A Bolsa Modess da Dona Tabata merece ser chamada de retrocesso. O Bolsa Família deu certo apostando na liberdade do pobre em escolher como gastar o próprio dinheiro, ao tempo que reduzia a burocracia. Bruna Frascolla para a Gazeta do Povo:
Guardei
o papelzinho do absorvente Always. Aquele papelzinho que puxamos para
colar o absorvente na calcinha. Nele, para a minha surpresa, vinha um
monte de florezinhas e escritos motivacionais: “Força”, “Meu jeito/
Nossa vitória”, “Seja o lado bom”, “#TamosJuntas”, “Não desista”,
“Meninas Podem!”, “Acredite” e “Permita-se!”. Algum publicitário idiota
acha perfeitamente normal e sadia a ideia de receber motivação impessoal
e anônima de um absorvente. É mal generalizado; vemos um monte de
frases piegas e anônimas espalhadas por placas. Eu não quero viver numa
sociedade em que todos presumem que sou uma órfã que precisa de empatia,
e muito menos numa sociedade em que a empatia venha de coisas
inanimadas como um papelzinho de absorvente.
Mas
ao ver a montanha de florezinhas me ocorreu também que o produto hoje é
voltado para uma faixa etária baixa, para adolescentes em vez de
mulheres feitas. Com a pílula, é provável que os absorventes
descartáveis tenham visto sua receita despencar ao longo dos anos. Qual a
solução? Lobby! Basta emplacar uma compra bem grandona com governos.
Triste história contada pela Always
Você
na certa viu a tristíssima estatística de que um quarto das meninas
faltam às aulas por não poderem comprar absorventes descartáveis. Essa
estatística é repetida sem que se fale sempre na sua origem: um estudo
da Always. Tem hora que o Brasil é pior que o mundo no que concerne ao
tratamento dado a homossexuais, graças aos dados do GGB (Grupo Gay da
Bahia). E tem hora que é pior que o mundo, graças aos dados da Always:
“A ONU estima que 1 em cada 10 meninas falte a escola durante a
menstruação, e no Brasil esse índice é ainda pior. Segundo a pesquisa, 1
em cada 4 mulheres já faltou a aula por não poder comprar absorventes.
Quase metade destas (48%) tentaram esconder que o motivo foi a falta de
absorventes e 45% acredita que não ir à aula por falta de absorventes
impactou negativamente o seu rendimento escolar.
Empresas
privadas se comportam como ongueiros – aliás, arranjam até uma ONG de
fachada para mascarar o seu lobby. Como mostrou a cientista política
Marize Schons em suas redes sociais, a P&G, dona da Always, é uma
financiadora da ONG Girl Up. E essa ONG é a responsável por criar um
projeto para usar o seu dinheirinho para “combater a pobreza menstrual” –
termo que ninguém conhecia e que de repente parece um problema
urgentíssimo.
A
jornalista Paula Schmitt comparou a conduta dos lobistas à dos cracudos
que pedem para pessoas decentes comprarem o leite das crianças. Ela tem
razão; afinal, um jeito bem eficaz de tirar dinheiro dos outros é dizer
que é para ajudar criancinha pobre. Depois o cracudo revende o leite e o
lobista faz a festa com a licitação.
E os movimentos liberais, hein?
Nas
redes sociais, políticos do Novo, do MBL e a conta oficial do Livres
têm defendido que Bolsonaro é mau como um pica-pau por não ter apoiado a
Bolsa Absorvente da Dona Tabata. A Bolsa Modess seria super compatível
com o liberalismo porque absorvente não é privilégio. E comida? Comida é
mais importante que absorvente. Será então que o governo deveria abrir
licitação de feijão pra distribuir?
Isso
lembra o debate do início dos anos 2000 em torno do Bolsa Família.
Quando Lula assumiu, queria implementar o Fome Zero, que coletava
alimentos e os distribuía aos necessitados. O projeto acabou abandonado.
Com a introdução dos economistas liberais por Palocci, Lula largou os
economistas da Unicamp e adotou figuras como Marcos Lisboa, que cito:
“José Márcio Camargo e Francisco Ferreira fizeram então a proposta de
unificar todos os programas de transferência de renda [do governo FHC,
tais como Bolsa Escola e Vale Gás] e distribuir os recursos para as
famílias mais pobres com filhos na escola. No lugar de variados
programas que subsidiavam o consumo de bens específicos [tais como a
novidade da vez, que é o absorvente descartável], seria preferível
transferir renda, dinheiro, diretamente às famílias extremamente pobres.
Caberia a elas, então, decidir como melhor utilizar esses recursos para
atender às suas necessidades. Foi esse o caminho afinal tomado pelo
governo – o da unificação e focalização dos programas de transferência
de renda –, apesar da oposição feita por muitos economistas e
intelectuais ligados ao PT. O mérito por essa guinada é do presidente
Lula, com o apoio decisivo do ministro Antonio Palocci. Eles souberam
reformular a política social – e abraçar a agenda liberal – quando ficou
claro o fracasso das propostas originalmente defendidas pelo PT, como
Fome Zero e Primeiro Emprego. Nascia assim o Bolsa Família.”
A
Bolsa Modess da Dona Tabata merece ser chamada de retrocesso. O Bolsa
Família deu certo apostando na liberdade do pobre em escolher como
gastar o próprio dinheiro, ao tempo que reduzia a burocracia. Desde a
época do PT, as meninas pobres têm o dinheiro do Bolsa Família para
comprar absorventes. É claro que a mãe da menina vai saber melhor do que
o Estado quantos pacotes a filha usa por mês e qual modelo é o seu
preferido. (Com abas? Sem abas? Precisa de absorvente noturno ou o fluxo
é pouco?) Agora, a menina pobre tem uma outra receita para comprar
absorventes: o Auxílio Brasil, que Bolsonaro quer unificar com o Bolsa
Família mantendo a filosofia liberal.
Em
matéria de liberalismo, Tabata, o Novo, o MBL e o Livres estão mais
perto de Maria da Conceição Tavares do que de Marcos Lisboa. Podem ir
dar aula de economia na Unicamp e na UFRJ. Ou isso, ou sua atuação
política é lobby disfarçado de preocupação com os brasileiros.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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