Alemanha e França começam a exigir proteções médicas em locais fechados. Escassez de produção e preço são os principais obstáculos para alterar o protocolo contra a covid-19. Reportagem do El País:
A história das máscaras
se repete. No início da pandemia, as autoridades sanitárias não
recomendavam seu uso —em parte— porque não havia capacidade de
fornecimento para todos os cidadãos. Quase um ano depois, máscaras não
médicas ainda são permitidas, apesar de os especialistas consultados
afirmarem que estas não são mais seguras, levando em consideração o que
se sabe hoje sobre a transmissão do vírus e, principalmente, com a
circulação de variantes mais contagiosas,
como a britânica. Mas se as teoricamente mais eficazes para conter o
contágio, as FFP2, fossem obrigatórias para todos, provavelmente não
haveria capacidade de produção suficiente.
Há
países que já estão vetando as máscaras não médicas por não oferecerem
garantias suficientes. A França começou desaconselhando o uso das caseiras
e está preparando um decreto para impor o uso de proteções mais
elevadas. As autoridades querem que os cidadãos usem apenas três tipos
de máscaras em espaços públicos a partir de agora: as cirúrgicas, as
FFP2 e as de tecido industrial de categoria 1, que filtram pelo menos
90% das partículas de três micras. Na Alemanha já não se pode entrar em
espaços fechados (como supermercados ou escritórios) com máscaras de
tecido ou higiênicas. Tampouco se pode usar um cachecol ou um lenço.
Serão exigidas as de tipo FFP2, KN95 —consideradas equipamentos de proteção individual (EPIs)—
ou a máscara cirúrgica, mais barata que as anteriores, mas também
homologada, e que possui uma capacidade de filtragem superior a 90%. As
máscaras FFP2 já são obrigatórias na Baviera desde segunda-feira.
Alberto Núñez Feijóo, presidente do Governo autônomo da Galícia,
introduziu o debate na Espanha na quarta-feira. “Daria confiança que o
Governo esclarecesse se as FFP2 podem ser obrigatórias em determinados
lugares ou comportamentos sociais. Parece-nos que sim”, afirmou em uma
intervenção no Parlamento, na qual anunciou que levaria a questão ao
presidente do Governo (primeiro-ministro) espanhol, Pedro Sánchez, na reunião que terão na sexta-feira.
Fernando
Simón, diretor do Centro de Coordenação de Alertas e Emergências
Sanitárias espanhol, aprovou o uso de máscaras cirúrgicas ou EPIs (FFP2
ou FFP3). “Quanto mais proteção, melhor”, disse na semana passada ao
defender o uso de máscaras de tecido “que atendam à especificação UNE [padrão da Associação Espanhola de Normalização]”. Esse tipo de proteção foi autorizado na Espanha em abril, quando foi imposta a obrigatoriedade das máscaras,
com o objetivo de que empresas não especializadas pudessem produzir em
massa e cobrir rapidamente as necessidades de toda a população.
Mas o uso desse tipo de máscara, assim como as caseiras,
é cada vez mais questionado. “Não estão sujeitas ao cumprimento de
requisitos específicos do ponto de vista da saúde”, argumenta Luis Gil,
secretário-geral da Associação das Empresas de Equipamentos de Proteção
Individual da Espanha (Asepal). O EL PAÍS consultou o Ministério da
Saúde sobre mudanças nas normas sobre máscaras, que respondeu que se
forem feitas serão anunciadas no momento oportuno.
As ideais: FFP2 e FFP3
José
Jiménez, pesquisador do Departamento de Doenças Infecciosas do King’s
College, em Londres, acredita que as máscaras higiênicas (de tecido,
papel) e principalmente as caseiras “não devem ser permitidas”, pois sua
eficácia depende muito do material de que são feitas
e dos filtros que contêm. “Em um mundo ideal, o correto seria que todos
usassem máscaras EPIs (FFP2 e FFP3) porque são as mais eficazes para
evitar a infecção e a possibilidade de infectar outras pessoas. Porém,
são máscaras caras que nem todos podem pagar, nem sempre estão
disponíveis e seu tempo de uso é muito limitado. Por isso, mesmo que não
sejam perfeitas, acredito que o mínimo aceitável seriam as máscaras
cirúrgicas, que são as usadas pelo pessoal de saúde e são mais
suportáveis e acessíveis”.
