BLOG ORLANDO TAMBOSI
Agiu bem o Congresso ao rejeitar um tipo penal vago e arbitrário como ‘fake news’. Desinformação se combate com informação. O direito penal deve ser o último recurso para casos extremos. Editorial do Estadão:
O
Congresso manteve o veto do então presidente Jair Bolsonaro à inclusão
de um artigo no Código Penal que puniria “comunicação enganosa em
massa”. Felizmente. Não se trata de renunciar ao combate à
desinformação. Mas é preciso fazê-lo com as armas certas.
O
artigo definia mal as condutas ilícitas associadas a fake news. Não
havia diferenciação clara, por exemplo, entre quem produz conteúdo
enganoso com dolo e quem o repassa por ignorância. Isso precipitaria o
debate público numa abissal zona cinzenta, à mercê de todo tipo de
arbitrariedade dos poderosos de turno.
A
lei valeria só para o período eleitoral. Mas é um protótipo daquilo que
o governo lulopetista quer normalizar. Há exemplos de quais seriam as
consequências, como a denúncia oferecida à Polícia Federal após a
catástrofe no Rio Grande do Sul pelo então ministro-chefe da Secom Paulo
Pimenta. É uma maçaroca de publicações com informações supostamente
descontextualizadas, estelionatárias, hiperbólicas, distorcidas,
caluniosas ou só opinativas, empacotadas sob rótulo de fake news.
Algumas nem sequer tinham conteúdo fake, muitas não eram news. O único
elemento comum é que eram desfavoráveis ao governo.
No
dia 26, o Exército retirou emergencialmente moradores de Canoas ante a
informação de que uma barragem se rompera. Ao fim, a informação se
provou falsa. Mas, em meio ao trauma e pânico, os militares corretamente
não pagaram para ver e agiram antes. Melhor prevenir do que remediar,
tanto mais quando estão em risco centenas de vidas. Ainda assim, a
reação do presidente Lula da Silva foi de irritação com o que chamou de
“fake news” que teriam sido “produzidas” pelas Forças Armadas.
Quem
também anda irritado é o ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre
de Moraes. Há poucos dias, uma reportagem do UOL citou falas de
ministros do Tribunal Superior Eleitoral conferidas sob anonimato. Ao
invés de disciplinar seus colegas, Moraes preferiu desmoralizar a
repórter, acusando-a de inventar “fatos e versões”. Não se está falando
de vieses autoritários por parte do proverbial “guarda da esquina”, mas
sim dos próprios chefes da guarnição.
A
desinformação é um problema real que desperta apreensões no mundo
inteiro. Mas há o risco de superestimar o seu impacto e de enfrentá-la
com leis iliberais que não só agridem a liberdade de expressão, como
podem ser contraproducentes.
Um
levantamento divulgado pelo Reuters Institute, de Oxford, mostra que
informações consideradas “problemáticas” são só uma fração das
informações em circulação (0,15% nos EUA, por exemplo), que só atingem
(e menos ainda influenciam) uma fração da população. Há poucas
evidências de que fake news alteraram resultados de eleições.
Um
estudo do International Panel on the Information Environment avaliou a
eficácia de 11 medidas de combate à desinformação, incluindo a censura.
As mais eficazes foram justamente as que não agridem a liberdade de
expressão e envolvem a atuação da sociedade civil, como rotulação de
postagens, informações corretivas, moderação de conteúdo e letramento
digital. São as armas que Taiwan, por exemplo, privilegia com sucesso no
enfrentamento da maior máquina de desinformação do planeta: o Partido
Comunista Chinês.
Não
obstante, leis criminalizando a desinformação estão se proliferando. Um
levantamento em 32 países do Center for News, Technology and Innovation
mostra que, na maioria, fake news são mal definidas e deixam ao governo
discricionariedade para decidir o que é ou não “desinformação”. O risco
é de que medidas voltadas a uma conduta dolosa específica acabem, pela
ansiedade pública ou oportunismo político, restringindo territórios
muito mais amplos, incluindo conteúdos problemáticos, mas não
demonstravelmente falsos ou dolosos. Quem quer matar uma mosca com uma
bala de canhão arrisca-se a deixar muitas vítimas pelo caminho.
Desinformação
se combate prioritariamente com informação. O direito penal deve ser o
último recurso para casos específicos e extremos. Essa tem sido a
orientação do Legislativo. Infelizmente (e perigosamente) não é a dos
chefes da guarnição no Executivo e no Judiciário.
Postado há 4 hours ago por Orlando Tambosi
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