Em artigo publicado pela Gazeta do Povo, o biólogo geneticista Eli Vieira desmonta os argumentos do nefasto pós-modernismo da "teoria queer", o "mais influente inimigo da ciência interno à academia hoje":
Em
fevereiro de 2018, divulgadores de ciência já defendiam a inclusão de
atletas transexuais no esporte feminino, e citavam principalmente uma
revisão que se revelou paupérrima em dados, mas abundante em
pressupostos progressistas. A falta de estudos diretos sobre o problema
era preocupante, especialmente comparada à pressa de organizações do
esporte a se curvar à pressão de ativistas para mudar suas diretrizes.
Havia, ali, uma inversão: um carro na frente dos bois. Um fazer antes de
saber.
O
ativismo da causa LGBT em grande parte esteve sob influência do dogma
da tábula rasa, ou seja, da ideia de que nós nascemos como folhas em
branco, sem tendências nem instintos nem propensões genéticas. Esta
ideia foi defendida por ditadores comunistas do século XX.
Mas
a nova ortodoxia que reforça esse dogma não vem do comunismo, vem da
“teoria” “queer”, um ramo do nefasto pós-modernismo aplicado, que é o
mais influente inimigo da ciência interno à academia hoje. Nesta
atmosfera intelectual, em se tratando de ser humano, qualquer biologia é
biologia demais. Em resposta ao que chamam muitas vezes de forma
ignorante de determinismo biológico, quando não chamam infamantemente de
eugenia, propõem o determinismo sócio-cultural sem chamá-lo pelo nome.
Preferem o eufemismo ambíguo “construção social”. Eu insisto em pôr
aspas porque, na ciência, teoria é o maior grau de solidez ao qual uma
proposição pode chegar. A “teoria” “queer” não é teoria nenhuma: mal
merece o status de hipótese.
Existem
vários motivos para se opor ao determinismo sócio-cultural de parte
influente dos ativistas LGBT, que é parte da explicação para sua
insistência que atletas trans seriam idênticas às outras atletas do
esporte feminino e poderiam ser inclusas sem injustiça às últimas.
A
escassez de avaliação direta da possibilidade de as atletas trans terem
vantagens biológicas no esporte feminino começou a mudar recentemente, e
aquela pressa de incluir antes de saber se a inclusão era justa, embora
tenha praticamente dominado o esporte internacional, começou a perder o
gás nas Olimpíadas de Tóquio. Depois de usar um critério de quantidade
mínima permitida de testosterona no sangue, o Comitê Olímpico
Internacional admitiu que o critério é “ultrapassado”. Tal critério já
era ultrapassado foi proposto, nunca esteve em conformidade com uma avaliação franca das evidências.
Os valores do esporte
O
esporte é uma hierarquia baseada em competência: os atletas e
audiências valorizam a premiação de habilidades pelas quais os atletas
trabalharam: que vença o melhor. Até em esportes em que a vitória
depende muito do acaso, a interpretação de que a vitória deve acontecer
por competência é quase automática, embora os perdedores possam se
lembrar do papel do acaso e questionar, nem sempre de forma justa, a
idoneidade dos árbitros e dos vencedores.
Somente
sádicos gostam de ver o resultado óbvio de botar um boxeador
profissional para esmurrar uma pessoa mirrada e sem preparo. Na verdade,
nosso instinto é de geralmente torcer para quem estiver em desvantagem.
Queremos ver, quando não há igualdade de pontos de partida entre os
competidores, ao menos alguma possibilidade de quem está em desvantagem
vencer. Há algo de prazeroso na antecipação de um resultado que não é
garantido e determinístico, de torcer para um time que você quer que
ganhe, mas não sabe com certeza se ganhará. Isso reflete os mecanismos
da dopamina no cérebro, que nos recompensam por essa antecipação e
explicam boa parte de comportamentos como o vício em jogos de azar. O
êxtase da vitória é bem maior quando antes dele veio a ansiedade da
antecipação: e maior ainda quando a vitória era implausível.
Jogos
entre homens e mulheres não costumam ter essas características. No
tênis, no futebol e em outros esportes em que isso foi tentado, a parte
masculina quase sempre tem vantagem e, enfadonhamente, ganha. É um dos
motivos justos para a cisão do mundo do esporte entre masculino e
feminino. Por isso, não dá para atribuir completamente a preconceito que
alguém desconfie que atletas transexuais, especialmente os que
transicionaram do sexo masculino para o feminino, podem estar rompendo o
mínimo nivelamento das competições por terem vantagens adquiridas
quando apresentavam identidade e corpo masculinos.
