A vida pode ser vista como uma procura permanente dos hidden layers, que toda a verdade tem o seu contexto, e que os humanos têm muito a aprender com os bons modelos matemáticos. Luís Bento dos Santos para o Observador:
Se
é verdade que “ quem não sabe, é como quem não vê”, não é menos verdade
que o que os melhores vêem, vale apenas para um certo nível da
realidade. Mesmo aqueles que rotulamos de pessoas que “ vão ao fundo das
questões”, possivelmente não reparam eles próprios que esse fundo não é
senão um buraco negro que algo ou alguém irá iluminar um dia . E se
formos mesmo ao fundo das questões, muitas coisas não são o que parecem ,
e muitas outras são, e não parecem.
Vem
isto a propósito de uma noção muito interessante de inteligência
artificial (AI), típica das redes neuronais (sistemas binários que
tentam reproduzir o funcionamento do cérebro humano), os “ Hidden
Layers”(HD) , e que podemos simplificadamente descrever como níveis de
funções matemáticas especializadas que produzem um determinado output ou
resultado. Podemos pensar neles como níveis diferentes e cada vez mais
profundos ou ‘escondidos’, de relações de causa-efeito específicas, ou
de identificação de realidades.
Ora
, a beleza destes HD é que, quando adequadamente relacionados, ou
postos em conjunto, produzem surpreendentes mas verdadeiras
identificações de realidades ( por exemplo, um criminoso ), ou predições
correctas ( um cancro ) que os humanos não são por si sós capazes de
alcançar.
Nesta
altura será de perguntar se estes notáveis resultados da AI estarão ,
num futuro breve, disponíveis de uma forma generalizada. A resposta é
não: é certamente a grande ambição da AI ser uma tecnologia de aplicação
universal na sociedade humana , mas por enquanto temos resultados
extraordinários, mas apenas num limitado número de situações . Haverá
certamente grandes avanços num futuro próximo, incluindo os que
decorrerem do desenvolvimento dos Quantum computers , mas para haver um
impacto global que a qualifique como a 4a. Revolução Industrial, é
consensual que isso está ainda num horizonte teórico e longínquo.
No
entanto, o ponto que gostaria de defender neste artigo é que, enquanto
isto não sucede ( se é que alguma vez acontecerá), nós, humanos, temos
enormes vantagens em “virar o bico ao prego” e aprender a usar em
beneficio próprio a lógica de funcionamento da Inteligência Artificial e
os algoritmos que garantem o sucesso extraordinário do Deep Learning e
das Neural Nets em muitas áreas: ou seja, a meu ver, está ao alcance de
cada um ser muito mais “inteligente” do que ele próprio imaginaria
possível. De facto, tal como estas realidades da AI mimetizaram o
funcionamento dos neurónios humanos ( sobretudo através da modelização
do seu funcionamento por via de pesos e de “bias” associados a cada
neurónio artificial, optimizando, através de inúmeras interacções, o
timing certeiro do seu “disparo” digital e consequente eficácia da
previsão ou resultado) , também nós podemos aprender a usar a lógica
destes sistemas para alcançarmos muito maior eficácia e produtividade, e
mesmo resultados que não imaginaríamos.
Neste sentido, em artigo anterior
tentei mostrar quão poderosa é uma base de dados pessoal grande e de
qualidade, e como o nosso telemóvel, que se constituiu já como o nosso
self digital, é o veículo ideal para potenciar resultados a partir dessa
sabedoria estática. Vimos como, na minha perspectiva, quem constituir
uma metabase de dados pessoal facilmente acessível ( por exemplo,
aplicando, na captura da informação, uma lógica dos algoritmos de
classificação: ou sequencial, com títulos e subtítulos; ou de laço ,
usando tags) e souber aproveitar a gigantesca velocidade de
processamento do seu smartphone e as suas operativas, irá aumentar
exponencialmente as suas capacidades para resolver problemas
profissionais e pessoais, e usar o conhecimento arquivado e os portais
disponíveis para uma vida com muito maior qualidade e produtividade –
parafraseando Elon Musk, sermos “ já hoje” poderosos cyborgs.
