BLOG ORLANDO TAMBOSI
Onde estão os nossos grandes jornalistas, os nossos bons repórteres, os nossos avalizados entrevistadores? Certamente que alguns existem mas, na sua maioria, o panorama não é famoso. Francisco Rangel da Fonseca para o Observador:
Por
alturas do 25 de Abril voltámos a ler e ouvir uns tantos, sejam
políticos, comentadores mediáticos, ou mesmo jornalistas, dizer da
necessidade da defesa das liberdades que Abril nos devolveu. Em
particular, este ano, muito se disse da liberdade de expressão e da
necessidade da sua defesa. O que em si pressupõe que a liberdade de
expressão está ameaçada. Estará?
Semanas
atrás, intercalada em debate num programa da RTP Fronteiras XXI sobre
discursos extremistas e fragmentação da opinião, surgiu uma entrevista
com o professor da universidade de Oxford, Timothy Garton Ash, conduzida
pela jornalista Márcia Rodrigues, que se focava na liberdade de
expressão. Nela o entrevistado afirmava que a liberdade de expressão
está sempre ameaçada, posto que hoje a considere mais ameaçada do que há
dez anos atrás. Mencionou que algumas dessas ameaças viriam do
terrorismo político internacional, da desinformação russa, da pressão
dos governos e das redes sociais. Como ainda do politicamente correcto
ou do discurso unificado. Enfatizou que também a democracia precisa da
liberdade de expressão, para se poderem tomar boas decisões nas nossas
políticas. Esclareceu ainda que liberdade de expressão não é só dizer o
que se pensa, mas sobretudo fazer debates civilizados.
Tive
para mim que, com fazer debates civilizados, não se referia a civismo
nos ditos, o que muito ajuda também, mas antes a civilização. Ou seja, o
que está a acontecer no mundo, de que modo as mudanças em curso estão a
influenciar as nossas vidas, que políticas deveremos tomar para apoiar
as pessoas a melhor as compreenderem e se adaptarem às novidades, tanto
no plano prático do nosso dia-a-dia, como no legislativo e no ético, ou
tão só para nos prevenirmos dos riscos inerentes às mesmas.
Dias
atrás foi a vez de o Comité Nobel atribuir o prémio da paz 2021 a dois
jornalistas, a filipina Maria Ressa e o russo Dimitry Muratov, pela sua
luta em defesa da liberdade de expressão. Ao fazê-lo quis sobretudo
reafirmar ao mundo, com o peso sua voz, que a liberdade de expressão é
imprescindível à democracia e à paz.
Posso
bem perceber que, também por cá, a liberdade de expressão sente as suas
ameaças, o que em minha opinião, que valerá apenas o que vale, virão
não só do governo, mas também dos detentores dos órgãos de comunicação
social. Creio que, neste particular, os directores dos nossos órgãos de
informação se sentirão algo encurralados entre estas pressões vindas de
fora e algumas das pressões que, em sentido oposto, por vezes lhe virão
das respectivas redacções, mas lá as irão gerindo no melhor equilíbrio
possível. Assumo todavia que não será fácil a vida profissional de um
director de informação.
Outro
fenómeno, que se me afigura ainda como ameaça, residirá nos, também
mencionados, politicamente correcto e discurso unificado, ambos hoje
aparentemente bem aceites e, infelizmente, até bastante comuns. Os
tempos de pandemia disto têm sido um bom exemplo. Se alguém exprimia
opinião algo diferente da do discurso oficial, logo os demais lhe caíam
em cima. Curioso era por vezes verificar que, tal como um relógio parado
estará certo duas vezes por dia, essa mesma opinião acabava, em algum
momento posterior, por vir a coincidir com o discurso oficial, tais as
mutações que este ia sofrendo. O caso das máscaras, que de
desaconselhadas foram evoluindo até obrigatórias na praia, é disso
sintomático.
Mas
a estas ameaças à liberdade de expressão, acrescentaria uma outra que,
pessoalmente, cuido tão importante como as demais. A qualidade do nosso
jornalismo. E esta vem de dentro, da própria comunicação social. Onde
estão os nossos grandes jornalistas, os nossos bons repórteres, os
nossos avalisados entrevistadores? Certamente que alguns existem mas, na
sua maioria, o panorama não é famoso. Bastará andar na rua para se
perceber que este sentimento está cada vez mais presente em muita gente,
sendo que muitos reagem deixando de comprar jornais (pelo menos os não
desportivos), limitando-se a espreitar algumas notícias no tv, pois este
já está pago, e mesmo assim quando não se discute o jogo que vai ser ou
o jogo que já foi.
Eu,
porém, não desisto dos nossos jornais, antes tentando colmatar as suas
insuficiências com a leitura de alguns outros internacionais, em
particular americanos, franceses ou ingleses, já que alemão não consigo
ler, assim me tentando manter informado e, no mínimo, tentar perceber
como e para onde caminha este nosso fantástico e complexo mundo.