Há,
entre divulgadores de ciência e pessoas do esporte interessadas na
inclusão de grupos em desvantagem (mais uma torcida previsível a favor
dos desfavorecidos), uma tentação de alegar que, apesar de sabermos
pouco, sabemos o suficiente para dizer que a vantagem das atletas trans é
incontestável.
O
Comitê Olímpico Internacional adotou entre 2015 e 2021 um nível máximo
de testosterona no sangue das atletas trans durante os 12 meses
anteriores como critério suficiente para incluí-las ou excluí-las, além
de uma “declaração solene” de que sua “identidade de gênero” é feminina.
Em sua diretriz, o COI diz que
“é necessário assegurar até onde é possível que atletas trans não sejam
excluídas da oportunidade de participar em competições esportivas”, e
que “o objetivo esportivo predominante é e se mantém a garantia da
competição justa”. Mas há um conflito inevitável entre os dois
objetivos. O critério adotado é insuficiente para assegurar competição
justa. O mais provável é que as atletas trans tenham vantagem biológica
que distorce a competição justa.
Proposta moral conflitante
Na
ciência, estudos individuais nem sempre são suficientes para tirar
grandes conclusões. Por isso é comum, na tarefa de apresentar conclusões
mais estáveis à comunidade de pesquisa, que se publiquem revisões e
meta-análises, que são estudos de estudos, que discutem as conclusões
dos estudos individuais, ou (o que é melhor) reanalisam todos os dados
disponíveis.
Uma
revisão foi citada preferencialmente pelo campo que nega as vantagens
biológicas das mulheres trans ou alega que são implausíveis: a de Bethany Jones e colaboradores,
de 2017. Eles avaliaram somente oito artigos de pesquisa. Para dar uma
noção da novidade do assunto, o artigo mais antigo é de 2004. A maioria
desses meros oito artigos usam métodos qualitativos, como entrevistas,
que não dão dados objetivos para testar diferenças.
Os únicos dois estudos que sobram com dados objetivos têm amostras minúsculas: em um deles,
somente 19 atletas trans foram testadas. Conclui-se nele que as atletas
trans estão muscularmente dentro da normalidade feminina. No entanto, a
chance de as conclusões não serem confiáveis por causa da amostra
pequena são consideráveis, e a diferença entre masculino e feminino não
está somente nos músculos. O outro
estudo não considerou atletas, e, também com uma amostra pequena de
transexuais (n=33), concluiu que essas pessoas se exercitam menos, o que
dificilmente é o caso entre trans que desejam ser atletas
profissionais. O mesmo problema de amostras pequenas demais se repete em
outros estudos não citados na revisão, mas citados por divulgadores
progressistas, como dois com as minúsculas amostras n=8 e n=6 .
O
foco principal dessa revisão é político/moral: mais de 30 diretrizes
esportivas sobre o assunto foram consideradas. Os resultados
apresentados no resumo são todos argumentos pró-inclusão, ou seja, são
argumentos da discussão moral, não da científica. A revisão diz que não
há estudos diretos suficientes sobre a vantagem das trans e que por isso
não se pode concluir que elas têm vantagem. Com base nisso os autores
pedem que as diretrizes esportivas que as excluem precisam mudar em nome
da inclusão. Mas essa é uma forma enviesada de fazer uma conclusão,
pois, com os mesmos dados, podemos dizer que não há evidência direta
suficiente, também, de que as trans não têm vantagem em relação às
outras atletas femininas. Além disso, poderíamos tentar chegar a alguma
conclusão plausível pelas vias indiretas ignoradas nesse estudo.
Em
suma, essa revisão não merece ser vista como uma discussão ampla das
evidências disponíveis sobre possíveis vantagens ou desvantagens de
transexuais nos esportes, mas como uma discussão das diretrizes
existentes sobre o assunto nos esportes — que por sua vez deveriam
depender das evidências. Ou seja, a revisão recomenda fazer antes de
saber.
O que as evidências realmente dizem sobre diferenças atléticas entre sexos
O
desenvolvimento sob influência de hormônios masculinos após a puberdade
dá vantagens que dificilmente são perdidas com a transição hormonal
feminilizante. A puberdade tem tamanha influência sobre a performance
atlética que garotos de 14 e 15 anos recordistas superam as melhores
marcas de mulheres que são atletas de elite.
