BLOG ORLANDO TAMBOSI
De volta para o passado. Carlos Graieb e outros para a Crusoé:
Viagens
no tempo podem ser muito divertidas quando acontecem na ficção. Por
exemplo, na série de filmes De Volta Para o Futuro, em que um automóvel
DeLorean modificado permite aos personagens de Michael J. Fox e
Christopher Lloyd se deslocar entre os séculos.
Na
política, é diferente. É melhor que o passado permaneça no passado. Um
país deve aprender com seus erros e evitar que eles se repitam. Deve
também resistir a quem deseja reviver práticas que se mostraram nocivas
para a maioria e benéficas somente para uns poucos – aqueles que ocupam o
poder e os seus amigos.
É
exatamente isso que Lula e o PT tentam fazer neste momento: reeditar
velhos vícios. Possivelmente encorajados pelas vitórias que obtiveram no
STF, anulando a maior parte das consequências jurídicas da Lava Jato
(embora os fatos, é claro, continuem sendo os mesmos), o presidente e
seu partido não têm hesitado em remontar esquemas de outrora:
aparelhamento da Petrobras e de fundos de pensão das estatais, uso do
BNDES para fazer política externa, uso de verba estatal para fazer
propaganda ideológica.
Nem mesmo os parceiros mudaram.
Você
se lembra dos irmãos Joesley e Wesley Batista, donos da J&F, que se
tornou a maior empresa não financeira do Brasil e uma das maiores do
mundo no setor de alimentação, graças à política de fomento a “campeãs
nacionais” dos governos Lula e Dilma. Os Batista foram flagrados pela
Lava Jato num grande esquema de suborno a políticos, em troca de medidas
que promovessem seus negócios. Para manter sua empresa de pé, eles
fecharam um acordo de leniência com o Ministério Público Federal,
comprometendo-se a pagar 10,5 bilhões de reais em multas e indenizações.
Pouco depois, começaram a contestar o acordo, dizendo que os valores
devidos não deveriam ultrapassar 3,5 bilhões de reais, cerca de um terço
do montante original.
Nesta
semana, eles finalmente obtiveram a suspensão da leniência no STF,
graças a uma decisão do ministro Dias Toffoli (indicado à corte por
Lula). É curiosa a maneira como a petição foi parar nas mãos de Toffoli,
uma vez que os casos da J&F relacionados à Lava Jato estão em outro
gabinete, o do ministro Edson Fachin. Tudo se deu graças a uma ação que
denunciou um suposto conluio entre os procuradores da Lava Jato e a ong
Transparência Brasil, com o objetivo de se apoderar de uma parte dos
recursos devidos pela J&F aos cofres públicos. Quem é o autor dessa
ação? O deputado petista Rui Falcão (SP). A empresa se valeu dessa
brecha para pedir acesso às mensagens hackeadas de procuradores que
estão nos autos da Operação Spoofing, relatada por Toffoli. Daí a obter
do ministro a revisão de seu acordo de leniência foi um pulinho só.
Há
outros fios ligando o PT e os irmãos Batista do passado ao PT e aos
irmãos Batista do presente. Em sua última edição, Crusoé mostrou que o
governo autorizou a Âmbar, empresa de energia do grupo J&F, a
importar eletricidade da Venezuela para abastecer Roraima. Duas coisas
chamam atenção nesse negócio. Primeiro, o custo, rateado entre todos os
consumidores do país. A depender do volume de importação, o sistema
energético nacional pagará à Âmbar valores entre 900 reais e 1080 reais
por megawatt. É menos do que o custo atual da energia encaminhada a
Roraima, que vem de termoelétricas, uma fonte cara e poluente. Mas
muitos mais do que o Brasil pagava até 2019, no mesmo tipo de operação
com a Venezuela: 137 reais por megawatt.
Isso
acontece porque o Brasil aceitou os valores “sugeridos” pela Âmbar sem
nenhuma negociação – e esse é o segundo fato digno de nota. Nesta
semana, veio à tona que foi a empresa brasileira que se aproximou da
ditadura de Nicolás Maduro e depois procurou o governo Lula 3. Esse
último, porém, agiu como se a iniciativa tivesse partido dele, e a Âmbar
só tivesse aparecido mais tarde, como única interessada no negócio de
importação autorizado por um decreto do Palácio do Planalto. Em outras
palavras, o governo sabia que a empresa do grupo J&F se beneficiaria
das transações com a Venezuela, mas escondeu o fato.