Relativamente
aos Hidden Layers da AI, o tema muda para exploração, descoberta, e
resolução de problemas: em palavras simples, “ver” , e “resolver” , na
vida em geral. Muitos concordarão que o nosso cérebro acumula
experiências e cultiva capacidades que são mais fruto de treino do que
inatas, e isto tem semelhança com a AI, que usa bases de dados enormes e
capacidades de computação gigantescas para se treinar a si própria ,
embora tenha ‘nascido’ com certos algoritmos inatos, e um set inicial de
informação. Ora a inteligência dum sistema estará precisamente, e
sobretudo, nas capacidade dos hidden layers , que funcionando a certos
níveis menos óbvios, e muitas vezes bastante profundos e complexos,
explicam algo ou preconizam um resultado correctamente, sendo que tal
resulta não de algum dom misterioso , mas sim de bons modelos
matemáticos. A alternativa a isto será o raciocínio humano. Uma análise
sociológica dum Joaquim Aguiar, uma análise político-económica dum
António Vitorino ou uma tese sócio- financeira dum Sérgio Figueiredo são
verdadeiras iluminações sobre tramas, motivações e causas das coisas
profundamente insuspeitas para o comum dos mortais, mas não estão ao
alcance de serem descortinadas por qualquer pessoa ou máquina, por mais
que domine os algoritmos matemáticos : existem variáveis emocionais e
sensoriais, e tipos de inteligência humana que os computadores, mesmo os
mais avançados, não dominam. No entanto, estou em crer que se
analisarmos o substrato dum qualquer tema, com base em registos de tudo
(ou quase tudo) que já se sabe dele, com o discernimento e as
capacidades importadas dos modelos de sucesso da AI, aplicadas aos
métodos dos humanos, provavelmente conseguiremos ir ainda mais fundo, e
mesmo muito mais fundo, do que a melhor análise humana baseada nos
registos do cérebro e no seu funcionamento tradicional e autónomo. São
outras dimensões que podem agora, nesta era digital, ser atingidas em
tempo útil: ou mais profundas ainda, ou mais complexas, ou análises do
mesmo fenómeno, mas sob outros pontos de vista, e tão ou mais poderosas.
Uma coisa é certa: são esses HL de AI, por exemplo, que descobrem
cancros (e salvam já hoje muitas vidas), que os médicos não seriam
capazes de detectar. Ou com base nos quais um amigo me contou que foi em
segurança, desde Lisboa até ao Algarve sempre a dormir, e sozinho, no
seu carro. Aproveitemos pois de imediato a boa ciencia dos sistemas
digitais para melhorar os sistemas de análise, compreensão , decisão e
previsão humanos: as aplicações e implicações são infinitas, mesmo em
áreas menos científicas.
Por exemplo, na criação artística.
Disse
Jeff Koons que “ se uma peça de arte não diz nada ao espectador, ela
está morta”. Sim, mas eu diria que quem também pode estar “morto” é o
espectador, que não tem capacidade para “ver” ou “resolver” aquela peça.
Daí a importância das experiências sensoriais serem não só intelectuais
mas físicas, espaciais, com muitas viagens aos locais, com explicações
presenciais de peritos, e de uma metabase de registos sobre o tema, para
se obter os HD que a teoria não descortina . E que misteriosamente , ao
possibilitarem a interligação de surpreendentes conexões, fazem chorar
de emoção o espectador de maior discernimento. Daí a minha noção
preferida de obra- prima: aquela peça em que todos os dias, nela
descortinamos novas perspectivas, e novas profundidades.
Disse
Aldous Huxley que Verdade há só uma, a Natureza, e no seu livro “The
doors of Perception” demonstrou que a mesma realidade pode ser vista de
maneiras muito diferentes mesmo pela mesma pessoa; e é interessante
pensar que, ao nível mais geral possível, o que sucede no Mundo pode ser
explicado ou pela Teoria da Relatividade; ou pela Mecânica Quântica… e
no entanto, as duas são incompatíveis!
De
tudo isto decorre que a vida pode ser vista como uma procura permanente
dos hidden layers, que toda a verdade tem o seu contexto, e que os
humanos têm muito a aprender com os bons modelos matemáticos, mas isso,
penso eu, não significa que tudo é relativo, ou que nada podemos
verdadeiramente saber: pelo contrário, há uma ‘verdade’ única, uma
solução óptima, para cada questão que escolhermos , e temos o dever de a
procurar, só que ela só é válida para um contexto e um determinado
nível de conhecimento. É que para cada tema haverá sempre… Hidden
Layers.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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