MEDIÇÃO DE TERRA

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MEDIÇÃO DE TERRAS

domingo, 14 de abril de 2024

Perdemos a fé em nossas opiniões, mas tememos ficar céticos de vez.

 

BLOG  ORLANDO  TAMBOSI

Stuart Mill acreditava no debate e na liberdade de pensamento como defesa contra o autoritarismo do poder político. Luiz Felipe Pondé via FSP:


Uma era "destituída de fé, mas aterrorizada com o ceticismo". É assim que o grande liberal inglês John Stuart Mill descreveu sua época na sua clássica obra "Sobre a Liberdade", de 1859.

Nesse trecho em que descreve sua época, Mill defende veementemente a liberdade de expressão absoluta, mesmo em casos de conteúdo perigoso ou duvidoso. Recomendo para quem quer se informar ou se formar melhor no assunto, incluindo aqui as autoridades com poder de destruição da liberdade de expressão no Brasil, jornalistas que babam pedindo "regulação das redes" e população mal-informada em geral. Elon Musk está nessa tradição.

A propósito, recomendo também o "Relatório de 1800", de 7 de janeiro de 1800, escrito por James Madison, um dos três autores do primor de obra conhecida como "Federalist Papers", com tradução portuguesa, "O Federalista", pela Calouste Gulbenkian de Lisboa.

Neste texto, Madison critica uma lei que teve vida curta e que visava dar ao governo americano e ao poder judiciário o direito de censurar conteúdos que julgassem perigosos.

Um dos argumentos de Madison é que o pior momento para o exercício da censura sobre a imprensa —"the press", como ele diz na sua época— é em ano de eleição porque inviabiliza qualquer crítica mais significativa aos candidatos. Será que os babões pela "regulação das redes" já leram gente desse quilate?

Mas voltemos à citação de Stuart Mill sobre a falta de fé e o medo do ceticismo em sua época. Vale salientar que a crítica cética da fé religiosa não é, a rigor, o "pior" efeito do ceticismo. O autor descreve essa "condição" da sua época como sendo uma espécie de estado de alma em que não temos mais nenhuma certeza acerca de nossas opiniões, mas não sabemos se conseguimos viver sem elas.

Ou seja, perdemos a fé em nossas opiniões, mas tememos ficar céticos de vez. Como viver sem crer em nossas próprias opiniões? Resumo da ópera: ninguém conseguiria.

O ceticismo sempre foi marcado pela dúvida acerca das opiniões racionais, e, portanto, o respeito pelos hábitos e costumes estabelecidos o leva a ter uma certa proximidade com a posição moral e política conservadora.

Não é o caso de Stuart Mill, um liberal crente no debate público, na liberdade absoluta de pensamento como defesa contra o caráter essencialmente autoritário de qualquer forma de poder político. Para sua época, era um claro "progressista".

Para ele, ter dúvidas acerca de suas próprias opiniões era salutar desde que estivéssemos abertos a mudar de opinião e abraçar outras que nos parecessem mais razoáveis para a questão em jogo.

Este é o otimismo liberal clássico. Não se tratava de desaguar no desespero cético —como normalmente não céticos praticantes veem a atitude cética—, mas entender que a liberdade é o meio para se avançar socialmente e politicamente.

Temo que para nós, em 2024, a coisa seja mais complexa. Primeiro que os "progressistas" de hoje são aqueles mesmos que querem censurar a liberdade pública de pensamento.

Fazendo uso de retórica adocicada, afirmam que são a favor da liberdade de expressão, contanto que ela seja abençoada por seus lobbies jurídicos, identitários, políticos e por seus "especialistas" de plantão.

Madison e Stuart Mill escreveram sobre o tema em 1800 e 1859, respectivamente. O processo de constituição da chamada democracia liberal estava em curso e ainda era incipiente.

Hoje, "progressistas" e "iliberais" compartilham, ainda que os primeiros de modo sofisticado e os segundos de modo "grosseiro", o mesmo horror contra a liberdade do pensamento público não alinhado aos seus lobbies ideológicos.

A universidade —instituição que para os ingênuos é um espaço de liberdade de pensamento— e a mídia são quase que totalmente colonizados pelos chamados "progressistas" que buscam inviabilizar qualquer posição que não lamba suas botas, buscando mesmo o apagamento absoluto de quem não os teme ou não rezam na mesma cartilha.

Stuart Mill tinha fé na honestidade intelectual pública. Bobinho ele. Essa sua fé era sua utopia.
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