Veja a seguir outras tentativas do PT de empurrar o Brasil para um passado que é preciso evitar:
Aparelhamento da Petrobras
O
intervencionismo governamental e os escândalos de corrupção tornaram a
petrolífera estatal a companhia mais endividada do mundo, em 2016. A
dívida bateu os 125 bilhões de dólares. Para estancar a sangria e
blindar as empresas públicas de ingerências políticas, o presidente
Michel Temer sancionou a Lei das Estatais. Logo em seguida, a Petrobras
alterou o estatuto social para fazer constar as limitações da lei,
reproduzindo trechos nas normas internas, como uma segunda barreira de
proteção, caso acontecesse algo à lei. Com o PT novamente no poder no
início de 2023, a empresa buscou formas de reverter as normas e voltar
no tempo. Em um movimento coordenado, o ministro do STF Ricardo
Lewandowski, suspendeu, em março, os efeitos da Lei das Estatais no que
restringia indicações de conselheiros e diretores que tivessem
participado de partido político ou campanha eleitoral em prazo anterior a
36 meses da nomeação. Mesmo assim, o Estatuto Social da estatal ainda
previa a proibição. Mas essa última barreira de proteção não durou
muito. No dia 30 de novembro, o Conselho de Administração da petroleira
aprovou, e a Assembleia de Acionistas (onde o governo tem a mairoia dos
votos) ratificou a “adequação” da norma interna à decisão precária e
provisória do ministro do Supremo. A petroleira está oficialmente de
volta ao início dos anos 2000.
Intervenções na economia
Na
campanha de 2022, Lula prometeu que não reativaria a política das
campeãs nacionais dos seus mandatos anteriores, ou seja, não usaria o
BNDES para ajudar grupos amigos a dominar certas áreas da economia. Um
dos maiores exemplos de consolidação de mercado apoiada pelo governo
está na Braskem, que conseguiu fechar o monopólio do setor petroquímico
brasileiro ao longo do segundo mandato presidencial de Lula. Agora, a
empresa está à venda, porque sua controladora, a Novonor (ex-Odebrecht)
ainda não completou seu processo de reestruturação pós-petrolão. Ainda
que a Petrobras seja a segunda maior acionista da companhia, com 36,1%
do seu capital total e 47% do capital votante, essa história não deveria
ter nada a ver com o governo. Mas Lula decidiu interferir. fez chegar
ao mercado a informação de que o BNDES não está autorizado a financiar
empresas brasileiras interessadas na compra da Braskem. Seria o
cumprimento da promessa eleitoral? Não exatamente, porque as duas
propostas nacionais postas na mesa nos últimos meses, a da Unipar e a da
J&F, não contêm garantias de empréstimo do banco estatal de
fomento. Mais significativo é o fato de Lula também ter feito circular a
informação de que a Petrobras pode aumentar seu volume de ações na
Braskem se isso for necessário para viabilizar a venda, agora que a
empresa está encrencada com os desdobramentos do desastre ambiental e
social causado em Maceió por suas minas de sal-gema. Ou seja, o governo
pretende usar a Petrobras para assegurar a realização de um negócio que é
importante para a Novonor e para manter sob sua influência o setor
petroquímico. E quem seria a nova sócia da petrolífera brasileira na
Braskem? A Adnoc, estatal dos Emirados Árabes Unidos, está interessada
na compra – e tudo indica que ela é a preferida de Lula. Sai a política
das campeãs nacionais, mas o desejo de determinar os caminhos da
economia manipulando a Petrobras continua igual. Os velhos vícios
petistas empurram o Brasil para o passado.
Má gestão dos fundos de pensão das estatais
Mensalmente,
pensionistas e aposentados brasileiros que trabalharam em estatais são
lembrados da gestão temerária dos seus fundos de aposentadoria. Muitos
ainda têm suas pensões descontadas de uma parcela para recompor o rombo
causado pela malversação de recursos. Este ano, a gestão petista retomou
as indicações de sindicalistas para tocar os investimentos de milhares
de empregados públicos por todo o Brasil. O exemplo mais emblemático é o
do sindicalista João Luiz Fukunaga, que está à frente do maior fundo de
pensão da América Latina, o Previ. Além da larga experiência no
Sindicato dos Bancários de São Paulo, Fukunaga é formado em História e
tem mestrado com especialização em literatura asteca. Desde 2010, a
instituição não tinha um sindicalista na sua presidência. Se é que em
algum momento histórico, foi liderada por alguém especializado na
literatura de civilizações pré-colombianas, mas sem qualquer experiência
relevante na gestão de grandes fundos.
