhões. O
problema está nos pormenores. Primeiro, o Donetsk não é a única
reivindicação de Moscovo nem o único foco de conflito na Europa. Putin
pretende controlar o mar Báltico, quer dominar a Transnístria e deseja
recuperar a totalidade da margem norte do Mar Negro, algo que a Turquia
não vê com bons olhos. Além disso, Putin tem todo o interesse em
incentivar as pretensões da extrema-direita húngara e romena sobre
certas parcelas do território ucraniano. Ou seja, a entrega do Donetsk a
Moscovo não aplaca Putin, mas dá-lhe ainda mais força. Ainda mais
razões para continuar. Ou seja, não é só a Ucrânia que está em jogo numa
guerra distante. É o nosso modo de vida que se encontra em causa num
conflito militar que facilmente pode bater à nossa porta.
É
esta perspectiva mais alargada do conflito que torna evidente que a
única solução possível é sermos firmes no apoio à Ucrânia contra
Moscovo. Pode custar dinheiro, recursos, inflação, menos crescimento
económico, mas a alternativa é muito pior. Não só porque as
consequências serão catastróficas, mas até porque o custo dessa paz com
Moscovo será mais dispendioso e difícil que a entrega de munições e
material de guerra à Ucrânia. Uma coisa é certa: atravessamos um
daqueles momentos que definem a história. A que determina como será a
vida dos nossos filhos e netos. E é esta consciência muita concreta que
devemos ter bem presente quando cada um de nós votar no dia 9.
Postado há 4 hours ago por Orlando Tambosi
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