Não parece haver solução realista para o aquecimento global que deixe de fora a energia nuclear. O maior desafio, agora, é convencer o público e, por extensão, os governos democráticos que ele escolhe. Eli Vieira para a Gazeta do Povo:
Adotar
fontes alternativas de energia no lugar de combustíveis fósseis para
mitigar os efeitos do aquecimento global é louvável. Pelo menos em
teoria. Muitos governos, no entanto, estão tomando decisões irracionais
ou baseadas em relações públicas. Governos democráticos, que devem
reagir à opinião do eleitorado, podem fazer más escolhas com base em uma
opinião pública sobre riscos que é mais baseada em emoções e obras
ficcionais que em fatos. É o que parece estar acontecendo com a Europa e
os EUA. Os políticos refletem as opiniões de seus eleitores, que em
geral estão convencidos de que a energia nuclear é perigosa e que pode
ser completamente substituída pelas fontes renováveis, com baixo custo e
baixo risco.
Após
décadas da sombra projetada pelo acidente de Chernobyl e pelas bombas
atômicas de Hiroshima e Nagasaki, o mundo viu no acidente de 2011 em
Fukushima mais motivos para preocupação com a energia nuclear. O
desastre no Japão instou a Alemanha a iniciar um programa radical de
fechamento de suas usinas nucleares em favor das energias renováveis.
O
resultado não tardou a vir. O vento parou. A Europa enfrenta agora uma
crise energética, antes mesmo de o inverno chegar. Preços de energia e
gás subiram vertiginosamente. O uso de combustíveis fósseis como carvão e
gás natural tapou o buraco e chegou a cobrir 56% do consumo de energia
na Alemanha no primeiro semestre, junto a uma cada vez menor
participação da energia nuclear. Não faltaram avisos.
No
final de 2019, Stephen Jarvis, da Universidade da Califórnia em
Berkeley, junto a colaboradores, avaliou a sabedoria desta decisão da
Alemanha. Consideraram a redução de metade da produção de energia
nuclear no país realizada até então. Antes de Fukushima, a energia
nuclear supria 25% das necessidades do país. A conclusão dos cientistas é
categórica: entre 2011 e 2017, a Alemanha gastou cerca de 12 bilhões de
dólares anuais em custo social com a substituição da energia nuclear,
ao fechar dez de seus 17 reatores. Mais de 70% deste custo está no maior
risco de mortalidade associado à poluição atmosférica causada pela
obrigatória dependência de combustíveis fósseis. A conta não inclui os
36 bilhões anuais que a Alemanha gastou em energias renováveis. O risco
apresentado pela energia nuclear, em comparação, é sempre inferior a
esses custos da substituição, mesmo nas estimativas mais pessimistas.
A
Alemanha não é um caso isolado. No mesmo período considerado por Jarvis
e colegas, a Califórnia, um dos estados americanos que mais investem em
energias renováveis como a eólica e a solar, viu o preço da energia
aumentar seis vezes mais que no resto do país. Já o custo da
eletricidade industrial cresceu 32% no estado, enquanto caiu 1% no resto
do país. Uma das grandes beneficiadas com painéis solares é a China,
fabricante da maior parte deles.
A era Obama deu pesados subsídios às energias renováveis. Biden está dando continuidade a essas políticas desastrosas.
Alarmistas não se baseiam em ciência
O
alarmismo é uma estratégia política eficaz. Captura mentes, chama a
atenção. E, com típico viés da confirmação, busca por confirmações de
sua mensagem exagerada, mas não por evidências. O movimento alarmista
Extinction Rebellion, que parou Londres em outubro de 2019, tem líderes
que alegam que “nossas crianças morrerão nos próximos dez ou 20 anos”.
Mal a pandemia deu trégua em 2021, voltaram a bloquear ruas, impedindo a
passagem de ambulâncias com orgulho. Os alarmistas causam problemas
reais de ansiedade: numa pesquisa com 30 mil pessoas ao redor do mundo,
quase metade declarou que acredita que o aquecimento global extinguirá a
humanidade.
É
esse tipo de ativismo, talvez com um pouco mais de moderação que esses
extremos, que guia boa parte da rejeição às alternativas óbvias como a
energia nuclear, e os investimentos massivos em energias renováveis que,
até o momento, não entregaram o que prometem. É um alarmismo muito
parecido com o que se viu na pandemia: sem nuance, intolerante, e que,
com foco em suposta hiper-segurança que desemboca em hipo-liberdade,
promete panaceias fadadas ao fracasso. Suas ideias começaram a ocupar
pesadelos de uma parte considerável das crianças em países
desenvolvidos.