Uso político do BNDES
O
governo Lula enviou um projeto de lei ao Congresso em novembro de 2023
para autorizar o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, o
BNDES, a financiar a exportação de serviços de construtoras
brasileiras. Essas operações foram suspensas em 2016 após os calotes de
Cuba e Venezuela e os casos de corrupção envolvendo as empreiteiras,
como a Odebrecht (atualmente Novonor). O projeto petista proíbe novos
empréstimos para países inadimplentes, mas a prática poderia seguir com
presentes para nações do “Sul Global” governados por aliados de Lula,
como a Bolívia ou a Colômbia. “Eles querem voltar com aquela perspectiva
de que quanto mais o BNDES empresta, melhor. Mas muitos desses
contratos antigos foram pouco eficientes. Naqueles que foram feitos para
ajudar construtoras no exterior, o grosso das operações ocorreu nos
países de destino. Até agora, não vi um estudo provando que isso vale
mesmo a pena”, diz Sergio Lazzarini, professor da Western University, no
Canadá, e pesquisador do Insper. “O resultado desses empréstimos no
exterior foi que o Brasil acabou exportando corrupção.” Gera suspeita
ainda o fato de que o projeto apresentado pelo governo fale
especificamente de construtoras, e não de empresas brasileiras em geral.
“O mais indicado seria que o BNDES se concentrasse em áreas que não
conseguem empréstimos no mercado privado de capitais, que beneficiam o
meio ambiente ou que geram inovações tecnológicas“, diz Lazzarini, que
escreveu três livros que tocam nesse tema.
Máquina de propaganda estatal
Historicamente,
os governos do PT sempre foram receosos com a imprensa independente.
Tanto é assim que, este ano, voltaram a circular projetos de regular a
mídia. Para o PT, sempre foi mais conveniente investir em propaganda
oficial e em veículos de comunicação e blogs chapa-branca, que repetem o
discurso oficial e aplaudem qualquer decisão do presidente. Para o
Orçamento de 2024, Lula pediu 647 milhões de reais para a propaganda do
governo. O valor era quase o dobro dos 359 milhões de reais separados
para 2023. E será o maior desde 2004. Com o PT no poder, a TV Globo
voltou a liderar com folga o ranking dos veículos que mais receberam
verba oficial (66 milhões de reais), seguida por Record (16 milhões de
reais), SBT (13 milhões de reais), Band (5 milhões de reais) e Rede TV!
(1 milhão de reais).
Uso de satélites para o combate político
Sindicatos,
movimentos sociais como o MST e partidos de esquerda com menor
representação política sempre foram braços auxiliares do lulismo. No
começo deste ano, Psol, PCdoB e Solidariedade prestaram-se a essa função
(juntamente com advogados do Grupo Prerrogativas), levando ao STF a
tese de que a Lava Jato provocou um “estado de coisas inconstitucional”
no Brasil, de tal modo que as grandes empresas flagradas na operação
teriam sido coagidas a pagar multas e indenizações maiores do que
necessário. O objetivo é forçar a revisão de todos os acordos de
leniência firmados na esteira da Lava Jato, que oneram com dívidas
bilionárias os balanços de empresas que confessaram corrupção como
Novonor, OAS e J&F. “Estado de coisas inconstitucional” é um
conceito jurídico importado da Colômbia. Serve para descrever situações
em que existe violação generalizada de direitos humanos, omissão
estrutural dos Três Poderes e a necessidade de uma solução complexa, com
a participação vários órgãos da República. Dizer que isso aconteceu na
Lava Jato, submetida desde sempre ao controle das instâncias superiores
do Judiciário, é absurdo. Dizer que aconteceu nos acordos de leniência é
ainda mais despropositado, pois eles foram firmados de livre e
espontânea vontade por representantes legais das empresas, com apoio dos
melhores advogados do país. Mas nada é tão estranho quanto ver partidos
socialistas preocupadíssimos com o bem estar financeiro dos grupos que
melhor representam o capitalismo de cartas marcadas vigente no Brasil.
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