MEDIÇÃO DE TERRA

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MEDIÇÃO DE TERRAS

domingo, 10 de outubro de 2021

Narrativa do PT para 2022, tentando “justificar” o petrolão, não se sustenta nos fatos

 


Nani Humor: CORRUPÇÃO NA PETROBRAS

Charge do Nani (nanihumor.com)

Malu Gaspar
O Globo

Oficialmente, a campanha de 2022 ainda não começou, mas na prática os partidos já estão testando os discursos para a disputa presidencial. Na estratégia do PT, a prioridade é reescrever a história do petrolão.

A presidente da legenda, Gleisi Hoffmann, vem aproveitando todas as oportunidades para negar que tenha havido corrupção sistêmica ou mesmo superfaturamento nos contratos da Petrobras nas gestões de Lula e Dilma Rousseff. A mais recente foi nesta sexta-feira, em Brasília, em uma entrevista coletiva.

MINICURSO – O partido anda tão certo de que vai emplacar a narrativa que já planeja até um “minicurso” de três horas para seus parlamentares aprenderem a se defender de acusações relativas ao petrolão e à Lava-Jato.

É difícil entender de onde vem tanta confiança, uma vez que os fatos não sustentam a versão que o PT quer vender ao público.

“Nenhum contrato da Petrobras foi superfaturado. E isso não sou eu que tô dizendo, quem diz isso são as auditorias feitas nos contratos”, disse Gleisi na sexta-feira. “A Petrobras é uma empresa de capital aberto, opera inclusive na Bolsa de Valores de Nova York, e esses contratos estavam corretos. Portanto, não houve desvio de dinheiro da Petrobras. Isso é importante dizer, porque uma mentira fica sendo repetida e vai criando nas pessoas a ideia que não deve ser criada”.

ERA UM CARTEL – A palavra superfaturamento foi escolhida a dedo, uma vez que a Petrobras não usa esse termo em seus documentos. Primeiro porque o que existia no Brasil era um cartel de empreiteiras. O cartel foi confessado por seus membros e amplamente documentado, não só pela Lava-Jato mas também em acordo de leniência com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), autarquia do governo federal.

Num cartel, as empresas decidem os preços, e por isso não há livre concorrência e nem base de comparação no mercado. Isso não quer dizer que não haja evidências de sobrepreço ou desvio de dinheiro nos contratos. Vamos a elas.

Primeiro, uma informação que a própria Petrobras incluiu no balanço de 2014. A companhia estimou em US$ 2.5 bilhões – ou R$ 6,2 bilhões pelo câmbio da época – as perdas com “valores que a Petrobras pagou adicionalmente” por ativos envolvidos no petrolão.

“PAGAMENTOS INDEVIDOS” – O documento diz que “um conjunto de empresas que, entre 2004 e abril de 2012, se organizaram em cartel para obter contratos com a Petrobras, impondo gastos adicionais nestes contratos e utilizando estes valores adicionais para financiar pagamentos indevidos a partidos políticos, políticos eleitos ou outros agentes políticos, empregados de empreiteiras e fornecedores, ex-empregados da Petrobras e outros envolvidos no esquema de pagamentos indevidos”.

Como se vê, a própria estatal afirma que houve desvio. E o dinheiro foi de suas contas para as das empreiteiras, e dali para os políticos. Valores adicionais, nesse caso, são sim o bom e velho superfaturamento – ou “custo político”, como já ouvi diversas vezes de empreiteiros, delatores ou não, nos últimos seis anos.

O balanço da estatal foi publicado em 2015, ainda na gestão de Dilma Rousseff.

OUTRA NARRATIVA – Gleisi disse à Globonews, no domingo passado, que a firma de auditoria da Petrobras, a PriceWaterhouseCoopers, foi obrigada pela Lava-Jato a atestar as perdas.

Não foi isso o que aconteceu. Na época, a Petrobras ficou meses sem publicar balanço por conta do impasse entre governo e a diretoria, comandada pela amiga pessoal e executiva de confiança de Dilma, Maria das Graças Foster. Como o governo não queria admitir perdas por corrupção e não concordava com as contas feitas pela Price, Foster e toda a diretoria renunciaram. A nova diretoria, também nomeada por Dilma, só cedeu porque, sem balanço, a companhia poderia ter suas dívidas vencidas executadas pelos credores.  

Quando afinal o documento foi publicado, a Petrobras ainda foi admitida como assistente de acusação do Ministério Público nas ações judiciais. Já recebeu de volta mais de R$ 6 bilhões, um dinheiro que saiu da Petrobras e não foi nem para obras nem para serviços. Em bom português, dinheiro desviado de obras superfaturadas.

DOIS EXEMPLOS – Um dos contratos em que o esquema foi mais explícito é o da construção da refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, programada para custar US$ 13,4 bilhões e processar 230 mil barris de petróleo. Mas, segundo o Tribunal de Contas da União, a refinaria consumiu US$ 26,2 bilhões em valores atualizados e até hoje só processa metade desse volume previsto.

O relatório do TCU concluído em 2016 diz que “de todo o investimento aplicado pela empresa, cerca de US$ 19 bilhões, não retornarão ao longo da vida útil da refinaria”. Ou seja, não será recuperado nunca mais.

Outra obra simbólica foi a do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro, o Comperj, orçado inicialmente em US$ 8,4 bilhões e até hoje não concluído. Em 2017, o TCU (e não a Lava-Jato) calculou o prejuízo com o Comperj em US$ 12,5 bilhões, e ainda bloqueou R$ 544 milhões de oito empreiteiras justamente para ressarcir valores superfaturados.

TORRE DESERTA – Menor, mas igualmente impressionante, é a torre Pituba, em Salvador. Orçado em R$ 320 milhões e construído por R$ 1,3 bilhão por OAS e Odebrecht, foi um empreendimento conjunto da Petrobras com o fundo de pensão Petros. Tem 22 andares e foi projetado para abrigar 14 mil funcionários. A garagem, com capacidade para 2 700 veículos, é a maior de Salvador. Nunca trabalharam lá mais do que 2 000 pessoas em dois andares.

Executivos da OAS confessaram ter pago propinas milionárias a dirigentes do PT e da Petros pelo contrato. O edifício foi desocupado no ano passado, mas a Petrobras continuará pagando aluguel à Petros até 2036. O fundo de pensão ficou com despesas de manutenção e IPTU do edifício.

Os casos são muitos e é possível encontrar provas de todos eles sem abrir nenhum processo da Lava-Jato. Envolvem bem mais gente e partidos do que só o Lula ou o PT. Talvez seja mais conveniente o partido rever sua estratégia. Porque segurar uma campanha inteira só com fatos alternativos vai custar bem mais do que três horas de cursinho para seus quadros.

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