A previsão vem com um alerta: “é um ano em que os problemas são resolvidos com disciplina”. Muita disciplina e esforço extra. Ou seja. Será um ano do boi. O ano dos bois de carga. Luciano Coutinho para a Gazeta do Povo:
Em
fevereiro, tudo irá mudar para melhor. É o que promete o horóscopo
chinês. No dia doze começará o ano do boi. Segundo um site que trata do
assunto, e que foi bastante preciso sobre as agruras de 2020, este ano
será de recuperação.
O
mesmo site diz que em 2021 não ocorrerão eventos explosivos ou
catastróficos. Portanto, o ano será também favorável para a recuperação e
consolidação econômica. Algo que parece improvável, mas o fato de 2020
ter sido absolutamente horroroso, torna possível que as previsões
chinesas voltem a se confirmar. Mas ser melhor, claro, não significa ser
mais fácil.
A
previsão vem com um alerta: “é um ano em que os problemas são
resolvidos com disciplina”. Muita disciplina e esforço extra. Ou seja.
Será um ano do boi. O ano dos bois de carga.
Não
seria nem necessário o horóscopo chinês para nos alertar que as
melhoras não virão de mão beijada. O ano do rato, que está por terminar,
foi tão pestilento que suas sequelas nos acompanharão por muito tempo.
Chegamos a 2021 com mais de 1,8 milhão de mortes. Um mundo redesenhado
pelo medo, cujo efeito colateral mais perigoso é o affair com o
totalitarismo.
As
ambições do Partido Comunista Chinês foram a ponte que permitiu a peste
atravessar a barreira interespécies. Saltando do morcego para nos
infernizar para sempre. Mas, como se ainda fosse possível, os chineses
espalharam pelo mundo algo tão contagiante quanto o vírus: a rendição
diante do medo da morte. Algo extremamente humano. Profundamente humano.
Não
se trata de negar o uso de máscaras, distanciamento social e as demais
imposições sanitárias que se tornaram inevitáveis para minimizar a
disseminação do coronavírus. Idiotices como estas atrapalharam a vida do
presidente Donald Trump, por exemplo. O ponto chave é a rendição.
Este
é o Ano do Boi, mas nem por isso, devemos ser tão bovinos. Juntamente
com o vírus, a China exportou para o mundo uma amostra de como o povo
chinês vive sob a mira do Estado.
Não
é nada empírico, mas parece que há uma certa admiração para quem tem
pesado a mão. E há um certo clima de tolerância às arbitrariedades.
Quando o Supremo Tribunal Federal (STF) determina a aplicação de sanções
para quem não tomar vacina contra covid-19 e é celebrado como o
guardião as sanidades física, mental e democrática do país, há algo para
se pensar.
Um
ponto bastante curioso para um país que não tem vacina para todo mundo e
deveria, seguindo um raciocínio básico priorizar quem mais precisa e
quem quer ser vacinado. Aqueles que adiarem a escolha ou se recusarem a
tomar a vacina que assumam os seus próprios riscos. Mas há quem diga que
não se trata mais de uma escolha individual, pois coloca em risco a
vida dos outros. Mas aí vem a questão. A vida de quem já que em tese
quem aderiu à vacina já estaria imunizado.
Mas
enfim. A questão não é tão simples. O Brasil venceu o sarampo e pólio
sem medidas impositivas. Campanhas educativas fizeram a população
aderir, praticamente de forma massiva, aos programas de vacinação.
Em
2018, uma epidemia de sarampo eclodiu na Venezuela de Nicolás Maduro. A
onda de refugiados que, naquele ano, fugia do regime, levou consigo a
doença para os países vizinhos, inclusive o Brasil. Em Pacaraima, cidade
brasileira que é a porta de entrada dos venezuelanos, a Organização
Panamericana de Saúde mantinha alguns funcionários para orientar o
Brasil no manejo da crise, como se isso realmente fosse algo necessário.
Empacotada por um coletinho azul com o símbolo da organização
internacional, uma consultora me disse que obrigar a vacinar era uma
violação aos direitos humanos. A resposta à minha pergunta veio
acompanhada de uma explicação. “Ninguém pode ser obrigado a se vacinar. A
melhor política é monitorar as pessoas enquanto estão aqui na fronteira
para ver se há evolução dos sintomas”. Fevereiro de 2018. Parece algo
tão distante. Outros tempos.
Em
2013, o venezuelano Moises Naim publicou o fundamental O fim do poder.
Entre vários elementos que nos ajudam a entender como chegamos até aqui,
seu livro nos fala de como o poder, tal como conhecíamos, se tornou
volátil. As instituições se tornaram vulneráveis e com elas política e
políticos e a própria democracia. Não necessariamente o poder havia
desaparecido, mas mudado de forma e de mãos.
A
China exibe números impressionantes para justificar como domou o
monstro criado por ela mesma. Nas redes sociais e na imprensa não faltam
pessoas encantadas com o sucesso de Xi Jinping. Entre a ficção e a
realidade, os números chines só podem ser construídos por meio da força.
Algo que só as ditaduras podem oferecer.
A
pandemia de coronavírus mostrou que onde o governo não usou o peso de
sua mão sobre as pessoas, os cidadãos reclamaram por não ter sentido o
peso deste poder. Parece esquisito. Mas paulistanos se sentiram
protegidos ao saber que seus dados de localização de celular poderiam
servir para monitorá-los. O Google já faz, por que o governo não pode
fazer para o bem geral?
No
Catar, a população foi obrigada a fazer o download de um aplicativo
estatal no celular. O simples fato de sair de casa para colocar lixo na
rua era motivo para o sistema de rastreamento enviar um puxão de orelha
para o usuário pedindo-lhe explicações das razões de ter ido até a
calçada.
É
evidente que a pandemia exige um esforço extraordinário das pessoas.
Máscara, antisséptico, distanciamento social e a menor circulação em
ambientes públicos possível. Volto a citar o erro fatal de Trump, que se
tivesse tido a serenidade para recomendar o óbvio, não teria
fortalecido o discurso injusto de que ele conduziu mal a resposta do
Estados Unidos à pandemia.
Este
será o ano da vacinação. O amplo cardápio de imunizantes traz consigo
lições importantes sobre o avanço da ciência, como o mundo ainda
funciona e como ele poderá vir a funcionar. Quando comparadas com as
concorrentes ocidentais, as opções chinesas revelam perfeitamente como o
regime que avança sobre o mundo opera. Não há transparência. Há
históricos de corrupção e uma descarada cooptação das estruturas
políticas, acadêmicas e de imprensa.
Não
se trata de ser contra a nacionalidade de um imunizante. Mas é
inadmissível a tolerância à falta de dados que comprovem que ele possa
funcionar. Um comportamento bovino que deveria acender uma luz de
alerta. Uma luz bem vermelha. Feliz Ano Novo.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
Nenhum comentário:
Postar um comentário