Que a Torre de Babel hoje em dia atenda pelo nome de progressismo é apenas um detalhe. Via Gazeta, a crônica de Paulo Polzonoff:
Ando
incomodado com meus textos sérios e/ou melancólicos demais. É fase, eu
sei, mas nessas horas parece que todas as imagens potencialmente
engraçadas dão uma de cubanos e fogem da minha cachola autoritária. Olho
para o futuro mais imediato, para daqui a algumas horas ou dias, e não
vislumbro nada que possa virar riso. E, tudo bem, gosto de compartilhar
também reflexões mais sisudas. Mas toda essa pressão sobre a alma tem
que encontrar uma válvula de escape.
Infelizmente,
não vai ser desta vez que minha casmurrice dará lugar à galhofa. Estava
aqui absorvendo notícias de que a linguagem neutra passará a ser usada
nas novelas e também vários textos declarando guerra ao consumo de
carne. E, quando dei por mim, me vi atirado no chão, mais uma vez
imaginando distopias as mais tenebrosas possíveis - por mais chacotas
que eu consiga incluir nelas.
Foram
necessárias várias horas para que, depois de um esforço consciente,
conseguisse me livrar do medo desse futuro no qual as ideias mais
extremadas do progressismo são realidade. Me ajudou nesse passeio pelo
mundo dos Jetsons, ou melhor, Jetoffprings as palavras sempre
apaziguadoras do ultraponderado Alan Jacobs.
Em
seu livro mais recente, “Breaking Bread With the Dead” [Comungando com
os mortos], ele vislumbra brevemente um futuro no qual nós, onívoros
atuais, somos vistos com ojeriza por uma Humanidade tão "evoluída" que
quem não aderiu ao veganismo se restringe a comer proteínas sintéticas
na forma de filés geometricamente perfeitos criados em impressoras 3D.
Com muita calma e parcimônia, como lhe é característico, Jacobs nos
convida a compreender esses humanos do futuro e suas escolhas (muitas
delas sem dúvida alguma semeadas no presente).
Não
é uma ideia de fácil assimilação, essa de que as pessoas não só
rejeitarão o consumo de carne como também verão com assombro e ojeriza
seus antepassados onívoros. Mas daí sou obrigado a olhar criticamente
para o umbigo e evocar a sabedoria de Bill Bryson, que descreve esse
incômodo como algo natural - e até risível. À medida que envelhecemos,
percebemos que o mundo não mais nos pertence. E nos revoltamos e nos
indignamos com isso. E queremos manter as coisas como eram perfeitas em
nossas lembranças. Daí a ranzinzice que caracteriza os velhos.
Jacobs
vai além em sua provocação e faz uma analogia (a meu ver
despropositada) entre o consumo de carne e a escravidão. Para alguns
(não todos!) donos de escravos no século XIX, era impensável que 150
anos mais tarde os negros fossem livres e que a simples memória da
escravidão gerasse tanto sofrimento. E para nós, hoje, é impensável que
os donos de escravos não fossem pessoas más. Simplesmente não
conseguimos nos transportar para um sistema de valores diferentes dos
atuais. Falta-nos, para isso, um bocado de imaginação. Para não falar na
compaixão.
Os
valores mudam. Às vezes para melhor, às vezes para pior. Às vezes
avançam e às vezes retrocedem. Sempre se adaptando às necessidades de
cada época. Tenho certeza, por exemplo, de que o transgressor Oscar
Wilde jamais imaginou que em um século os homossexuais seriam aceitos
nas sociedades ocidentais e se tornariam tão influentes a ponto de impor
toda uma pauta sobre a tal heteronormatividade. Duvido que ele tenha
imaginado que, na sua condição de gay, pudesse vir a ser cancelado por
sua branquitude ou por não defender a linguagem neutra ou a ideologia de
gênero.
Quando
olho para a frente e vislumbro um tempo em que já não mais estarei
aqui, o que vejo ainda é a tirania do progressismo, em suas
manifestações mais absurdas. Não é difícil antever um tempo em que as
políticas de reparação raciais criem uma sociedade na qual a branquitude
seja um mal em si. Também não é difícil imaginar um mundo onde a elite
se comunica pela linguagem neutra, legando a linguagem “comum” à ralé.
Se fecho os olhos por um instante, vejo facilmente a abolição do sexo
biológico. Mas talvez (talvez!) tudo isso não passe de um olhar
distorcido de alguém que já começou a perceber que o mundo não mais lhe
pertence.
De
qualquer modo, convém dizer o óbvio: não há nada de novo sob o Sol. No
fundo, somos os mesmos homens falhos que desde tempos imemoriais desejam
alcançar os céus construindo estruturas frágeis que recebem nomes de
acordo com a conveniência da época. Que a Torre de Babel hoje em dia
atenda pelo nome de progressismo é apenas um detalhe.
blog orlando tambosi
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