Rayssa Motta
Estadão
A troca no comando da superintendência regional da Polícia Federal no Distrito Federal, oficializada na última sexta-feira, 8, pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública, pegou delegados de surpresa. Não houve sinalização de que uma substituição na chefia da unidade vinha sendo estudada pelo diretor-geral da corporação, Paulo Maiurino.
Ele próprio havia nomeado, cinco meses atrás, o delegado Hugo de Barros Correia para o cargo. O posto passa agora para as mãos do delegado Victor César Carvalho dos Santos, que vem do Rio de Janeiro, reduto político do clã Bolsonaro.
INSATISFAÇÃO – Na avaliação do presidente da ADPF, a sensibilidade das investigações em curso na unidade reforça a necessidade de uma explicação clara para a troca. Ele reconhece ainda que a PF vive um ‘período muito difícil politicamente’. “Os colegas querem sentir o firme compromisso do diretor-geral em proteger a Polícia Federal e os delegados que estão fazendo investigação”, pontua.
A superintendência do DF é responsável por duas das principais investigações que hoje preocupam o presidente Jair Bolsonaro (sem partido): o inquérito das fake news, que mira apoiadores e aliados bolsonaristas sem prerrogativa de foro, e o que apura se Jair Renan, filho 04, praticou tráfico de influência. A unidade também toca o inquérito administrativo sobre os ataques de Bolsonaro ao sistema eleitoral.
Na avaliação do Sr., qual o problema na troca?
A gente está em um período de muita especulação,
justamente nesses períodos é necessário que a Polícia Federal faça essas
trocas de uma maneira muito transparente. Explique exatamente por qual
motivo um delegado está sendo trocado, o que ela visa com o novo
superintendente, por que o antigo não pode continuar, quais foram as
falhas, o que estava faltando… Isso é muito importante, não somente para
nós delegados internamente, como para a comunicação com a própria
sociedade.
O Sr. chegou a conversar com colegas da superintendência do DF e eles manifestaram preocupação?
Os colegas da superintendência estão
extremamente preocupados. É uma troca que o pessoal não estava
esperando. Mas é necessário que os colegas que estão nas investigações
no Distrito Federal fiquem bastante tranquilos e também que todos os
delgados do País não recebam recado de quem alguém está sendo trocado
por motivação política. Isso a gente não abre mão. Nós não vamos
permitir intervenção política na Polícia Federal ou pelo menos ela não
vai ocorrer sem que nós nos manifestemos. Talvez esse seja o recado mais
importante que a gente precisa dar para a sociedade: os delegados de
Polícia Federal não vão permitir trocas políticas na corporação. É por
isso que é muito necessário que, todas as vezes que os trocas ocorram,
tenha uma fundamentação muito transparente e objetiva a respeito.
Soa estranho que o diretor-geral tenha trocado, em cinco meses, um superintendente que ele próprio indicou?
Enquanto o diretor-geral estava montando a equipe, nós
podemos ficar preocupados, mas a gente entende que ele tem o direito de
montar a equipe dele. Agora quando começa a movimentar demais, tirando
pessoas que ele próprio indicou, sem explicar muito bem, com
investigações importantes lá… Pode não ser nada, pode ser só uma questão
administrativa, mas a preocupação como não é esclarecida vem à tona. Os
colegas ficam em uma ambiente de nervosismo e a gente não quer isso.
Para fazer investigação precisa de estabilidade.
Na avaliação do Sr., como está o clima em relação ao diretor-geral?
O clima entre os colegas é de uma certa
apreensão. Os colegas querem saber o que está acontecendo, querem que o
DG se comunique com o público interno, diga os motivos para a troca e
garanta que a PF vai continuar fazendo os seus trabalhos sem maiores
problemas. Os colegas não querem que alguém que esteja fazendo seu
trabalho de maneira técnica e correta seja prejudicado por conta disso. O
primeiro apoio que um delegado e sua equipe devem ter é da própria
Polícia Federal. Nós não vamos permitir que sejam feitas movimentações
políticas na Polícia Federal sem que tenhamos uma reação. É como se
tivéssemos marcando um X no chão: daqui ninguém passa. Nós queremos que o
nosso diretor-geral retire a Polícia Federal dessa narrativa política,
que ele evite qualquer tipo de ação que coloque a credibilidade da
corporação em risco. Se isso não ocorrer realmente nós teremos uma crise
atrás da outra e a ADPF estará na frente protegendo o interesse da
Polícia Federal e dos colegas.
O Sr. acredita que o atual
diretor-geral possa enfrentar uma reação parecida com aquela vivenciada
pelo Fernando Segovia [ex-chefe da Polícia Federal no governo Michel
Temer que caiu após três meses no cargo]?
Na verdade, o DG já enfrenta reações. Mas que tendem a se
tornarem cada vez mais fortes e públicas na medida em que ocorrerem
ações como a troca do superintendente regional do DF. Os delegados
esperam atitudes que possam melhorar o clima interno e passar
tranquilidade a quem está exercendo as atribuições. Já há um
entendimento de que o limite de episódios controversos foi ultrapassado e
que é necessário os delegados agirem como classe para fazerem cessar
essas crises que trazem instabilidade para a PF.
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