BLOG ORLANDO TAMBOSI
Stuart Mill acreditava no debate e na liberdade de pensamento como defesa contra o autoritarismo do poder político. Luiz Felipe Pondé via FSP:
Uma era "destituída de fé, mas aterrorizada com o ceticismo". É assim que o grande liberal inglês John Stuart Mill descreveu sua época na sua clássica obra "Sobre a Liberdade", de 1859.
Nesse
trecho em que descreve sua época, Mill defende veementemente a
liberdade de expressão absoluta, mesmo em casos de conteúdo perigoso ou
duvidoso. Recomendo para quem quer se informar ou se formar melhor no
assunto, incluindo aqui as autoridades com poder de destruição da
liberdade de expressão no Brasil, jornalistas que babam pedindo
"regulação das redes" e população mal-informada em geral. Elon Musk está nessa tradição.
A propósito, recomendo também o "Relatório de 1800", de 7 de janeiro de 1800, escrito por James Madison,
um dos três autores do primor de obra conhecida como "Federalist
Papers", com tradução portuguesa, "O Federalista", pela Calouste
Gulbenkian de Lisboa.
Neste
texto, Madison critica uma lei que teve vida curta e que visava dar ao
governo americano e ao poder judiciário o direito de censurar conteúdos
que julgassem perigosos.
Um
dos argumentos de Madison é que o pior momento para o exercício da
censura sobre a imprensa —"the press", como ele diz na sua época— é em
ano de eleição porque inviabiliza qualquer crítica mais significativa
aos candidatos. Será que os babões pela "regulação das redes" já leram
gente desse quilate?
Mas
voltemos à citação de Stuart Mill sobre a falta de fé e o medo do
ceticismo em sua época. Vale salientar que a crítica cética da fé
religiosa não é, a rigor, o "pior" efeito do ceticismo. O autor descreve
essa "condição" da sua época como sendo uma espécie de estado de alma
em que não temos mais nenhuma certeza acerca de nossas opiniões, mas não
sabemos se conseguimos viver sem elas.
Ou
seja, perdemos a fé em nossas opiniões, mas tememos ficar céticos de
vez. Como viver sem crer em nossas próprias opiniões? Resumo da ópera:
ninguém conseguiria.
O
ceticismo sempre foi marcado pela dúvida acerca das opiniões racionais,
e, portanto, o respeito pelos hábitos e costumes estabelecidos o leva a
ter uma certa proximidade com a posição moral e política conservadora.
Não
é o caso de Stuart Mill, um liberal crente no debate público, na
liberdade absoluta de pensamento como defesa contra o caráter
essencialmente autoritário de qualquer forma de poder político. Para sua
época, era um claro "progressista".
Para
ele, ter dúvidas acerca de suas próprias opiniões era salutar desde que
estivéssemos abertos a mudar de opinião e abraçar outras que nos
parecessem mais razoáveis para a questão em jogo.
Este
é o otimismo liberal clássico. Não se tratava de desaguar no desespero
cético —como normalmente não céticos praticantes veem a atitude cética—,
mas entender que a liberdade é o meio para se avançar socialmente e
politicamente.
Temo
que para nós, em 2024, a coisa seja mais complexa. Primeiro que os
"progressistas" de hoje são aqueles mesmos que querem censurar a
liberdade pública de pensamento.
Fazendo
uso de retórica adocicada, afirmam que são a favor da liberdade de
expressão, contanto que ela seja abençoada por seus lobbies jurídicos,
identitários, políticos e por seus "especialistas" de plantão.
Madison
e Stuart Mill escreveram sobre o tema em 1800 e 1859, respectivamente. O
processo de constituição da chamada democracia liberal estava em curso e
ainda era incipiente.
Hoje,
"progressistas" e "iliberais" compartilham, ainda que os primeiros de
modo sofisticado e os segundos de modo "grosseiro", o mesmo horror
contra a liberdade do pensamento público não alinhado aos seus lobbies
ideológicos.
A
universidade —instituição que para os ingênuos é um espaço de liberdade
de pensamento— e a mídia são quase que totalmente colonizados pelos
chamados "progressistas" que buscam inviabilizar qualquer posição que
não lamba suas botas, buscando mesmo o apagamento absoluto de quem não
os teme ou não rezam na mesma cartilha.
Stuart Mill tinha fé na honestidade intelectual pública. Bobinho ele. Essa sua fé era sua utopia.
Postado há 7 hours ago por Orlando Tambosi
Nenhum comentário:
Postar um comentário