Anne Warth
Estadão
O governo ignorou as restrições da Lei das Agências Reguladoras e indicou o nome de um ex-deputado estadual e dirigente partidário para a diretoria da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT). O escolhido Arnaldo Silva Júnior foi deputado estadual em Minas Gerais entre 2015 e 2019 e comanda o diretório municipal do DEM em Uberlândia (MG).
Ele também é funcionário do gabinete do senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG) – escolhido por Davi Alcolumbre (DEM-AP) para disputar a sucessão na Presidência do Senado e apoiado pelo governo Jair Bolsonaro. Pacheco é herdeiro de empresas de ônibus, o que também deveria inviabilizar a indicação.
PROIBIÇÃO CLARA – A Lei das Agências (13.848/2019) é clara ao proibir a indicação de políticos a cargos de diretoria de órgãos reguladores. Além de ministros, secretários estaduais e municipais e titulares de mandato no Legislativo, a legislação veda “dirigente estatutário de partido político” e “pessoa que tenha atuado, nos últimos 36 meses, como participante de estrutura decisória de partido político ou em trabalho vinculado a organização, estruturação e realização de campanha eleitoral”.
Mesmo violando dois dispositivos da lei, o nome de Silva Junior passou pelo Ministério da Infraestrutura, formalmente responsável pela indicação, pela Secretaria-Geral da Presidência da República, a quem cabe fazer o escrutínio do nome antes da publicação no Diário Oficial da União (DOU) e pela Comissão de Infraestrutura do Senado, que faz a sabatina do candidato antes de submeter o nome ao plenário da Casa.
INFLUÊNCIA POLÍTICA – As restrições impostas pela lei das agências visam evitar que processos de caráter técnico possam ser contaminados por influência política.
Na diretoria da ANTT, por exemplo, Silva Júnior terá a chance de analisar desde as taxas de pedágio em rodovias ao tabelamento do frete no País – motivo de paralisações de caminhoneiros nos últimos anos.
Também são os diretores da ANTT que autorizam o funcionamento de novas linhas rodoviárias para transporte de passageiros – um dos temas que mais geraram controvérsia entre o governo, que quer abrir o mercado para novos competidores, e o Senado, que tem entre seus membros herdeiros de empresários que atuam no setor há anos.
UM EXEMPLO ILEGAL – Esse é o caso do senador Rodrigo Pacheco, chefe de Silva Junior e filho do dono das empresas Santa Rita e Viação Real, que atuam no transporte de passageiros. Ele foi um dos senadores que mais atuou pelo projeto de lei que reduz a concorrência no transporte rodoviário interestadual de passageiros (TRIP), aprovado no último dia 15 pelo Senado e relatado pelo senador Acir Gurgacz (PDT-RO), cujos familiares são donos da Eucatur e da Solimões, outras duas companhias do setor.
Apesar de Silva Junior ser seu funcionário, Pacheco disse que a indicação dele à ANTT foi uma iniciativa do Ministério da Infraestrutura – a quem a agência é vinculada.
“O indicado é uma recomendação do Ministério da Infraestrutura, responsável pela avaliação dos requisitos à função. Não há interesse pessoal meu algum na indicação”, alegou, por meio de sua assessoria.
PEGA NA MENTIRA – Não foi o que o próprio indicado disse na Comissão de Infraestrutura do Senado. Ao se apresentar, de acordo com as notas taquigráficas da sessão, ele agradeceu e cumprimentou “de forma muito especial, o senador Rodrigo Pacheco pela confiança e pela indicação do meu nome”. Esqueceu de citar Davi Alcolumbre, que apoiou a indicação junto ao Planalto,
Rodrigo Pacheco é herdeiro de empresas de ônibus, o que levantou questionamentos sobre a indicação de Arnaldo Silva Júnior para diretoria da ANTT. Foto: Marcelo Camargo / Agência Brasil
No governo, não houve explicação sobre como o nome Silva Junior passou pelos controles dos ministérios sem que essas restrições fossem levantadas. Técnicos argumentam que os impedimentos para políticos não são facilmente constatados e que dependem de informações prestadas pelo próprio indicado.
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