BLOG ORLANDO TAMBOSI
“Mulher” é conceito “segregacionista” (utilizar “pessoa com colo do útero”). A matemática é uma “construção social”. O método científico é “colonialista”. Esta gente é um maná para a psiquiatria. A crônica semanal de Alberto Gonçalves para o Observador:
Ia
escrever sobre o novo Super-Homem, filho de Clark Kent e Lois Lane.
Ignoro o que aconteceu ao velho, mas este namora com um amigo japonês de
cabelo roxo, combate fogos florestais “causados” pelas alterações
climáticas, preocupa-se com a deportação de refugiados em Metrópolis e
impede tiroteios em escolas. Só lhe falta reverter a rotação da Terra
para recuar na cronologia e conseguir que o progenitor procrie com uma
senhora de etnia “minoritária”, de modo a que ele renasça inter-racial.
Ou promover a vacinação compulsiva. Eis os principais superpoderes dele:
levar a sério os “pivots” da CNN; usar máscara para a Covid mesmo na
Fortaleza da Solidão; ser um chato sem redenção. O seu ponto fraco, além
da susceptibilidade à kriptonita, é o humor.
Se
escrevesse sobre o novo Super-Homem, ligaria o assunto à recente
necessidade de a banda desenhada “acolher a diversidade” (jargão em
voga). Hoje há super-heróis homossexuais, negros e, provavelmente,
muçulmanos, tudo para não “perder a oportunidade” (jargão) de promover a
“inclusão” (santa paciência). E lembraria que existem “comics” pelos
vistos não regeneráveis, ou indignos de salvação pelas igrejas
totalitárias do momento. Nos EUA, a Disney desatou a censurar os seus
filmes e parques de diversão. No Canadá, livros de Tintim e Astérix
foram literalmente queimados por darem uma “representação negativa” dos
povos indígenas (é curioso que só os brancos nunca são indígenas de
parte nenhuma. Se o termo não fosse agora considerado insultuoso para os
extraterrestres – juro – perguntaria se os caucasianos são “aliens”? ).
E por aí fora. Porém, não muito fora daí. É natural que o movimento
“woke” (chalupa, em português e seja em que língua for) se concentre em
farejar discriminações em produtos juvenis: apenas uma ínfima minoria
chega ao “racismo” em Faulkner. A maioria prefere caçar Blyton ou
Kipling ou o Capuchinho Vermelho. E suspeito que os recorrentes ataques a
Mark Twain se baseiam em versões animadas de “Huckleberry Finn”.
Sucede
que não vou escrever sobre o novo Super-Homem, que de resto estará a
manifestar-se à porta da Netflix, em San Jose, por causa do “especial”
de Dave Chappelle. É sobre isto que vou escrever. No programa, estreado
há 15 dias, Chappelle brinca com os transsexuais. Reacções das pessoas
normais? Rir; não rir; mudar de “canal”. Reacções dos “woke”? Berreiro
doido, exigências de remoção do programa, ameaças ao comediante e a quem
o sustenta, reivindicações de aumento salarial aos “transsexuais” que
trabalham na empresa de “streaming”, etc. Um branco que julga ser uma
negra, autor de uma série da Netflix intitulada “Dear White People”,
demitiu-se. Em suma, a ideia é “cancelar” Chappelle, e por
“cancelamento” entenda-se a actividade favorita de qualquer fascista que
se preze.
Qual
foi, afinal, o crime de Chappelle, uma gota no oceano de blasfémias?
Lembrar que uma vagina criada cirurgicamente não é bem uma vagina. Nem é
piada: é evidência. A piada está na fúria com que os “woke” se atiram
às evidências. A gravidez não é exclusiva às mulheres. “Mulher” é
conceito “segregacionista” (por favor utilizar “pessoa com colo do
útero”). A matemática é uma “construção social”. O método científico é
“colonialista”. Esta gente é um maná para a psiquiatria.
Lamentavelmente,
esta gente não vai ao psiquiatra: vai para as universidades, para as
televisões, para as “redes sociais” e para a rua, onde grita a pedir
punições e a proclamar-se “ferida” na sua “sensibilidade”. Ora a
“sensibilidade” de transtornados deve inspirar uma resposta clara: não
me interessa. Tal como, para lá do ocasional pretexto cómico ou
romanesco, não interessa a sexualidade ou a “raça” de ninguém, não
convém valorizar taradinhos que se servem da sexualidade ou da “raça”
para se mostrarem “ofendidos”. E que julgam que “ofendido” é estatuto. E
que aproveitam o estatuto para tentar eliminar a liberdade alheia.
Ao
substituir o que antigamente se chamava conhecimento por clichés e
histeria inquisitorial, o movimento “woke” é coisa de fanáticos e
ignorantes. Ceder-lhe, um pedacinho que seja, é legitimar o fanatismo e a
ignorância. Quando, por compaixão ou cobardia ou oportunismo, o mundo
recua perante o avanço dos inquisidores, são as trevas que ganham. E,
amputado de verdade, memória, contradição, desgraça e graça, é o mundo
que perde. Não é bonita uma paisagem repleta de virtuosos, sobretudo
quando a virtude esconde, e mal, o tipo de cegueira redentora
responsável pelas maiores vergonhas da História. As vergonhas não se
apagam: se possível, evitam-se.
Já
não é possível evitar o primitivismo “woke”. É possível vencê-lo? Não
sei. Sei que os malucos são menos numerosos do que o respectivo ruído dá
a entender. E que as “comunidades” imaginárias que invocam, sexuais,
raciais ou o que calha, não são clubes coesos, com cartão de sócio e
opinião única. E que as embaraçosas concessões dos “media” e do “show
business” acabam quando, por falta de público para lixo anódino,
hipócrita e expiatório, se perceber que a alternativa é acabarem os
“media” e o “show business”. E que a abdicação de políticos comuns em
prol de dementes com ambição e “agenda” é capaz de lhes sair pela
culatra em matéria eleitoral. E que, conforme é hábito nas purgas, os
doidos concorrem entre si para escolher o mais puro, e destruir os
impuros no processo: houve um tempo em que, por exemplo, os fanáticos
viam um aliado em Chappelle, sobre quem, reparo, também não escrevi.
No
fundo, escrevi sobre o que me apeteceu e da maneira que me apeteceu,
mania em perigo e em desuso. Eventuais ofendidos são um bónus.
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