BLOG ORLANDO TAMBOSI
É louvável que ministros do STF discutam questões brasileiras. Bem menos evidente é a razão pela qual o fizeram em Londres, num hotel caríssimo e com tudo pago por uma empresa privada. Editorial do Estadão:
Junto
com a balança e a venda, a toga preta simboliza a uniformidade, a
isonomia, a sobriedade da Justiça. Todo servidor deve seguir os
princípios da administração pública – impessoalidade, moralidade,
publicidade, eficiência, legalidade –, mas, se aos juízes cabe um
figurino, é porque devem não só segui-lo, mas representá-lo. Não basta
ser íntegro, é preciso parecer.
Mas
as aparências às vezes enganam. É louvável que ministros do Supremo
Tribunal Federal (STF) se reúnam em fóruns para discutir questões
jurídicas do País. É mais difícil entender, no entanto, os motivos pelos
quais esses ministros precisaram sobrevoar o Atlântico para fazê-lo num
caríssimo hotel de Londres, com tudo pago por um organizador privado.
Entre
os dias 24 e 26, celebrou-se no Hotel Peninsula, na capital britânica o
“1.º Fórum Jurídico Brasil de Ideias”, organizado por um certo “Grupo
Voto”, que, no seu dizer, “trabalha na interlocução entre o setor
público e o privado através de relacionamento, comunicação e conexões de
poder”.
“Relacionamento”
e “conexões de poder” não faltaram – lá estavam, debatendo conceitos
jurídicos com empresários, três ministros da Suprema Corte (Gilmar
Mendes, Dias Toffoli e Alexandre de Moraes), além de membros do Superior
Tribunal de Justiça, o procurador-geral da República, o ministro da
Justiça, o advogado-geral da União, o diretor-geral da Polícia Federal,
senadores e deputados. Já a “comunicação” deixou a desejar. A imprensa
foi barrada na porta.
Segundo
os organizadores, o “Brasil de Ideias” é uma “missão internacional,
perpetuando o espaço democrático e promovendo um diálogo construtivo em
prol do avanço do Brasil”. Mas não é dado aos brasileiros conhecer o
teor desse “diálogo construtivo”, travado a léguas do Brasil, entre o
mais alto escalão do Judiciário com empresários que certamente estão
longe de serem observadores desinteressados. Além do palavrório sobre
democracia, as passagens aéreas, os jantares de quase R$ 2 mil e as
diárias de mais de R$ 8 mil foram bancados por uma empresa de tecnologia
digital.
Nem
todo país tolera essa extravagância. Há pouco, causou escândalo nos EUA
a revelação de que um juiz da Suprema Corte aceitara férias luxuosas e
outros mimos de um bilionário. A Corte se viu constrangida a editar um
código de ética postulando, entre outras coisas, que juízes devem
“evitar a impropriedade e a aparência de impropriedade”, “apenas exercer
atividades extrajudiciais compatíveis com as obrigações do cargo” e
“abster-se da atividade política”. Por aqui, não houve constrangimento
nenhum, mesmo que regras como estas existam há tempos.
Recentemente,
um ministro do STF viajou em “missão internacional” aos torneios de
Roland Garros e da Champions League com as despesas pagas por um
advogado. Outro obtém todos os anos patrocínios de empresas públicas e
privadas – algumas com processos no STF – para um meeting em Lisboa.
Raro exemplo de discrição no Supremo, a ex-ministra Rosa Weber até
tentou aprovar regras disciplinando a participação de juízes em eventos e
palestras pagas, mas foi voto vencido.
O
Código de Ética da Magistratura determina que juízes evitem
“comportamento que possa refletir favoritismo”, e o Código de Processo
Civil, a suspeição do juiz “amigo íntimo” ou “inimigo” das partes. Mas
os ministros julgam casos em que amigos são partes ou familiares são
advogados. Um ministro se jactou a uma plateia estudantil de ter
“derrotado o bolsonarismo”. Outro conduz inquéritos secretos há anos,
mas basta um holofote ou microfone para desandar a condenar os
investigados como “golpistas” e “extremistas”. Muitos anunciam
veredictos fora dos autos, às vezes antes mesmo da abertura do processo.
A
Lei da Magistratura exige que juízes ajam com “independência” e tenham
“conduta irrepreensível na vida pública e particular”. Para vários
integrantes das Cortes superiores, contudo, tais conceitos parecem
relativos, razão pela qual não é raro vê-los em eventos empresariais
dentro e fora do País ou em coquetéis homenageando políticos nas mansões
de advogados em Brasília.
Mas não há necessidade de lei nem de código de ética quando há pudor.
Postado há 9 hours ago por Orlando Tambosi
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