Convém notar que “negacionismo”, na acepção de negar a realidade, é aceitar as “medidas”, as restrições, as humilhações, as falências, as doenças e as mortes, milhares de mortes, a pretexto da Covid. “Negacionismo” é resumir o mundo à Covid em prejuízo do que sobra. A crônica semanal de Alberto Gonçalves para o Observador:
Uma
mulher, cerca de 60 anos, sofre de um tumor no cérebro. Não tem família
próxima, excepto uma sobrinha. O tumor afecta-lhe os movimentos e
torna-a completamente dependente do auxílio alheio, até nas tarefas mais
insignificantes e habituais. Há um mês e tal internaram-na num dos
grandes hospitais de uma área urbana. Passados dias, enviaram-na para um
segundo grande hospital, nas redondezas. Este não demorou a enxotá-la
para uma “unidade de cuidados continuados”, ou coisa parecida,
localizada num subúrbio. A “unidade” também não a quis: chamou os
bombeiros para depositarem a mulher em casa. Os bombeiros tencionavam
largá-la à porta. A mulher informou-os de que não conseguia mexer-se. Os
bombeiros carregaram-na para o interior do apartamento, onde ficou. Em
pouco tempo deixou de atender chamadas. A sobrinha e duas ou três amigas
preocuparam-se. Alguém forçou a entrada. A mulher estava viva,
consciente, subnutrida, cheia de sede e suja dos próprios dejectos. A
sobrinha conseguiu que voltassem a interná-la num dos referidos grandes
hospitais. Desde então que não há notícias da mulher. Contactado
insistentemente, o hospital não dá informações aos interessados. É
possível que continue viva, se acharmos que isto é viver.
Muitos
portugueses em situação comparável já morreram. Nos últimos nove meses,
quando a Covid ganhou prioridade sobre todas as maleitas inócuas,
milhares de pessoas, consta que dez mil, faleceram de cancro ou de
doenças cardíacas ou do que calhou por assistência deficiente ou nula. É
fácil imaginar que uma quantidade superior de desgraçados esteja a
caminho de um fim similar por similares razões. Não é fácil imaginar que
haja razão para um crime tão medonho. E que o crime vá ficar impune.
O
crime, ou, se preferirem, a estratégia de combate à Covid obedece a um
objectivo, em simultâneo absurdo e inviável. Por um lado, pretende-se
impedir o “colapso” do SNS, missão que pelos vistos implica o sacrifício
derradeiro de incontáveis azarados, mártires que ninguém lembra ou
reconhece (curioso: os leigos acreditariam que um serviço público de
saúde existe para ajudar cidadãos. Afinal é o contrário). Por outro
lado, não faz sentido impedir um “colapso” que já aconteceu. Deliberada
ou acidentalmente, o SNS “colapsou” no momento em que desatou a cancelar
consultas, a adiar cirurgias, a pendurar diagnósticos e, em suma, a
repelir doentes graves para receber com dignidade os infectados com o
coronavírus. E, dentre estes, principalmente aqueles sem idade bastante
para morrer em lares de velhos, conforme recomenda a etiqueta.
Dez
mil mortos. Na Guerra Colonial não morreram tantos soldados
portugueses. Na Iª Guerra morreu um quinto na Flandres. Mesmo
descontando os que morrerão no futuro e os que se limitaram a adoecer
por falta de cuidados, é muita gente. Mesmo descontando os que se
limitaram a empobrecer dramaticamente por causa da “estratégia” global e
alucinada contra a Covid, é muita gente. Dez mil mortos, vale a pena
repetir.
Não
vale a pena repetir. Fora os familiares e amigos dos atingidos, que se
não forem irremediavelmente obtusos percebem a crueldade do exercício, o
povo em geral não se importa que se condenem milhares a uma morte
escusada logo que isso salve da morte um número indeterminado de
indivíduos. A propósito, somos diariamente informados de quantos morrem
“com” e talvez “por” Covid. Quantos se salvam da Covid graças à
“estratégia”? O povo, maioritariamente favorável à “estratégia”, não faz
essa pergunta. O povo, instigado por políticos inqualificáveis e
“media” submissos, receia o que o mandam recear e não faz perguntas. Aos
poucos que as fazem, a ortodoxia chama “negacionistas”, erguendo de
súbito a Covid ao estatuto do Holocausto.
Convém
notar que “negacionismo”, na acepção de negar a realidade, é aceitar as
“medidas”, as restrições, as humilhações, as falências, as doenças e as
mortes, milhares de mortes, a pretexto da Covid. “Negacionismo” é
resumir o mundo à Covid em prejuízo do que sobra. “Negacionismo” é
acreditar que “lá fora” é igual, e que todos os países têm o excesso de
mortalidade “não-Covid” que Portugal tem, e que todos os países impõem
as regras grotescas que Portugal impõe, e que todos os países são
susceptíveis à prepotência e à miséria como Portugal é. “Negacionismo”
é, perante um cenário de cadáveres e ruínas, elogiar as “autoridades”
responsáveis pelos cadáveres e pelas ruínas. “Negacionismo” é o brutal
desprezo pelos danos infligidos nos que nos rodeiam, na solitária
condição de que nós não apanhemos o bicho. “Negacionismo” é este egoísmo
terminal e esta cegueira. A Covid trouxe ao de cima o pior dos
portugueses.
Alguns
dos piores portugueses já estavam em cima, e só aproveitaram a Covid
para se fazerem mais pesados. A higiene aconselha a, por uma vez, evitar
os respectivos nomes. Um deles, porque consentimos que proíba, proibiu
as celebrações de Ano Novo. Nisso foi pertinente: celebrar o quê? Mudar a
folha no calendário não mudará nada na tirania dócil a que estamos
sujeitos. A “estratégia” contra a Covid permanecerá firme, à semelhança
da devastação que provoca. E nem a vacina, privilégio da civilização e
aqui intencionalmente “coordenada” por casos clínicos de
destrambelhamento, nos aliviará a carga. 2021 será 2020 com mais um
número: o número das próximas vítimas da loucura instalada. Bom ano,
pois. Aos que lá chegarem, e aos que lhe sobreviverem. A mulher da
história inicial, disseram-me entretanto, em princípio não chega. E de
certeza não sobrevive. Não há vida para lá da Covid, mas há morte.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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