Cerca de 6.500 genes se ativam de forma diferente entre homens e mulheres. Tidas como pequenas, as diferenças físicas entre sexos nas crianças pré-púberes poderiam motivar mudanças na composição de times na educação física. Porém, os meninos passam também por uma “minipuberdade” entre um e seis meses de idade que pode já lhes dar vantagens desde pequenos. De fato, aos nove anos, meninos já são 10% mais rápidos que meninas em corridas curtas.
A
grande arquiteta das diferenças é a testosterona. Ela é 20 vezes mais
alta no sangue dos meninos que no das meninas durante a puberdade, e 15
vezes mais alta em homens de qualquer idade comparados às mulheres de
qualquer idade. As diferenças dificilmente são explicáveis pela cultura.
Desde os anos 1990, as diferenças físicas se mantêm estáveis apesar de
muitos incentivos ao esporte feminino para fechar a lacuna entre os
sexos.
Há
presumivelmente algumas habilidades esportivas em que as mulheres
superam os homens, mas, quando se trata de força, estâmina e outros
atributos físicos, os organismos que passaram por uma puberdade
masculinizante têm mais vantagens. Eis algumas:
Nos músculos: organismos masculinos têm em média doze quilos a mais
de músculos esqueléticos que os femininos. A massa muscular masculina,
além de maior, é mais densa, e o tecido conjuntivo é mais rígido. A
diferença é maior acima da cintura (40%) que abaixo, mas ainda é
substancial nas pernas (33%). Todos perdem massa muscular com a idade,
especialmente após os 50 anos, mas a maior parte dessa perda é na parte
inferior do corpo, não na superior, onde homens e mulheres diferem mais.
Músculos em organismos femininos podem apresentar maior resistência à
fadiga ao exercer força moderada, mas isso se restringe a alguns grupos
musculares e desaparece quando é preciso exercer força máxima.
Para
entender o quanto os homens são mais fortes que as mulheres, tomemos
uma amostra de mais de 7 mil americanos: 89% dos homens têm mais força no aperto de mão
que as mulheres. A força do aperto de mão está positivamente
correlacionada à dos outros músculos do corpo, especialmente acima da
cintura. Com base nela, podemos afirmar que a maioria dos homens é mais
forte que a maioria das mulheres, e a diferença se estabelece logo após a
puberdade, como se pode ver no gráfico.
Nos ossos: não é segredo para ninguém que homens são em média mais altos que mulheres, e que a maior altura por si só já é vantagem em esportes como basquete e vôlei. Nenhuma atleta trans que teve puberdade masculinizante perderá altura com a transição hormonal feminilizante. Mas as vantagens ósseas não se restringem à altura, os movimentos causados pelas diferenças ósseas podem botar as mulheres cis (não-trans) em desvantagem: por causa dos ângulos de inserção dos fêmures na pélvis, as mulheres podem ter mais risco de lesão ao fazer agachamentos. As diferenças de sexo no esqueleto são tão pronunciadas que cientistas forenses já conseguem prever o sexo do organismo inteiro a partir de uma pequena área triangular numa das pontas do fêmur, com 86% de precisão.
Pulmões: no sexo masculino os pulmões têm capacidade de inspirar mais ar
que no sexo feminino, mesmo controlando para o efeito da altura.
Oxigenar o sangue é uma característica vital em qualquer esporte, o que
faz dessa diferença importante. Homens têm também
maior volume de sangue e maior concentração de hemoglobina, traqueia
mais larga, coração maior, sendo mais eficientes em oxigenar seus
músculos.
Dor:
homens e mulheres têm capacidade similar de suportar dores de alguns
tipos (como a causada por bloqueio de circulação sanguínea), mas elas
têm menor tolerância à dor causada pelo frio, pelo calor e pela
aplicação de pressão. São as conclusões de uma revisão
de dez anos de pesquisa e 172 estudos. Como atletas sabem, no pain no
gain (sem dor, sem ganho). E se uma pessoa desenvolvida sob influência
genética masculinizante é mais tolerante a certos tipos de dor, tem
vantagem no treinamento e na competição.
Todas
essas evidências servem para fazer a inferência segura que as atletas
trans têm vantagem física no esporte feminino por terem passado pela
minipuberdade quando bebês e, na maioria dos casos, também pela
puberdade masculinizante propriamente dita. É improvável que a transição
hormonal, especialmente a mais tardia, mude todas essas características
e ponha todas as atletas trans dentro da variação das outras atletas.