Que
me perdoem os jornalistas, profissão que muito estimo e admiro, mas é o
que presentemente, do lado de cá, como consumidor de informação, sinto.
E se aqui tão directamente assim o digo, por favor não o levem à guisa
de mera crítica, que naturalmente também a é, mas antes o leiam como um
incentivo a investirem na melhoria da qualidade do nosso jornalismo,
pois bem precisamos dela. Precisamos nós, precisam os nossos políticos e
precisa a nossa democracia.
É
certo que hoje, contrariamente ao que sucedia com os da minha geração
(ainda sou do tempo do telex), temos jornalistas formados
profissionalmente nas respectivas escolas, o que nos permite ver
programas de informação muito bem apresentados e ler ou ouvir
reportagens muito bem organizadas. Já o conteúdo vai por vezes deixando
algo a desejar.
Uma
coisa é debitar as notícias do dia, missão primeira do jornalismo, e
constatar que algo se está a passar, coisa diversa já será debater a
raiz dos problemas e o sentido das mudanças que muitas notícias
preconizam. Mas para perceber o que se está a passar, o que certas
notícias poderão representar socialmente ou de que modo poderão informar
as nossas vidas, ou as nossas políticas, aí sim, os debates, tal como
os artigos de opinião, já terão, ou pelo menos deveriam ter, a sua
mais-valia. E não bastará garantir-lhes um certo pluralismo, é
necessário ir mais longe.
Talvez
que a maior mudança que nos tempos hodiernos vivemos seja a da evolução
(para não dizer mesmo revolução) tecnológica. O seu impacto social está
a ser enorme e veloz. No modo de estar, de trabalhar, de comunicar, de
educar, de deslocar, de conviver, de cuidar da saúde, de entreter, e até
de noticiar.
Todos
nós sentimos o impacto destas mudanças no nosso dia-a-dia. Mas tanto
adolescentes como jovens já crescem e vivem num mundo muito diferente do
que ainda lhes é apresentado. Por isso que o discurso político dos
partidos tradicionais, que se têm mostrado incapazes de lidar com essas e
várias outras mudanças, ou mesmo de as reconhecer, já nada lhes diz e
eles lá se vão refugiando, uns na abstenção, outros, para aqueles
castigarem, em pequenos partidos de protesto, assim conferindo a estes
uma visibilidade superior ao seu real peso social.
Mas,
tanto adolescentes como jovens, têm necessidade de referências, o que
só lhes poderá advir de políticas alternativas que, dando sentido a tais
mudanças, lhes dêem também sentido à vida e lhes transmitam mais
confiança no futuro. O que por cá, infelizmente, não vejo acontecer
(excepção talvez para o jovem partido Iniciativa Liberal, que assim
estará a atrair muita juventude e muitos abstencionistas). É que, as
mudanças que estamos a viver, em particular as tecnológicas, vêm
sobretudo das empresas, suas movimentações e inovações. São pois coisas
de empreendedores, de engenharias e de cientistas. Caberia agora à
política dar-lhes sentido, não só no plano prático e legislativo, como
ainda no da ética, fazendo com que as mudanças se traduzam num saudável
incremento social, em benefício do indivíduo, e não em convulsões
sociais.
Como
disse o professor de Oxford que supra citei, também a democracia
precisa da liberdade de expressão, para se poderem tomar boas decisões
nas nossas políticas. Creio que igualmente aqui o jornalismo deverá ter
um papel crucial, qual seja o de, para além de informar, contribuir para
formar. Tanto o público em geral, como os políticos em particular,
esclarecendo e debatendo as grandes mudanças sociais em curso e assim
pressionando ainda a necessária acção.
Para
tanto, será fundamental incentivar a qualidade e a independência do
nosso jornalismo, de jornalistas que, de mente aberta ao mundo, saibam
olhar para ele com olhos de futuro e nos ajudem a compreendê-lo, pois
muito do que por esse mundo fora se passa, mais tarde ou mais cedo
influenciará o nosso cantinho, sendo preferível estar prevenido do que
ser surpreendido. Mas ficaremos ainda mais confusos se nos continuarem a
explicar o futuro com olhos do passado.
Tenho
assim para mim que apostar na qualidade do nosso jornalismo é a melhor
defesa que se poderá fazer da liberdade de expressão e a que lhe trará
maior sustentabilidade, além de poder facilitar a migração de muitos
jovens das redes sociais para o verdadeiro jornalismo, pois que uma
sociedade sem bom jornalismo será sempre coxa, o que dificultará o seu
progresso.
Como
em tempos me disse um instrutor de condução, a caixa de velocidades
serve para ser usada, por isso use-a, também aqui me atreveria a dizer
ao nosso jornalismo que a liberdade de expressão serve para ser usada,
por isso usem-na, pois que o seu bom uso é o que melhor a resguardará de
qualquer ameaça.
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