Enquanto
as cirúrgicas podem ser encontradas por 15 centavos de euro, as do tipo
EPI não custam menos de dois euros. Tendo em conta que sua vida útil é
de cerca de oito horas de utilização, quem necessita de um uso intensivo
teria de gastar 60 euros por mês (aproximadamente 390 reais). No
Brasil, uma caixa com 50 máscaras cirúrgicas descartáveis é encontrada a
cerca de 30 reais (aproximadamente 60 centavos cada uma, enquanto a
unidade da FFP2 pode custar ao menos 10 vezes esse valor). E a isso se
somam os problemas de produção alegados pela Asepal. “A obrigatoriedade
deste tipo de máscara, que pode acontecer tanto na Espanha quanto em
toda a Europa, poderia ter o risco de voltarmos a encontrar problemas de desabastecimento.
No momento o abastecimento está normalizado para atender os
profissionais, mas a oferta não está tão preparada para uma demanda
global de todos os cidadãos”, enfatiza Gil.
Diante
desse problema, José María Lagarón, pesquisador fundador do grupo de
Novos Materiais e Nanotecnologia do Instituto de Agroquímica e
Tecnologia de Alimentos (IATA-CSIC), propõe que ao menos seja
recomendado ou explicado ao público que o ideal seria usar máscaras FFP2
em ambientes internos. “Sabemos que o vírus se espalha principalmente pelo ar e os aerossóis se acumulam em ambientes fechados, de forma que a melhor proteção são os EPIs. Em espaços abertos as cirúrgicas podem ser suficientes”, explica.
Seguras se bem colocadas
Um
dos problemas que as autoridades sanitárias sempre argumentaram para
não recomendar EPIs à população em geral é que a maioria não saberia
como colocá-los. Embora este tipo de máscara (em que se enquadram as
FFP) seja o mais alto, sua eficácia reside no fato de estar
perfeitamente ajustada ao rosto e formar com ele um espaço hermético, de
modo que todo o ar que uma pessoa expira seja filtrado pela máscara.
Luís Gil, secretário da Asepal, explica que tanto uma barba quanto uma
máscara com folgas no nariz ou no rosto fazem com que essa segurança
elevada se perca, pois os patógenos que flutuam no ar em aerossóis
podem passar por esses espaços sem passar pelo sistema de segurança da
máscara. O uso de uma máscara dupla tampouco fornece proteção extra se a
máscara cirúrgica for colocada por baixo e a FFP por cima. Na verdade,
isso é contraproducente, pois cria folgas que não permitem esse ajuste
perfeito.
Em
relação às cirúrgicas, Jiménez afirma que o problema é que foram
desenhadas para evitar que quem a usa possa transmitir doenças
contagiosas a outros. “Servem para proteger aqueles que estão ao nosso
redor, então a proteção que daria ao usuário é muito limitada. No
entanto, se todo mundo usasse pelo menos máscaras cirúrgicas e o
fizessem corretamente, o número de infecções diminuiria consideravelmente”, acrescenta.
Lagarón aponta que esse tipo de proteção foi criado para bactérias, não para vírus como o SARS-CoV-2,
que causa a covid-19. “Tradicionalmente, é usada por profissionais de
saúde em cirurgias para não infectar os pacientes que estão operando
[daí seu nome] com gotículas expelidas por suas bocas. Com um vírus
respiratório como o desta pandemia, não é que o usuário está totalmente
desprotegido, mas sabemos que nas cirúrgicas podem penetrar entre 35% e
15% das partículas potencialmente contagiosas. Diante de uma cepa mais virulenta, como a britânica,
fica claro que temos de levar a proteção ainda mais a sério”, afirma.
Já um EPI mal colocado, com as folgas mencionadas, pode reduzir sua
eficácia pela metade.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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