Certas características adquiridas pelo organismo exposto a hormônios
masculinizantes são organicamente irreversíveis, como o engrossamento da
voz e o crescimento de barba. É difícil que todas as vantagens físicas
relevantes para o esporte, especialmente envolvendo tecidos que não são
completamente renováveis, sumam por causa do tratamento. Examinando
transexuais que fizeram tratamento hormonal contra os efeitos da
testosterona por um ano, observou-se uma redução de apenas 5% em massa magra, área muscular e força.
Qual é o tamanho das vantagens masculinas, nos esportes?
* Remo, natação, corrida: 10-13%.
* Ciclismo, salto, futebol, tênis, golfe, handebol e salto com vara: 16-22%.
* Críquete, vôlei, long drive, levantamento de peso: 29-34%.
* Beisebol e hóquei: acima de 50%.
Vantagens permanentes
A
maioria das crianças que manifestam disforia de gênero, um sofrimento
psicológico de dissociação entre o sexo do corpo e o sexo da
autopercepção, não tem na transição hormonal (ou cirurgias) o melhor
tratamento para sua condição. A Associação Psicológica Americana calcula essa maioria entre 50 e 88%. Com o tempo, a disforia costuma se resolver nelas.
Os
motivos da manifestação da disforia são desconhecidos, mas é
informativo que há uma proporção maior de homossexualidade entre essas
pessoas que manifestam disforia, mas não transicionam, que na população
em geral. Para uma minoria das pessoas que manifestam disforia,
evidentemente, a transição hormonal para a identidade sexual de sua
preferência é um tratamento salutar. No entanto, por causa desses
números, além de motivos relacionados à capacidade de consentir e
responder por si que não atribuímos moral/legalmente às crianças, é bem
raro que uma atleta transexual não tenha passado pela puberdade
masculinizante, que é o evento central no desenvolvimento que confere as
prováveis vantagens discutidas aqui.
Conflito entre inclusão e mérito
Como
sabemos, os jogos esportivos, especialmente profissionais, envolvem
regras que valorizam o mérito: o objetivo é que vença o melhor. Mas com
uma sutileza: é um melhor que não era de forma óbvia determinado para
ser o melhor antes de a competição começar. São regras que tentam
capturar um equilíbrio fino entre se aproveitar de vantagens acidentais e
colher os louros do esforço e da determinação.
Estamos
em tempos em que as histórias de bullying e vitimização atraem atenção,
com frequência poder e às vezes dinheiro. A história da criança
traumatizada porque não foi escolhida para o time na aula de educação
física é contada e recontada. O enredo é basicamente o mesmo, só mudam
os atores. Poucas vezes a história é contada do ponto de vista da
criança que estava escolhendo os membros do time. Sutilmente ela é
sempre acusada de preconceito, ou seja, de usar características
arbitrárias para escolher seus colegas de time. O mundo, no entanto, é
mais complicado do que contam as narrativas preocupadas com traumas e
vítimas: o fato é que as crianças diferem entre si inclusive em
habilidades esportivas, e a criança líder do time tenta botar em seu
próprio as coleguinhas que parecem as mais capazes de lhe dar a vitória,
e não há nada de errado em querer vencer.
É
importante que as crianças aprendam que as aparências às vezes enganam,
que não há nada de errado em um menino ser afeminado e em uma menina
ser mais forte que a maioria dos meninos da sua idade. São variações
raras. E que é honroso que façam as pessoas raras se sentirem aceitas,
que são parte da sociedade. Mas também é importante que as crianças
aprendam que, independentemente de suas vantagens ou desvantagens de
nascença, elas podem trabalhar em si mesmas para se destacarem em alguma
habilidade. Inclusão é importante, mas premiar competência e trabalho
duro também é.
Perseguir
o valor único da inclusão e ignorar que temos que negociar entre coisas
valiosas, que muito de uma coisa importante pode causar a queda de
outra, não é criar uma sociedade em que a vida é confortável para todos.
É criar um pesadelo politicamente correto e opressivo à liberdade e à
competência, e em consequência, a todas as funções e instituições que
dependem disso. As atletas trans devem ser livres para perseguir o seu
mérito, mas a sua inclusão não deve vir com o preço de deteriorar as
chances das outras atletas — o que nos esportes de luta chega a
significar risco maior de traumatismo craniano para as últimas, no caso de haver de fato vantagem biológica para as primeiras.
Há
aqui outro ponto importante: pode estar havendo uma tentativa de um
grupo político obcecado com a inclusão de corromper uma comunidade
baseada em regras milenares que valorizam o mérito. Esse tipo de
colonização de um grupo por outro deveria assustar a todos, inclusive às
pessoas trans, que são usadas como instrumento de um projeto
autoritário de uma tribo política que quer flexionar seus músculos
perante as outras. Quanto mais se politiza uma parte da vida social,
menos as pessoas a valorizam pelos motivos pelos quais ela existe, e
mais desviam a sua função para a infindável guerra tribal da política.
