Sua maior vitória prática foi ter contribuído para impulsionar o processo de vacinação. Fernando Gabeira para o Estadão:
A
CPI da Covid está chegando ao fim e já é possível dizer que foi uma das
mais importantes da história deste instrumento de investigação. Ao
contrário das outras, que tratavam basicamente de escândalos de
corrupção e negócios secretos na esfera do poder, ela se dedicou a um
tema que todos conheciam.
Na
medida em que estava em jogo a política negacionista de Bolsonaro,
bastava traçar uma linha do tempo de suas declarações para constatar que
negou a importância da pandemia, duvidou de sua letalidade, adotou uma
falsa bala de prata contra ela, a hidroxicloroquina, e, finalmente,
resistiu como pôde à inevitável saída para o problema: o processo de
vacinação em massa.
Tudo
indica que Bolsonaro não tenha partido de uma visão específica sobre o
quase desconhecido coronavírus. Na verdade, sua grande preocupação era
com a sobrevivência de seu governo, ameaçado pelo impacto econômico da
pandemia. Bolsonaro lutou contra as medidas de distanciamento social e,
na célebre reunião de 22 de abril, chegou a lamentar que o povo não
estivesse armado para contestá-las. Todo esse comportamento era público,
logo, a CPI não teria grandes dificuldades em mapeá-lo.
A
influência do trabalho parlamentar se acentuou, entretanto, no processo
de vacinação. Ao denunciar as hesitações de Bolsonaro nas tratativas
com a Pfizer e a recusa inicial em comprar a Coronavac por razões
políticas, a CPI revelou que o combate ao coronavírus e, em
consequência, o número de mortos teriam sido bem diferentes se o governo
tivesse um outro comportamento.
A
situação ficou mais clara com o surgimento de grupos de lobistas que
negociavam a venda de vacinas ao governo e tinham um tratamento mais
aberto do que os grandes laboratórios internacionais. Ofertas
mirabolantes da venda de 400 milhões de doses da vacina AstraZeneca
foram levadas a sério. Em seguida, surge o escândalo da Covaxin,
envolvendo uma empresa que já havia recebido dinheiro do governo, sem
entregar a mercadoria. No caso da Covaxin, ao menos US$ 45 milhões foram
salvos, porque era esse o adiantamento que a empresa queria receber num
paraíso fiscal asiático.
Talvez
todo este processo de investigação da CPI não resulte rapidamente em
punições legais, porque o processo jurídico tem rumo e ritmo próprios.
No entanto, é possível afirmar que as denúncias da CPI, associadas à
pressão social, acabaram empurrando o governo para uma compra mais
rápida e generosa das vacinas.
O processo está terminando no momento em que o nível de contágio pelo coronavírus no País é o menor desde abril de 2020.
A
CPI vai apresentar sua denúncias em níveis nacional e internacional.
Bolsonaro será denunciado no relatório final. As consequências políticas
são inevitáveis, nenhum líder escapa do profundo desgaste diante de
tantas mortes como no Brasil, ou mesmo nos EUA, onde Trump foi
derrotado.
No
entanto, a grande vitória prática da CPI foi ter contribuído para
impulsionar o processo de vacinação, o principal instrumento de que o
Brasil poderia dispor para salvar vidas.
A
CPI que termina foi, também, aquela que esteve no ar durante todo o
tempo de seu funcionamento. Essa intensa exposição revelou o despreparo
de alguns senadores para uma tarefa deste tipo, que requer pesquisa e
dedicação.
Da
mesma maneira, na medida em que se tornou um palco, a CPI acabou sendo
usada para performances histriônicas, propaganda comercial e discursos
negacionistas. Em muitos momentos, sobretudo naqueles em que os
senadores não tiveram equilíbrio, a CPI correu o risco de perder a
credibilidade.
Contudo,
apesar de toda esta confusão, aparentemente inevitável quando há
câmeras por perto, a CPI levantou momentos dramáticos cuja investigação,
certamente, não vai se esgotar agora. Um destes momentos foi a crise de
oxigênio em Manaus, com tantas mortes e o governo tentando afirmar uma
teoria de tratamento precoce, sem resolver o problema central: falta de
ar.
Outro
momento foram as denúncias contra a Prevent Senior, também tratando de
muitas mortes e envolvendo uma perspectiva comercial que pode tê-las
impulsionado. Depoimentos dramáticos da advogada dos médicos
pressionados pela empresa e de um paciente que quase morreu e foi salvo
pela determinação das filhas indicam mais um caso que será falado mesmo
depois de concluída a CPI.
Finalmente,
foi também levantada uma investigação sobre fake news, sobretudo
aquelas que tinham incidência direta na pandemia e, de certa maneira,
contribuíam para aumentar o número de mortes no Brasil. Também é um tema
que se desdobra em outra frente de investigação, no STF, onde se
pesquisam também as fake news não apenas contra vacinas, mas também
contra a própria democracia.
Quando
se escrever a história deste triste episódio da vida nacional, esta
tempestade perfeita, que unia um vírus devastador e uma ignorância não
menos destrutiva dos governantes, o trabalho da CPI, certamente, será
reconhecido como das fontes principais, o que enriquece mais ainda sua
contribuição.
Apesar
do auxílio emergencial e de algumas iniciativas pró-vacina, ainda assim
o Congresso poderia ter feito mais. A própria CPI foi conquistada na
Justiça.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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