A
desesperança é contagiosa, mas, nos últimos anos, duas principais vozes
surgiram como contraponto sóbrio ao alarmismo climático: o americano
Michael Shellenberger e o escandinavo Bjorn Lomborg. O primeiro tem duas
décadas de experiência como ativista do clima, e uma década de
especialização em energia. Era contra a energia nuclear até notar que
era a alternativa com zero emissão já existente e de relativo baixo
risco, sem paralelos. O IPCC, maior autoridade institucional nas
mudanças climáticas, fez um convite a Shellenberger para ser um de seus
revisores especialistas.
O problema das energias renováveis
Imagine
uma torneira cuja vazão varie entre mais de 90% da esperada e menos de
5%. Certamente seria considerada inconsistente e substituída. É
exatamente esta a natureza das energias renováveis eólica e solar, como
mostra uma semana da sua produção na Alemanha em 2020. No ano anterior, o
naco de eletricidade gerado por esses métodos atingiu 35% no país.
A impressão de que as energias renováveis são baratas veio principalmente de trilhões de dólares dados como subsídios por governos no começo dos anos 2000, o que as faz artificialmente mais baratas. Assim, os cidadãos acabam pagando por elas em duas instâncias, via impostos e via consumo.
Há,
também, a questão da ineficiência: para produzir a mesma quantidade de
energia, campos de painéis solares tomam 450 vezes mais espaço que as
usinas nucleares, enquanto as turbinas eólicas tomam 700 vezes mais
espaço que poços de gás natural.
Outra
dificuldade é o armazenamento, altamente dependente de baterias. Como
mostram os carros elétricos, essas baterias, geralmente de lítio, são
pesadas, e promessas de inovações nelas podem já estar atingindo limites
físicos muito difíceis de superar. Promessas não cumpridas de baterias
de estado sólido têm decepcionado o mercado.
A aposta nuclear de Bill Gates
O
pai das janelinhas do seu computador há mais de 20 anos investe em
projetos filantrópicos e de inovação. Entre outras iniciativas para
mitigação do aquecimento global, fundou uma empresa startup, a
TerraPower, para oferecer uma alternativa nuclear mais segura. O motivo
de ter feito isso, diz na minissérie documental da Netflix sobre sua
vida, o Código Bill Gates, é que ele quer “inovação em todos os setores
de emissão, entre todas as diferentes áreas”. A energia nuclear, diz o
bilionário, demanda “um tipo de inovação que poderia não ser feita ao
menos que eu ajudasse”. Entre os desafios, está a percepção negativa do
público sobre a energia nuclear.
Na
TerraPower, Gates juntou um time de estrelas da inovação, incluindo
Lowell Wood, que superou Thomas Jefferson em número de patentes. Após
muito debate e complicadas modelagens em supercomputador, a equipe
entregou um projeto novo para reator nuclear: o reator de onda
progressiva (TWR). O TWR diminuiria a chance de erro humano, usaria
urânio empobrecido e lixo nuclear de outras usinas nucleares. Há cerca
de 700 toneladas de lixo nuclear nos Estados Unidos. Se fosse possível
usar tudo nisso em TWRs, o país poderia viver da energia desse material
por 125 anos, alegam membros da startup. O TWR, como uma pilha que se
descarrega lentamente, só precisaria ser reabastecido a cada dez anos.
Mais importante: o reator usaria remoção passiva de calor pelo ar, sem
necessidade de água. Foi este o problema em Fukushima: o abalo sísmico
destruiu os geradores de energia de emergência necessários para manter
sob controle o calor dos reatores com água.
Tendo
o projeto, faltava construir o protótipo, mas não há ambiente
permissivo a isso nos Estados Unidos ou em lugares como a Alemanha. A
ideia do fundador da Microsoft e sua equipe foi embarcar em nove anos de
negociações com o governo chinês, para construir por lá. Até que veio
Trump e sua guerra comercial, que desestabilizou a negociação e tornou
nulos os contratos, de forma indireta.
O
documentário da Netflix é bastante simpático a Bill Gates, não sem
razão, pois sem dúvidas é um dos homens mais inovadores das últimas
décadas. Porém, há que se questionar a decisão de negociar com a
ditadura chinesa para abrigar experimentos com seu novo reator. A China,
notoriamente ignorada por celebridades do ativismo climático como
campeã de emissões, está de olho no uso das fraquezas ideológicas do
Ocidente como alavanca, do identitarismo ao ambientalismo vulgar.
O
ministro das relações exteriores de Xi Jinping, que endureceu o regime,
deixou claro em linguagem diplomática que a China pretende usar o clima
como refém para obter um esquecimento da hipótese de que o vírus da
Covid-19 pode ter escapado de um laboratório em Wuhan, além de seu papel
na opressão do povo uigur, na extinção de liberdades em Hong Kong e
provocações a Taiwan, cuja tomada é a maior obsessão chinesa. A
declaração vem na esteira de uma 26ª cúpula climática a ser realizada em
Glasgow em novembro.