Tomar decisões ignorando evidências certamente parece uma manobra nessa
queda de braço política, não apenas uma virtuosa tentativa de inclusão.
Existem soluções além da tradição?
Há
um empecilho natural à “pureza” da hierarquia por competência
esportiva: as vantagens genéticas que existem na variação entre os
indivíduos. Por exemplo, Eero Mäntyranta, finlandês multi-medalhista do
esqui, tinha uma mutação no gene EPOR que lhe conferia a vantagem de seu
sangue carregar 50% mais oxigênio que o dos outros atletas. Alguns
atletas são desqualificados nos testes antidoping por tomar a droga
eritropoietina (que ocorre naturalmente no corpo) para tentar obter a
mesma vantagem que Mäntyranta tinha por acidente da natureza. A vantagem
genética dele era, presumivelmente, localizada num gene só. A diferença
genética entre um corpo masculino e um feminino, por sua vez, está em
cromossomos inteiros e na expressão de mais de seis mil genes, tendo os
hormônios sexuais um papel coordenador do desenvolvimento.
Nas
diferenças físicas entre homens e mulheres há sempre alguma
sobreposição na variação: uma minoria de homens cujas características
físicas são típicas do grupo das mulheres, e outra de mulheres cujas
características físicas são típicas de homens. Uma política inclusiva
que não ignorasse a ética meritocrática do esporte precisaria ser
baseada em conhecimentos mais precisos das diferenças naturais e de
estabelecer, com base nelas, limites objetivos para várias
características físicas, não só o nível de testosterona. Assim, as
pessoas poderiam ser admitidas independentemente do sexo, com base
nesses limites, em modalidades objetivas, como se faz nas categorias de
peso do boxe.
Estabelecer limites objetivos é melhor que as regras atuais do antidoping, como argumenta
o eticista Julian Savulescu, porque essas regras dependem de distinções
meio arbitrárias entre melhoradores de performance naturais e
artificiais. A cafeína, droga que melhora a performance, é permitida,
enquanto a eritropoietina, natural no corpo, é proibida. Simplesmente
não serve alegar que a cafeína é natural e a eritropoietina é
artificial. Melhor é estabelecer níveis aceitáveis de ambas no sangue.
Regras baseadas nos limites objetivos seriam melhores também do ponto de
vista da liberdade: todo indivíduo estaria livre para melhorar a si
mesmo como quiser e puder, e para experimentar com seu corpo, mas dentro
dos limites esportivos se quiser ser atleta profissional.
Da
economia aos esportes, dar liberdade aos indivíduos sempre funcionou
melhor para fazer inclusão social do que tentar planejar barreiras
arbitrárias. Certamente não funcionou, no basquete, a exclusão de negros
durante a segregação racial nos EUA.
Mas
há, neste cenário futurístico de atletas competindo com base em
limiares objetivos de características físicas, um grande problema: seria
muito caro executar e coordenar tudo isso. Já tem custo proibitivo,
hoje mesmo, testar todos os atletas para o doping. Seria muito mais
barato manter o esporte separado nas modalidades masculina e feminina, o
que já inclui a ampla maioria de atletas mulheres e homens. Em nome da
inclusão, poderia ser criada uma exclusão maior ainda de atletas pobres,
que não conseguiriam investir em si mesmos para alcançar os limiares
fisiológicos nem para serem testados. Queremos ou podemos pagar o preço?
Como diz em seu relatório
o Grupo de Igualdade dos Conselhos Esportivos britânicos, a
categorização do esporte entre feminino e masculino é a mais útil e
funcional com relação à performance. Na maioria dos esportes, é mais
justo e mais seguro que atletas trans sejam incluídas na modalidade
masculina, na qual não têm vantagem, que se tornaria, portanto, aberta
(ou, do ponto de vista do sexo cromossômico, permaneceria a mesma). A
análise caso a caso, embora bem-intencionada, tem o defeito do alto
custo e da falta de mecanismos para verificação.
Mas
é possível que se encontrem meios criativos de inclusão que não
envolvam pôr em risco o fair play dentro de uma categoria esportiva.
Ninguém, afinal, está dizendo que incluir não é importante. Ocorre que
somente quem vive na utopia pensa que podemos enfatizar todas as coisas
importantes ao mesmo tempo, sem que uma pague o preço quando se exagera
na defesa de outra.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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