Revelação de que um pequeno continente de marines está treinando tropas na ilha adiciona elemento de tensão numa situação já explosiva. Vilma Gryzinski:
Pode
ser esta a semente de uma guerra mundial? Apesar de toda a prudência
que um tema de tal magnitude exige, o fato é que não existe no mundo
situação mais sensível do que a de Taiwan, a ilha que a China comunista
trata como uma província rebelde e promete desde sempre trazer na marra
para sua jurisdição.
A
pressão, muito bem planejada e calibrada, atingiu o ponto máximo na
segunda-feira, quando 56 aeronaves de guerra entraram na zona de
segurança aérea de Taiwan, um tipo de provocação que vem se repetindo
com intensidade crescente. Ao todo, em quatro dias, o número de
aeronaves deslocadas para as manobras de provocação foi de 150, um
recorde.
Ontem,
como numa espécie de resposta, fontes oficiais não identificadas
disseram ao Wall Street Journal que um pequeno número de marines
americanos está em Taiwan para treinar forças locais em operações
especiais e anfíbias.
Em
agosto, o senador republicano John Cornyn tuitou, num aparente erro de
digitação, que havia 30 mil tropas americanas secretamente baseadas em
Taiwan. Um erro crasso, mas a reação chinesa mostrou como o regime de
Xin Jinping está disposto a o que poderia ser definido em linguagem
popular como chutar o pau da barraca.
O
diretor de redação do Global Times, o jornal em inglês do Partido
Comunista que funciona como a voz do regime para o mundo, Hu Xijin,
escreveu um editorial extremamente violento.
“Se
for verdade, as tropas têm que ser retiradas imediatamente e tanto o
governo dos Estados Unidos como as autoridades de Taiwan devem fazer um
pedido público de desculpas”, dizia o editorial.
“Caso
contrário, eclodirá muito rapidamente uma guerra no estreito de Taiwan e
o Exército de Libertação Popular aniquilará as forças dos Estados
Unidos, libertará a ilha de Taiwan e resolverá a questão de Taiwan de
uma vez por todas”.
O
nível de agressividade é quase inacreditável. É claro que qualquer
tentativa de “aniquilar forças dos Estados Unidos” levaria a uma
conflagração que poderia redundar em guerra nuclear total – e todos os
envolvidos sabem perfeitamente isso.
Agora,
com a notícia do pequeno número de marines em missão de treinamento, o
Global Times repetiu a dose: “Vamos ver se o Exército de Libertação
Popular lança um ataque aéreo localizado para eliminar os invasores
americanos”.
A
tática do regime chinês é justamente infundir o terror, intimidando a
opinião pública americana. Diante de um adversário tão agressivo,
valeria a pena arriscar uma guerra de aniquilação mútua por causa de uma
ilha do outro lado do mundo? Afinal, por este raciocínio, eles que são
chineses que se entendam.
“Libertar”
Taiwan faz parte da estratégia chinesa de longo prazo para se tornar a
superpotência dominante, enfraquecendo os Estados Unidos no Pacífico a
ponto de, eventualmente, neutralizar sua presença, garantida pela força
naval superior e a aliança com todos os países que se sentem ameaçados
pela China, da Austrália ao Japão.
Na
quarta-feira, o ministro da Defesa de Taiwan, Chiu Kuo-cheng, disse que
a China já tem capacidade para invadir Taiwan, mas vai esperar até 2025
para minimizar o custo de uma operação dessa envergadura.
Taiwan,
a antiga ilha Formosa avistada por navegadores portugueses no século
dos descobrimentos, é o mais minúsculo dos Davis contra o Golias chinês.
Tem 36 mil quilômetros quadrados contra os 9,6 milhões da China
continental. Respectivas populações: 24 milhões contra 1,4 bilhão.
A
questão envolvendo a ilha remonta à guerra civil chinesa que resultou
na criação da república comunista. Derrotadas, as forças nacionalistas
de Chiang Kai-chek fugiram para a ilha relativamente próxima ao
continente em 1949.
Lá,
o general continuou a agir como o legítimo representante do governo
chinês, no que era reconhecido pela maioria dos países e dos organismos
internacionais.
A
situação se inverteu em 1979, quando os Estados Unidos negociaram
secretamente o reconhecimento da China comunista e Taiwan foi para o
limbo. Mesmo em escanteio, continuou a desfrutar da proteção americana e
só por isso não foi invadida até hoje.
A
grande ironia é que a China só se tornou uma potência econômica depois
que passou a ser um pouco menos China e um pouco mais Taiwan, libertando
as forças de mercado, sob controle estatal, para sair da miséria.
Depois
que a China retomou sem nenhuma dificuldade o enclave português em
Macau e obteve de volta dos ingleses a pujante Hong Kong, só Taiwan
continua a escapar ao projeto de reunificação.
O
modo como as garantias de autonomia dadas a Hong Kong foram solenemente
ignoradas reforçou em Taiwan a rejeição a qualquer acordo negociado de
reunificação. No auge dos protestos em Hong Kong, manifestações de
solidariedade em Taiwan tinham uma palavra de ordem bem sucinta: “No
China”.
De
certa forma, a disputa por Taiwan é a última rodada de um jogo em que
se enfrentaram durante décadas dois líderes chineses incrivelmente
carismáticos e brutais: Mao Tsé-tung e Chiang Kai-chek.
Tudo
o que os Estados Unidos não querem é ser arrastados para uma guerra por
causa dessa partida final. Mas, como qualquer sinal de fraqueza será
explorado pela China, precisam pelo menos demonstrar que não vão sair da
mesa se houver um avanço militar sobre Taiwan. Se saírem, a ordem
mundial desaba e a superpotência americana acaba.
Não são apostas baixas as que envolvem uma ilha do outro lado do mundo.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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