Outra
autocracia está atenta: a Rússia, que fornece o gás natural que tapa o
buraco deixado pela ineficiência de fontes de energia renovável como a
eólica, já está fazendo uso dessa vantagem. O grupo de Putin faz pressão
sobre a União Europeia para conseguir mais gasodutos, ampliando a
dependência dos europeus. Enquanto isso, ainda há líderes alemães
insistindo em dar um fim no que resta das usinas nucleares do país até o
fim do próximo ano. “O debate terminou”, disse Michael Müller, chefe de
finanças da RWE — uma empresa de energia que opera usinas nucleares.
Restam seis no país. A França, que ajudou a Alemanha na crise energética
deste ano emprestando energia nuclear de sua malha, discorda tanto que
vai investir em novas usinas nucleares.
Se
a promessa de um reator mais seguro, mais eficiente e que oferece uma
possível solução para o lixo nuclear depende de negociação com regimes
autocráticos do Oriente, pois não há ambiente receptivo no resto do
mundo, com poucas exceções como a França, realmente, como disse Gates,
“não é fácil”. Como declarou Shellenberger ao Congresso americano, “as
mudanças climáticas são reais, mas não são o fim do mundo, nem mesmo
nosso problema ambiental mais importante. (...) Estão nos distraindo de
uma ameaça maior e mais urgente: a dominação global da energia nuclear
por China e Rússia, que seria desastrosa para o liberalismo e a
democracia ao redor do mundo”.
Para
completar, voltemos aos painéis solares: Daqo, a principal fabricante
deles favorecida pelo governo chinês, usa trabalho análogo ao escravo da
minoria uigur, contra a qual a China é acusada de tentar fazer
genocídio, na província de Xinjiang.
O Brasil
No
nosso país, as usinas termonucleares de Angra suprem 3% da energia da
nossa malha. O estado do Rio de Janeiro é o maior beneficiário, onde
este valor atinge 40%. Nos Estados Unidos, a energia nuclear cobre 20%.
Um
cientista do programa nuclear brasileiro, que preferiu não se
identificar, disse à reportagem que um dos entraves ao avanço dessa
energia no Brasil é que ela é monopólio do Estado. Aqui, portanto,
iniciativas como a do Bill Gates seriam impossíveis sem uma mudança de
atitude de concentração de decisões na mão do governo. É um dos vários
assuntos em que nosso país é impedido de se desenvolver por
estatolatria. E quanto às hidrelétricas, orgulho do Brasil?
“A
construção de novas hidrelétricas esbarra em diversos fatores, um dos
principais é a disponibilidade de áreas próximas aos centros
consumidores, no caso Sudeste e Sul do país. Além disso há questões
envolvendo o licenciamento ambiental, [embargos de] movimentos sociais,
custos de construção e outros fatores. Basta olhar a situação da Usina
de Belo Monte, que a despeito de todo seu potencial inicial gera apenas
uma fração do que poderia produzir caso operasse de acordo com o projeto
inicial. Além de todos esses problemas, temos de lembrar das recentes
secas que mostraram a fragilidade da dependência de apenas uma forma de
geração, no caso a hídrica”, completa o cientista. Em qualquer país,
portanto, a diversidade de fontes na malha energética é crucial.
“A
geração nuclear é capaz de garantir o fornecimento estável e geração em
áreas muito menores do que as necessárias para a construção de
hidrelétricas, cujos lagos podem ocupar áreas consideráveis de terra.
Lembrando ainda que o Brasil possui uma das maiores reservas de urânio
do planeta, com menos de 1/3 de seu território prospectado, ou seja, a
energia nuclear pode e deve ser encarada como uma fonte limpa, confiável
e que pode nos ajudar a atingir metas de redução de emissões de gases
do efeito estufa. E esse não é um movimento inédito, diversos países
como a França, Inglaterra e Japão já sinalizam ou passaram a considerar a
energia nuclear como limpa e importante na busca pela redução de
emissões. Na minha opinião, a nuclear é primordial para a manutenção e
garantia do abastecimento dos países, haja vista a instabilidade de
outras fontes como eólica e solar. E para aqueles que dizem que a
energia nuclear não é renovável, é preciso lembrar que as turbinas dos
geradores eólicos e placas solares também não são obtidas de materiais
renováveis, são produtos da mineração, tal qual o urânio.”
Não
parece haver solução realista para o aquecimento global que deixe de
fora a energia nuclear. O maior desafio, agora, é convencer o público e
por extensão os governos democráticos que ele escolhe.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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